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01/11/25

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NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva




Coimbra. O primeiro momento do dia, volta a ser a estação. Cativam-me os momentos da partida, mais do que os de chegada. Quando nos afastamos e observamos com cuidado, podemos idealizar o que cada um deixa transparecer ou pretende esconder. Na chegada, há cansaço, por vezes irritação, mas quando iniciamos uma viagem, sente-se ansiedade, a vontade da descoberta, a interrogação do que encontraremos no destino. Alguns, acomodam-se num pequeno espaço, outros espreitam o relógio ou o espaço de informação e outros ainda, caminham com ar pensativo. Num intervalo desta observação, espreito os títulos dos jornais do dia e ao folhear um deles, deparo-me com esta pérola, “Se conseguir negociar uma coligação com maioria no Parlamento (…) poderá ser o mais novo de sempre a ocupar o cargo de primeiro-ministro e o primeiro assumidamente homossexual.” Presume-se que o sexo deve fazer parte do Curriculum Vitae do provável primeiro-ministro dos Países Baixos. O Público insiste em erguer muros onde se abriam portas. Quase silenciosamente, o comboio aproxima-se lançando um som de buzina curto, mas estridente. Oitenta e sete toneladas de metal deslizam nos carris até se deter. O meu olhar ergue-se por sobre a multidão que procura as portas na expectativa de que me pudesses surpreender com a tua companhia. Foi apenas um sonho, uma ilusão. Viajamos agora nas planícies desta Beira Litoral que faz a ligação entre o mar e o interior montanhoso. Enquanto a paisagem passa pelo nosso olhar em sentido oposto, deixamos que o pensamento examine o mundo que nos rodeia neste tempo atropelado por malfeitorias e acções devastadoras sobre os colectivos humanos, das quais nenhum espaço terreno parece poder escapar, ou até iludir. No Auschwitz palestiniano, o sionismo judeu continua a matar. Existe uma diferença qualitativa entre o nazismo e o sionismo judeu. Ao nazismo, a humanidade conseguiu parar, julgar e condenar, mas o sionismo judeu, é que submete a humanidade a uma derrota humilhante. Em nome de loucuras bíblicas que só existem na cabeça de doentes mentais, um Estado ergueu-se à bomba e sobre acções criminosas constantes e, ao longo de oitenta anos, têm obrigado a humanidade a pedir desculpa quando num lapso de coragem os critica. Sem a Nuremberga do sionismo judeu, temos de aceitar que a humanidade ultrapassará uma linha sem retorno. Esta locomotiva que impulsiona este comboio, entrou em marcha de retenção e uma voz apressada avisa que vamos entrar na estação de Coimbra B. É o efeito do hábito, pois já não existe Coimbra A. É um autocarro que nos leva por estes dias até ao centro da cidade, ou até Coimbra A, se assim quisermos recordar o passado recente. É tempo de caminhar na procura do que aqui me trouxe, o passado, esse tempo vivido, esse espaço pretérito tão cheio de presentes. A velha cidade romana de Aeminium. Onde o império necessitava de atravessar cursos de água, nascia uma cidade ou um lugar habitado. Depois dos Suevos chegaram os muçulmanos e os árabes e Aeminium  passou a Qulumbriya. No século XI por fim, Coimbra passou para a posse da realeza leonesa, não deixando, todavia, de ser cercada mais tarde pelas hostes árabes. Resistiram a Condessa Portucalense, viúva que era de D. Henrique e mãe de Afonso que virá a ser rei.  O meu pensamento ganha asas enquanto caminho pela airosa avenida da margem direita deste Mondego e os meus passos dirigem-se para a antiga urbe que olhada do outro lado, o seu casario se assemelha a velhinha cidade de onde provimos. Caminho sobre as pedras centenárias desta solidão que me embala, me conduz entre as paredes das ruas estreitas do silêncio. Há em cada um de nós o desejo de voar, olhar de cima o chão que pisamos. Percorremos o tempo de vida, o nosso, e o daqueles que nos trouxeram aqui, e não resistimos a desenhar os contornos das avenidas por onde passarão os que ainda não chegaram. Tudo é História, tudo é vida entre o nascimento e a viagem que nos levará pelo espaço da eternidade. Por agora caminho apenas e usufruo das alas deste silêncio como se fosse a tua companhia e os meus braços prendem-te para que não fujas da minha memória e me guies nos caminhos infinitos do amor pelo passado, esse pretérito que hoje visito, onde cavalgaram as hostes árabes dos almorávidas. No acabar desta estreita rua, um largo se abre, e altaneira, olhando de cima, a Sé Velha ou Catedral de Santa Maria de Coimbra. Uma frontaria austera, castelã e românica faz-nos sentir temor, como se pretendesse representar, o poder de Deus sobre a pequenez humana. A nave central aberta em arcos laterais suportados por colunas de boa dimensão, na sua singeleza, só é abafada pelo barroco do altar, essa ousadia dourada a tentar sobrepor-se à beleza da pedra e do mármore. Mas é na pulcritude quase gótica do claustro que o meu olhar se deliquesce em descanso. O pensamento voa na procura de sanar o que me surge como uma contradição. Afonso, derrota as hostes da mãe e da nobreza galega dos Trava em 1128 e tendo já como objectivo assumir-se como rei de um reino que não tinha, rumou à Coimbra moçárabe, onde ficava o que hoje chamaríamos a fronteira entre os cristãos e os muçulmanos. A construção da catedral terá começado após a vitória na batalha de Ourique, a qual, em boa verdade, não sabemos onde ocorreu e terá terminado pelos finais do século XII. Assim sendo, como explicar que numa das paredes laterais aparece gravada na pedra uma inscrição em árabe, quando estes já não voltaram a entrar na cidade desde o século XI. Terão sido os moçárabes que gravaram naquela pedraria “Escrevi [isto] como um registo permanente do meu sofrimento. A minha mão perecerá um dia, mas a grandeza permanecerá”? Procuro-te no pensamento enquanto desço pela Rua dos Coutinhos para alcançar o Mosteiro de Santa Cruz. A tua presença certamente me ajudaria neste nó górdio da humanidade, a procurar os caminhos escondidos desta Coimbra onde Afonso escolheu viver para melhor guerrear, sabendo que sem a temperança de guerreiro, de um combatente da fé, nunca seria rei. Os Agostinhos Regrantes muito o ajudaram com as palavras de Deus e em compensação, o futuro rei que já agia como tal, ajudou-os a erguer este mosteiro. Já depois da sua morte, os crúzios haveriam de legitimar os seus actos com o mito da batalha de Ourique e o aparecimento de Deus na véspera dessa liça guerreira, não foi um acaso. Pela pena dos Crúzios, Deus não lhe apareceu apenas para o galvanizar, mas antes para lhe impor o combate como uma vontade Dele. Já não dependia de o futuro rei desejar ou não o combate, este estava-lhe imposto pela vontade divina. A História, quantas vezes, se traça pela pena escrevendo movida pela mão humana. Sentada na esplanada do Café Santa Cruz, aprecio os raios luminosos do sol, espargindo-se nas janelas altas dos prédios, derretendo-se nessas cores douradas de despedida. Saboreio um crúzio, não um dos frades, mas antes algo delicioso que nos deixaram, enquanto escrevo o postal que aqui te deixo. A minha viagem prossegue.  

 

 

FILOSOFIA NA LITERATURA

Mário Martins

 

Não é raro que a grande Literatura seja permeada, por entre a trama psicológica dos personagens ficcionados, pela melhor Filosofia.

É o caso de Os Sonâmbulos, obra do austríaco, nascido em Viena, Hermann Broch, depois naturalizado americano após conseguir escapar aos nazis, pelos quais foi preso durante algum tempo.

Trata-se de uma trilogia romanesca, publicada nos inícios dos anos trinta, “que é um fresco da Alemanha de 1888 a 1918 e em que confluem análise psicológica, poesia e ensaio filosófico. A obra foi elogiada por Thomas Mann e Hermann Hesse. A partir daí, Broch tornou-se um dos principais expoentes da literatura centro-europeia, entre as duas guerras, ao lado de Kafka e Musil.”

O conhecimento dos assassínios colectivos em campos de concentração europeus, levou Broch, decerto amargurado, a decidir não continuar a escrever literatura, continuando, apenas, a publicar ensaios críticos e filosóficos e poesia, prefaciados por Hannah Arendt, antes de morrer em 1951.

Filosofia 1

“O irreal é o ilógico. E esta época parece já não conseguir superar o clima do ilógico, do antilógico: é como se a realidade tremenda da guerra tivesse suspendido a realidade do mundo. O fantástico torna-se uma realidade lógica, mas a realidade dissolve-se na mais ilógica das fantasmagorias. Uma época que é mais cobarde e tristonha do que qualquer época precedente afoga-se em sangue e gases venenosos, multidões de empregados bancários e especuladores atiram-se para o arame farpado, um espírito humanista bem organizado nada impede, antes se organiza como Cruz Vermelha e para produzir próteses; as cidades morrem de fome e cunham moeda com a sua própria fome, mestres-escola de óculos chefiam pelotões de assalto, gente da grande cidade vive em cavernas, operários fabris e outros civis rastejam a fazer patrulhas de reconhecimento, e, finalmente, quando regressaram ilesos à retaguarda, as próteses transformam-se de novo em especuladores (…)

O horror patético com que esta época é designada como louca, o comprazimento patético com que lhe chamam grande, procuram justificação na dimensão hipertrófica inconcebível e ilógica dos acontecimentos que, na aparência, constituem a sua realidade. Na aparência! Porque uma época não pode nunca ser louca ou grande, só um destino individual é que pode. (…)

A grande questão é: como é que o indivíduo, cuja ideologia, normalmente, visava verdadeiramente outras coisas, pode compreender a ideologia e a realidade da morte e submeter-se a elas? (…) Esta época tinha, algures, um desejo genuíno de conhecimento, tinha, de alguma maneira, uma vontade artística genuína, tinha uma consciência social de inegável precisão, como pode o ser humano, criador de todos estes valores e participante neles, como é que ele pode “compreender” a ideologia da guerra, acolhê-la e aprová-la sem contestação? Como pôde agarrar na arma, como pôde ir para as trincheiras, para lá perecer ou para regressar de lá novamente para o seu trabalho habitual, sem enlouquecer? Como é possível uma tal versatilidade? Como é que a ideologia da guerra pôde, de todo em todo, encontrar lugar nestas pessoas, como é que estas pessoas puderam, afinal, compreender uma tal ideologia e a sua esfera de realidade? Já sem falar de uma aceitação entusiástica, perfeitamente possível! Serão loucos porque não enlouqueceram? (…)

Filosofia 2

“A posição preponderante do estilo arquitectónico entre as características de uma época é uma das questões mais singulares. E, em geral, esta posição de privilégio estranhíssima que as artes plásticas conquistaram na história! Elas são, com toda a certeza, apenas uma fracção muito pequena da pletora de actividades humanas de que uma época está cheia, não são, seguramente, sequer uma fracção muito espiritual e, apesar disso, sobrepujam todos os outros domínios do espírito no que toca ao poder de caracterização, sobrepujam a literatura, sobrepujam mesmo a ciência, sobrepujam mesmo a religião. O que perdura ao longo dos milénios é a obra das artes plásticas, ela permanece o expoente da época e do estilo desta (…)

Se existe explicação possível, ela tem de estar na essência do próprio conceito de “estilo”. Porque o estilo não é, seguramente, algo que esteja limitado à arquitectura ou às artes plásticas, estilo é uma coisa que atravessa da mesma forma todas as expressões vitais de uma época (…)

Talvez fosse ocioso pensar nisto, se não estivesse subjacente o problema que é o único que legitima todo o filosofar: o medo do nada, o medo do tempo que conduz à morte (…) Pois, seja o que for que o ser humano faça, fá-lo para destruir o tempo, para o revogar, e essa revogação chama-se espaço. Mesmo a música, que só existe no tempo e preenche o tempo, transforma o tempo em espaço, e a teoria de que todo o pensamento ocorre no espaço, de que o processo de pensamento representa uma combinação de espaços lógicos multidimensionais incrivelmente complexos, tem o máximo de plausibilidade. Mas, sendo assim, torna-se claro que todas as expressões que se relacionam directamente com o espaço possuem um significado e uma evidência que nenhuma outra actividade humana alguma vez pode possuir (…)"

PARAPEITO

António Mesquita

(Castelo de Sant'Angelo, Roma)



Escrevo sobre um filme que vi recentemente e a ópera que inspirou o conto de José Cardoso Pires que, por sua vez, esteve na origem do filme de Mário Barroso.

"Lavagante" é a história duma abdicação por amor. Durante a ditadura, Cecília (Júlia Palha) conhece um médico de esquerda - o polícia diz que "não é comunista, mas ajuda" -, Daniel (Francisco Froes), e enamora-se a ponto de sacrificar a sua reputação, para o libertar quando é preso pela PIDE. Quem o prende, Salaviza (Diogo Infante), é de há muito tempo um velho amigo da família de Cecília e tem-lhe uma paixão pouco secreta. Adivinha-se a que espécie de sacrifício pucciniano Cecília está disposta em favor do seu amante.

Daniel viu, primeiro, uma traição no jogo de Cecília, mas a política não tem aqui qualquer papel. Por fim, rendido à ideia do sacrifício por amor, não deixa de se sentir inconformado e céptico quanto àquela espécie de amor.

Num dos últimos planos do filme, vê-se a cabeça desta Floria Tosca, com o cabelo solto ao vento, num rochedo que faz de parapeito do Castelo de Sant'Angelo, a sugerir o suicídio. O desfecho não podia ser mais supérfluo. Está ali só para ligar a história à ópera.

A sua simplicidade  é, contudo, enganadora, porque tudo se passa como se Cecília, ao contrário da heroína de Puccini, sempre movida pelo ciúme, não precisasse para nada dum amante real e lhe bastasse a ideia duma imolação narcísica. Isto sim, é que não é lógico, nem razoável, mas está dentro dos cânones do romântico.

A "Tosca" não é bem isto. Nem a música que nos empolga, em árias como "Recondita armonia", "Vissi d'arte, vissi d'amore" ou "E lucevan le stelle" nos transmite qualquer sentimento de ambiguidade. Os excessos "lacrimejantes" que alguns críticos vêem nesses dramas líricos, não são afinal mais que a assinatura dum tempo que só tem este modo de voltar. Como diz Nietzsche: "A música, justamente, não é uma linguagem universal, intemporal, como já se disse tão frequentemente em sua glória; ao contrário, ela corresponde exatamente a uma certa medida do tempo, um certo grau de calor e de sentimento, que uma cultura bem distinta e determinada, definida no tempo e no espaço, reconhece por lei interior; a música de Palestrina teria sido perfeitamente inacessível a um grego, e, em sentido inverso, o que Palestrina escutaria na música de Rossini?" 

Palestrina não está aqui por acaso."O Concílio de Trento, sabe-se, prescrevia aos compositores que fizessem corresponder a cada sílaba uma nota, a fim de que os rextos sagrados fossem inteligíveis, e Palestrina reformou a música do seu tempo aplicando este método" (André Tubeuf). O que se adequa aqui ao argumento (era preciso que fosse cantado) não é, evidentemente, a música mas o enredo. Mas apraz-nos pensar que o cinema poderia encontrar aquela espécie de correspondência de que se serviu Palestrina. Não entre as imagens e as palavras (o que  é comum), mas entre as imagens físicas e as mentais.

"Lavagante", o filme, só podia ter sido feito neste tempo de revisitações alucinadas. Daniel não é Caravadossi. Não esconde um amigo, nem é fuzilado como ele. E Cecília não mata, nem tem a virgindade feroz de Floria Tosca. Também Cecília é dum individualismo moderno com outras ilusões que não as do século XIX.


POESIA

Helena Serôdio




ÚLTIMA SAZÃO

 

É a refracção
Da luz que cintilou,
Que pálida se tornou
Luar nos cabelos e na alma.

É o tempo da reflexão,
Também de redenção 
Pelo sofrer sofrido.
Tempo de compreensão,
De franca aceitação
Rosários de mágoas preciosas,
Contas negras não rezadas !

Tempo de doçura
E de amargura.

 



             MEUS BRAÇOS 

 


Abro os braços grandes
Num abrir que quero, imenso.
Puxo a mim o mundo,
Num fôlego que eu quero, eterno.
Salto para o vazio,
Num nada que me acorda a imaginação,
Me desperta para o além.
Aqui,
A sós comigo
Relembro num canto da mente cansada
O amor que consegui.
Sinto o corpo tremer ,
O espirito elevar-se no éter...
Queria abraçar-te agora !
Abraçar o nada
Que pode ser tudo.
Porque és tu,
Porque sou eu,
Porque somos nós...
É para sempre !!!

RESENHA

Manuel Joaquim


                     Dia dos Mortos                  

(https://www.lisbonne-idee.pt/upload4mail/magnolia-portugal/6/2/1/5/4/op_62154_dia_dos_mortos1.jpg)



No dia 1 de Novembro, sábado, celebra-se o Dia de Todos os Santos. No dia 2 de Novembro o Dia dos Fieis Defuntos, Dia dos Finados, dia de confraternização de famílias e amigos nos cemitérios a lembrar os que já foram. Grande dia para as floristas e para o comércio de flores.

O Diário de Notícias de hoje noticia que na sexta-feira, 31 de Outubro, vai realizar-se em Lisboa, um jantar com cerca de 100 pessoas que fizeram parte dos governos de Cavaco Silva, quase coincidindo com a data do Dia dos Mortos. Será um almoço de confraternização das Múmias à espera do seu dia. Provavelmente vão carregados de enxofre que serve não só para tratar terras e vegetais mas também para as bruxas fazerem os seus ritos com demónios.

Na terça-feira passada, 28 de Outubro, foi votada na generalidade a proposta de OE para 2026 apresentada pelo Governo. Antes de discutida na AR foi enviada à EU para aprovação, tendo sofrido algumas alterações a nível da Despesa. A proposta foi aprovada com os votos do PSD e CDS-PP. Teve votos contra do Chega, IL, Livre, PCP e BE. PS, PAN e JPP abstiveram-se. É curioso que o Partido Socialista absteve-se “responsavelmente” para permitir que o Pais (Governo) tenha estabilidade, não obstante considerar que o documento é ”medíocre” e que não responde às necessidades do País. No ano anterior o PS também se absteve, na altura com uma “abstenção violenta”. Hoje vem pedir a demissão da ministra da saúde. O OE que deixou passar contém cortes na Despesa e noutras áreas. Que autoridade tem agora para “ reclamar ou protestar” contra as medidas do governo? Não serão palavras para enganar as pessoas? A Abstenção foi “responsável” ou irresponsável(mente) comprometido com as políticas do Governo?

Os cortes na Saúde, na Educação, nos Salários, na Habitação e nas Pensões são mais que conhecidos porque as prioridades do Governo são outras. A tão apregoada descida do IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas) para 19% vai permitir a entrega de 2 mil milhões de euros por ano aos grupos económicos. Acabar com a derrama estadual, Artº 87 A do Código do IRC, como defende o Chega e Iliberal, não é para a esmagadora maioria das empresas. Existem cerca de 1 milhão de empresas e só cerca de 3600 é que pagam derrama, mas 74 destas pagam 60% do total do valor. São os grandes grupos económicos os beneficiários, são os que alimentam a IL e o Chega e quejandos.

Os impostos indirectos continuam a aumentar. São as taxas e taxinhas de tudo quanto é serviço que todos os utentes pagam sem pestanejar. Quando os seguros dos automóveis e das casas aumentam a carga fiscal aumenta percentualmente e as pessoas nem se apercebem.

Mas os dinheiros, os que sobram e os que são pedidos emprestados, pagando juros, têm, também, outros destinos. O Jornal de Negócios de 15 de Setembro passado publicou que Portugal vai comprar 50 milhões de armamentos aos EUA para entregar à Ucrânia, conforme anúncio feito por Nuno Melo, Ministro da Defesa, no final de uma reunião ministerial no Quartel-general da Nato, em Bruxelas. O mesmo jornal também publica que mais 10 milhões destinam-se a drones fabricados na Grã-Bretanha e que mais armas vão ser importadas.

Este senhor Melo, de Braga, há tempos dizia que o negócio da guerra era bom para Portugal pois iria gerar investimentos e empregos. Não parece ser esse o caso pois o Trump obriga que lhe comprem os materiais. Esperemos que ele esteja em prontidão para ir para a guerra, Integrado no batalhão que a França está a preparar secretamente para ir para a Ucrânia. Entretanto, vamos conhecendo as empresas que vão encerrando por falta de trabalho ou que entram em lay-off por falta de materiais. A mais recente é a Bosch Braga, indústria automóvel, 2500 trabalhadores entram em lay-off já em Novembro, durante 6 meses que podem ser prorrogados. A Autoeuropa pode vir a sofrer situação semelhante. Na Alemanha está a acontecer os despedimentos e lay-off em diversos sectores. A falta de chips é um dos problemas.

Ursula von der Leyen, aqui há uns tempos fez uma intervenção pública dizendo que os russos não tinham chips e que andavam a tirá-los das máquinas de lavar. Provavelmente vai mobilizar os europeus para tirarem os chips das suas máquinas lavar para pôr a indústria europeia a funcionar.

Os comentadores de serviço, os mesmos que diziam que os militares russos não tinham meias para calçar, agora dizem que as armas que os russos acabaram de testar, são de tecnologia que já tem mais de 60 anos e que não têm nada de especial e dizem isto sorrindo como senhores importantes e conhecedores. Esperemos que não venham a ser utilizadas para bem de todos nós.

154 anos, do ponto de vista histórico, não são muitos anos, mas já vai há muito tempo. Mas foi nesse tempo que em França se deu uma experiência histórica de governo que foi interrompida com muito sangue com poderosa intervenção estrangeira. Esse governo

- Introduziu os princípios democráticos da elegibilidade, da responsabilidade e da substituição dos quadros do governo;

- Definiu um salário médio para os quadros (600 francos);

- Realizou um poder ao serviço dos interesses do povo, introduziu a remuneração obrigatória mínima, medidas de protecção do trabalho e empreendeu a luta contra o desemprego, a melhoria das condições de habitação e o fornecimento de géneros de primeira necessidade, realizou reformas para a educação gratuita, votou um decreto para a criação de cooperativas de produção nas empresas, instaurou um controlo operário e a eleição dos dirigentes em certas empresas nacionais.

As múmias e seus afilhados que nos têm governado, alimentados com o leite do antigamente, são os herdeiros e os continuadores da destruição do que se passou há 154 anos e do que foi construído após o 25 de Abril, agarram-se desesperadamente aos tachos e tachinhos para manterem os seus privilégios de classe, sabendo, de ciência certa, que mais cedo do que tarde acabarão por sucumbir.

01/10/25

219

NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva




Aveiro. Procuro habituar os sentidos aos sons e ruídos das cidades que há muito não frequentava. Deixo-me ir na multidão, sem pressa e diluindo qualquer naco de ansiedade. Procuro nos rostos e nos movimentos dos que me rodeiam, compreender as angústias e os cansaços das rotinas do amanhecer, quando o dia nasce e estende os seus braços para receber aqueles que procuram no trabalho a necessidade de sobrevivência ou a ideia de felicidade. Todos os dias parecem iguais. Deambulo pelo átrio da grande estação como se estivesse alheia ao ambiente que vai circulando à minha volta. Olho para o amplo vidro do quiosque e vou lendo os títulos. Detenho a atenção no jornal que tem por lema, Erguer muros onde se abriam portas. Aparece um fundo negro, como se fosse o resto calcinado de um longo incêndio quando a notícia são as futuras eleições autárquicas. Talvez represente a escuridão que pesa sobre nós como um enorme Zepelim representado por essa quadrilha ideológica que nos arrasta para a selvajaria das ideias, do verbo e da aldrabice despudorada. Num canto desta escuridão podemos ler como uma representante das ideias de taverna é obrigada pelo tribunal – por enquanto ainda funciona – a corrigir uma das suas maldades. Mas no fundo da página ainda é possível saber que o homem laranja acaba de fundar a empresa Gaza Co. com esse inenarrável Tony Blair a CEO. Os direitos do povo palestiniano reduzidos a um negócio presidido por alguém que não consegue distinguir a Arménia da Albânia. Os criminosos do chamado Estado de Israel vêem assim contemplado o morticínio que ainda não pararam. Não são apenas criminosos de guerra, são-no de toda a humanidade e o único lugar que lhes deveria estar reservado, era o do banco dos réus igual ao de Nuremberga. O ar do planeta purificava-se com o seu desaparecimento. Por fim, os olhos pousam ainda na notícia que nos diz que a Direita continua igual a si própria e ao que sempre foi, entregando a propriedade comum, o património do Estado, ao delírio do bem privado. Continuamos como no romance de Remarque, “A Oeste nada de novo”. O comboio desliza sonolento mostrando-nos a velha cividade desta cidade que nunca esquecemos. Balanceamos na cadência que vai parando e reiniciando a marcha e quando alcançamos este lugar onde me vou deter o dia já se ergueu e as pessoas, como personagens, traçam rotas cruzadas com os seus afazeres, aqui e ali e mais além. Retenho o olhar sobre o edifício da antiga estação com as suas portas e janelas e os diversos telhados que a cobrem e, naturalmente, a beleza dos seus azulejos. É o que resta de um tempo imobilizado e pardacento. Quando nos voltamos surge-nos a longa avenida que nos conduz aos primeiros espaços habitados. Há muito que leva o nome de um médico e benemérito que é uma palavra que sempre me aflige. Foi presidente da Câmara ao longo de um quarto de século, com obra feita, ao que consta, tendo iniciado o mandato na primeira República e entrado pela Ditadura adentro, aparentemente não se terão dado mal, o benemérito e a Ditadura. Mas não é dele que tenho memória, mas de um outro médico, um ilhavense que muito calcorreou por esta cidade, procurando curar os corpos e despertar as almas e as consciências. Despediu-se de nós cedo demais deixando-nos um recado que não deveríamos esquecer: “façam um mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá”. Pelo caminho que as ondas levam, estou em crer que Mário Sacramento bem terá de voltar. Avenida fora não me cativa nem as guloseimas da cidade, nem os que por ela correm. Procuro na lonjura do tempo as imagens que marcam os espaços, as épocas e as epopeias humanas por mais singelas que possam parecer. Por longo tempo deixo o olhar repousar sobre o edifício do antigo Cine-Teatro Avenida, lembrando o dias em que a liberdade passou por ali, erguendo a voz contra os esbirros e desafiando o que então era conhecido como “palhaços lacrimogéneos, capacetes de aço”, donos da violência e protectores de uma Ditadura, que os bem-falantes agora dizem, Estado Novo, que cada vez mais se afundava na miséria obscurantista de uma moral lamacenta. Mas esta urbe hoje universitária ainda lembra uma princesa, Joana de seu nome, virgem até à morte, irmã do Príncipe Perfeito que a procurava para se aconselhar, e que regente do Reino chegou a ser. Por muitos amada, a todos recusou e refúgio nos dominicanos, aqui procurou. Aveiro protege-lhe a memória no Museu Municipal e em nome de freguesia. Sim, a cidade também é as salinas, os doces conventuais, as antigas ruas de um tempo que a viu nascer, mas não era esse o gosto que trazia de visita. Regresso à estação que a viagem prossegue. Pena não teres vindo para enriquecer o que procurava. O postal segue ainda hoje.


FERIDO NA ASA

António Mesquita



Quem vem e atravessa a ponte  de D. Luís, vindo da estação do Morro, é como se regressasse a um passado de ruínas, com o feio paredão do restaurante chinês que há décadas borra o bilhete postal e, do outro lado, prédios desabitados e com graffittis por todo o lado. Nem o casario abaixo da ponte escapa. 

Claro que a "cascata san joanina", para quem sai do metro, é de cortar a respiração. E perder esse deslumbramento não é para o turista que passa por alto os pormenores degradantes. Digamos que nem é para o portuense que convive todos os dias com as "verrugas" da grande cidade.

Para se deixar transtornar  por uma parede rabiscada por um "autor de rua" é preciso ter sido infectado por uma espécie de puritanismo urbano que não tolera o pecado da desordem. É o meu caso. Compreendo que não adianta proibir e que se houvesse prisões do flagrante delito seria de molde a "enobrecer" essa semi-clandestinidade com a aura da oposição libertária.

Comecei com a entrada da mais célebre canção de Rui Veloso e Carlos Tê. Depois da paisagem das pontes e do rio, vem a toada melancólica dos "lampiões tristes e sós". Foi coisa que desapareceu com as vagas de curiosos  em busca de pitoresco. O Terreiro da Sé, esse românico que apenas transparece dos sucessivos remendos, lugar peripatético de meditação, foi invadido sem remissão. Não falta o acordeonista e Quasímodo não anda longe.

Um dos lugares que sempre me entusiasmou é o despenhadeiro da igreja dos Grilos. A média de idades dos curiosos não permite a descida que oferece tantas perspectivas estranhas.

Descendo a avenida da ponte, temos à esquerda o demolido mercado de S. Sebastião e  à direita, um penhasco que no passado fazia jus ao carácter granítico da cidade, mas que agora, com a introdução do metro e a modernização que consigo trouxe, é de um atavismo inconcebível.  Imaginemos só, no centro doutra metrópole, este megalito pré-histórico...

O paradoxo entrou bem no âmago da cidade com o faraónico empreendimento do metropolitano. O transtorno causado pelas obras é apenas uma sombra da revolução que a rede trouxe à mentalidade citadina. O novo ambiente subterrâneo como que nos abre o continente europeu, tão distante noutros aspectos. A ajuda europeia foi uma poderosa alavanca para nos tirar do marasmo ancestral. E só podemos verificar que, nos outros aspectos da vida citadina, a realidade subterrânea não deixa de influenciar e de desafiar.

A canção termina com a bela ideia do pássaro selvagem ferido na sua capacidade de vôo rapace.

Conforta-nos, pensar a cidade como "invicta" e que faz coragem das tripas. Não vai ser o metro a fazer-nos esquecer tais pergaminhos. A Europa, afinal, é um pequeno tremor de terra.




VERMELHO


Mark Rothko



Levado pela minha total incompreensão da sua pintura, fui ver a peça "Vermelho" de Jonh Logan sobre Mark Rothko, ao Carlos Alberto.  

Esperava que o diálogo entre o mestre e o discípulo ( João Reis e Daniel Silva) fosse um ping pong de argumentos a favor dum estilo que o autor não quer de todo abstracto. Mas, de facto, uma lição não seria o modelo dum verdadeiro esclarecimento. A disputa que acaba por se verificar, já que o discípulo tem ideias próprias,  foi de facto melhor. 

A defesa de Rothko é o ataque colérico (a zanga caracteriza quase toda a interpretação) aos seus contemporâneos. Ficamos com a noção de que a sua arte é menos pintura do que acção de interromper a vida, para contemplar uma cor. O vermelho requer que cesse tudo para manter a cor preta  à distância. Fala-se muito também no conceito de capela. Os quadros de Rothko exigiriam uma capela própria (e até encontrou os mecenas para ter uma com o seu nome).

O desfecho menos mau que se podia encontrar é o do mestre desafiando o discípulo a encontrar o seu próprio caminho.

Enfim, se fiquei à míngua de uma nova ideia de pintura descobri pelo menos uma paixão reveladora dos impasses da arte moderna.

O PASSADO RECÔNDITO

Mário Martins



https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=gravuras+do+coa+imagens



Há muito que os monumentos e arte rupestre mais primitivos me fascinam, quando a cultura humana era incipiente, no sentido mais amplo usado por António Damásio, de que tudo o que os homens fazem é cultura.

É sempre uma emoção observar um monumento funerário, seja ele designado por anta, arca, dolmen, lapa, orca, ou similar, constituído por enormes pedras ao alto, a servirem de suporte a uma grandiosa pedra (a mesa) que coroa a câmara, frequentemente coberta por uma protecção de terra e pedras na forma de mama (a mamoa).

É o caso do dolmen de Antelas, em Pinheiro, Oliveira de Frades, datado de há quase 6 000 anos, a nossa jóia da coroa que Pedro Sobral de Carvalho, da National Geographic Portugal, classifica como “a grande catedral do Neolítico, (considerando) que é o expoente da arte megalítica europeia, não existindo outro monumento conhecido que possua um tão grande e preservado conjunto de motivos pintados e gravados.”

Mas, utensílios líticos, como os bifaces, com mais de 200 000 anos, ou seja, do tempo em que terá surgido o Homo Sapiens, no chamado Paleolítico Inferior, que “podem considerar-se (segundo Gonçalo Cruz), os vestígios mais antigos da presença de populações do género Homo no território do actual Noroeste de Portugal.”, constituirão, por ora, os testemunhos culturais do passado mais longínquo.

Já a arte rupestre das grutas, como é o caso do Escoural, em S. Brissos, Montemor-o-Novo, e dos espaços ao ar livre, cujo exemplo mais famoso são as gravuras do Côa, com mais de 25 000 anos, datam do Paleolítico Superior, convencionalmente iniciado há cerca de 40 000 anos.,

Recôndito significa o âmago de qualquer coisa, o que está oculto. Em geral quanto mais antigo o pré-histórico, maior a dificuldade da sua decifração. Todavia, apesar de os menires, essas grandiosas pedras ao alto, algumas delas afeiçoadas ou com expressões artísticas, e os conjuntos de menires, chamados cromeleques, serem obra do homem do Neolítico, desde há 7 000 anos, não se sabe exactamente a sua função, pelo menos com o grau de certeza com a utilidade que atribuímos a um biface criado pelo homem do Paleolítico Inferior, há 200 000 anos.

O presente é fugaz, e o futuro é sugado, a cada momento, pelo passado, esse imenso repositório do tempo.

São a arqueologia e outras disciplinas que, tanto quanto é possível, nos revelam o passado pré-histórico, identificando, como se fosse uma escrita, objectos e expressões culturais reveladores do nível de desenvolvimento e do modo de vida das populações humanas ao longo das épocas.

Como não fascinar o conhecimento, ainda que impermanente, da vida dos nossos antepassados mais longínquos?

POESIA

Helena Serôdio




REFLEXÃO

A vida há-de extinguir-se, fugidia,
E tudo há-de cair em derrocada,
Tudo regressará ao caos do nada,
Em tréguas convertido e cinza fria !

Tudo soçobrará na fantasia
De uma ilusão amarga e revoltada,
Tudo será comédia angustiada,
Frágil flor que fenece ao fim do dia !

Mas além das brumas da incerteza
E dos abismos fundos da tristeza,
O amor trunfará eternamente.

E de quanto passou e há-de passar,
Apenas o amor há-de ficar
Como um sonho sem fim e transcendente !...


POEMA


A minha alma
Cruzou-se com a tua
No silêncio das palavras
Que dissemos...

No espelho dos teus olhos
Vi-me nua...!

Apenas um poema
Entre nós dois
Apenas um poema
E a tua alma,
Porque o teu corpo 
Inteiro
Vem depois...!

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