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01/10/25

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NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva




Aveiro. Procuro habituar os sentidos aos sons e ruídos das cidades que há muito não frequentava. Deixo-me ir na multidão, sem pressa e diluindo qualquer naco de ansiedade. Procuro nos rostos e nos movimentos dos que me rodeiam, compreender as angústias e os cansaços das rotinas do amanhecer, quando o dia nasce e estende os seus braços para receber aqueles que procuram no trabalho a necessidade de sobrevivência ou a ideia de felicidade. Todos os dias parecem iguais. Deambulo pelo átrio da grande estação como se estivesse alheia ao ambiente que vai circulando à minha volta. Olho para o amplo vidro do quiosque e vou lendo os títulos. Detenho a atenção no jornal que tem por lema, Erguer muros onde se abriam portas. Aparece um fundo negro, como se fosse o resto calcinado de um longo incêndio quando a notícia são as futuras eleições autárquicas. Talvez represente a escuridão que pesa sobre nós como um enorme Zepelim representado por essa quadrilha ideológica que nos arrasta para a selvajaria das ideias, do verbo e da aldrabice despudorada. Num canto desta escuridão podemos ler como uma representante das ideias de taverna é obrigada pelo tribunal – por enquanto ainda funciona – a corrigir uma das suas maldades. Mas no fundo da página ainda é possível saber que o homem laranja acaba de fundar a empresa Gaza Co. com esse inenarrável Tony Blair a CEO. Os direitos do povo palestiniano reduzidos a um negócio presidido por alguém que não consegue distinguir a Arménia da Albânia. Os criminosos do chamado Estado de Israel vêem assim contemplado o morticínio que ainda não pararam. Não são apenas criminosos de guerra, são-no de toda a humanidade e o único lugar que lhes deveria estar reservado, era o do banco dos réus igual ao de Nuremberga. O ar do planeta purificava-se com o seu desaparecimento. Por fim, os olhos pousam ainda na notícia que nos diz que a Direita continua igual a si própria e ao que sempre foi, entregando a propriedade comum, o património do Estado, ao delírio do bem privado. Continuamos como no romance de Remarque, “A Oeste nada de novo”. O comboio desliza sonolento mostrando-nos a velha cividade desta cidade que nunca esquecemos. Balanceamos na cadência que vai parando e reiniciando a marcha e quando alcançamos este lugar onde me vou deter o dia já se ergueu e as pessoas, como personagens, traçam rotas cruzadas com os seus afazeres, aqui e ali e mais além. Retenho o olhar sobre o edifício da antiga estação com as suas portas e janelas e os diversos telhados que a cobrem e, naturalmente, a beleza dos seus azulejos. É o que resta de um tempo imobilizado e pardacento. Quando nos voltamos surge-nos a longa avenida que nos conduz aos primeiros espaços habitados. Há muito que leva o nome de um médico e benemérito que é uma palavra que sempre me aflige. Foi presidente da Câmara ao longo de um quarto de século, com obra feita, ao que consta, tendo iniciado o mandato na primeira República e entrado pela Ditadura adentro, aparentemente não se terão dado mal, o benemérito e a Ditadura. Mas não é dele que tenho memória, mas de um outro médico, um ilhavense que muito calcorreou por esta cidade, procurando curar os corpos e despertar as almas e as consciências. Despediu-se de nós cedo demais deixando-nos um recado que não deveríamos esquecer: “façam um mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá”. Pelo caminho que as ondas levam, estou em crer que Mário Sacramento bem terá de voltar. Avenida fora não me cativa nem as guloseimas da cidade, nem os que por ela correm. Procuro na lonjura do tempo as imagens que marcam os espaços, as épocas e as epopeias humanas por mais singelas que possam parecer. Por longo tempo deixo o olhar repousar sobre o edifício do antigo Cine-Teatro Avenida, lembrando o dias em que a liberdade passou por ali, erguendo a voz contra os esbirros e desafiando o que então era conhecido como “palhaços lacrimogéneos, capacetes de aço”, donos da violência e protectores de uma Ditadura, que os bem-falantes agora dizem, Estado Novo, que cada vez mais se afundava na miséria obscurantista de uma moral lamacenta. Mas esta urbe hoje universitária ainda lembra uma princesa, Joana de seu nome, virgem até à morte, irmã do Príncipe Perfeito que a procurava para se aconselhar, e que regente do Reino chegou a ser. Por muitos amada, a todos recusou e refúgio nos dominicanos, aqui procurou. Aveiro protege-lhe a memória no Museu Municipal e em nome de freguesia. Sim, a cidade também é as salinas, os doces conventuais, as antigas ruas de um tempo que a viu nascer, mas não era esse o gosto que trazia de visita. Regresso à estação que a viagem prossegue. Pena não teres vindo para enriquecer o que procurava. O postal segue ainda hoje.


FERIDO NA ASA

António Mesquita



Quem vem e atravessa a ponte  de D. Luís, vindo da estação do Morro, é como se regressasse a um passado de ruínas, com o feio paredão do restaurante chinês que há décadas borra o bilhete postal e, do outro lado, prédios desabitados e com graffittis por todo o lado. Nem o casario abaixo da ponte escapa. 

Claro que a "cascata san joanina", para quem sai do metro, é de cortar a respiração. E perder esse deslumbramento não é para o turista que passa por alto os pormenores degradantes. Digamos que nem é para o portuense que convive todos os dias com as "verrugas" da grande cidade.

Para se deixar transtornar  por uma parede rabiscada por um "autor de rua" é preciso ter sido infectado por uma espécie de puritanismo urbano que não tolera o pecado da desordem. É o meu caso. Compreendo que não adianta proibir e que se houvesse prisões do flagrante delito seria de molde a "enobrecer" essa semi-clandestinidade com a aura da oposição libertária.

Comecei com a entrada da mais célebre canção de Rui Veloso e Carlos Tê. Depois da paisagem das pontes e do rio, vem a toada melancólica dos "lampiões tristes e sós". Foi coisa que desapareceu com as vagas de curiosos  em busca de pitoresco. O Terreiro da Sé, esse românico que apenas transparece dos sucessivos remendos, lugar peripatético de meditação, foi invadido sem remissão. Não falta o acordeonista e Quasímodo não anda longe.

Um dos lugares que sempre me entusiasmou é o despenhadeiro da igreja dos Grilos. A média de idades dos curiosos não permite a descida que oferece tantas perspectivas estranhas.

Descendo a avenida da ponte, temos à esquerda o demolido mercado de S. Sebastião e  à direita, um penhasco que no passado fazia jus ao carácter granítico da cidade, mas que agora, com a introdução do metro e a modernização que consigo trouxe, é de um atavismo inconcebível.  Imaginemos só, no centro doutra metrópole, este megalito pré-histórico...

O paradoxo entrou bem no âmago da cidade com o faraónico empreendimento do metropolitano. O transtorno causado pelas obras é apenas uma sombra da revolução que a rede trouxe à mentalidade citadina. O novo ambiente subterrâneo como que nos abre o continente europeu, tão distante noutros aspectos. A ajuda europeia foi uma poderosa alavanca para nos tirar do marasmo ancestral. E só podemos verificar que, nos outros aspectos da vida citadina, a realidade subterrânea não deixa de influenciar e de desafiar.

A canção termina com a bela ideia do pássaro selvagem ferido na sua capacidade de vôo rapace.

Conforta-nos, pensar a cidade como "invicta" e que faz coragem das tripas. Não vai ser o metro a fazer-nos esquecer tais pergaminhos. A Europa, afinal, é um pequeno tremor de terra.




VERMELHO


Mark Rothko



Levado pela minha total incompreensão da sua pintura, fui ver a peça "Vermelho" de Jonh Logan sobre Mark Rothko, ao Carlos Alberto.  

Esperava que o diálogo entre o mestre e o discípulo ( João Reis e Daniel Silva) fosse um ping pong de argumentos a favor dum estilo que o autor não quer de todo abstracto. Mas, de facto, uma lição não seria o modelo dum verdadeiro esclarecimento. A disputa que acaba por se verificar, já que o discípulo tem ideias próprias,  foi de facto melhor. 

A defesa de Rothko é o ataque colérico (a zanga caracteriza quase toda a interpretação) aos seus contemporâneos. Ficamos com a noção de que a sua arte é menos pintura do que acção de interromper a vida, para contemplar uma cor. O vermelho requer que cesse tudo para manter a cor preta  à distância. Fala-se muito também no conceito de capela. Os quadros de Rothko exigiriam uma capela própria (e até encontrou os mecenas para ter uma com o seu nome).

O desfecho menos mau que se podia encontrar é o do mestre desafiando o discípulo a encontrar o seu próprio caminho.

Enfim, se fiquei à míngua de uma nova ideia de pintura descobri pelo menos uma paixão reveladora dos impasses da arte moderna.

O PASSADO RECÔNDITO

Mário Martins



https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=gravuras+do+coa+imagens



Há muito que os monumentos e arte rupestre mais primitivos me fascinam, quando a cultura humana era incipiente, no sentido mais amplo usado por António Damásio, de que tudo o que os homens fazem é cultura.

É sempre uma emoção observar um monumento funerário, seja ele designado por anta, arca, dolmen, lapa, orca, ou similar, constituído por enormes pedras ao alto, a servirem de suporte a uma grandiosa pedra (a mesa) que coroa a câmara, frequentemente coberta por uma protecção de terra e pedras na forma de mama (a mamoa).

É o caso do dolmen de Antelas, em Pinheiro, Oliveira de Frades, datado de há quase 6 000 anos, a nossa jóia da coroa que Pedro Sobral de Carvalho, da National Geographic Portugal, classifica como “a grande catedral do Neolítico, (considerando) que é o expoente da arte megalítica europeia, não existindo outro monumento conhecido que possua um tão grande e preservado conjunto de motivos pintados e gravados.”

Mas, utensílios líticos, como os bifaces, com mais de 200 000 anos, ou seja, do tempo em que terá surgido o Homo Sapiens, no chamado Paleolítico Inferior, que “podem considerar-se (segundo Gonçalo Cruz), os vestígios mais antigos da presença de populações do género Homo no território do actual Noroeste de Portugal.”, constituirão, por ora, os testemunhos culturais do passado mais longínquo.

Já a arte rupestre das grutas, como é o caso do Escoural, em S. Brissos, Montemor-o-Novo, e dos espaços ao ar livre, cujo exemplo mais famoso são as gravuras do Côa, com mais de 25 000 anos, datam do Paleolítico Superior, convencionalmente iniciado há cerca de 40 000 anos.,

Recôndito significa o âmago de qualquer coisa, o que está oculto. Em geral quanto mais antigo o pré-histórico, maior a dificuldade da sua decifração. Todavia, apesar de os menires, essas grandiosas pedras ao alto, algumas delas afeiçoadas ou com expressões artísticas, e os conjuntos de menires, chamados cromeleques, serem obra do homem do Neolítico, desde há 7 000 anos, não se sabe exactamente a sua função, pelo menos com o grau de certeza com a utilidade que atribuímos a um biface criado pelo homem do Paleolítico Inferior, há 200 000 anos.

O presente é fugaz, e o futuro é sugado, a cada momento, pelo passado, esse imenso repositório do tempo.

São a arqueologia e outras disciplinas que, tanto quanto é possível, nos revelam o passado pré-histórico, identificando, como se fosse uma escrita, objectos e expressões culturais reveladores do nível de desenvolvimento e do modo de vida das populações humanas ao longo das épocas.

Como não fascinar o conhecimento, ainda que impermanente, da vida dos nossos antepassados mais longínquos?

POESIA

Helena Serôdio




REFLEXÃO

A vida há-de extinguir-se, fugidia,
E tudo há-de cair em derrocada,
Tudo regressará ao caos do nada,
Em tréguas convertido e cinza fria !

Tudo soçobrará na fantasia
De uma ilusão amarga e revoltada,
Tudo será comédia angustiada,
Frágil flor que fenece ao fim do dia !

Mas além das brumas da incerteza
E dos abismos fundos da tristeza,
O amor trunfará eternamente.

E de quanto passou e há-de passar,
Apenas o amor há-de ficar
Como um sonho sem fim e transcendente !...


POEMA


A minha alma
Cruzou-se com a tua
No silêncio das palavras
Que dissemos...

No espelho dos teus olhos
Vi-me nua...!

Apenas um poema
Entre nós dois
Apenas um poema
E a tua alma,
Porque o teu corpo 
Inteiro
Vem depois...!

TEMPOS INQUIETANTES

Manuel Joaquim


Pierre De Geyter https://share.google/jClbREYY1101xkVKf



Na sexta-feira passada o Major-General Carlos Branco, numa conferência realizada aqui no Porto, referiu que a Europa está a passar por tempos inquietantes. Eu digo que muitas partes do mundo estão a passar por tempos inquietantes. Além da Europa, a Ásia Ocidental e Oriental, a África, as Caraíbas, a América do Sul, o Ártico estão a passar por situações de guerras quentes, ou por instabilidades políticas e sociais, restos do colonialismo, com intervenções estrangeiras directas ou encapotadas, arrastando para a miséria e a morte milhões de pessoas.

Na Europa, os interesses derrotados na 2ª Guerra Mundial estão novamente a reagrupar-se para tentarem conseguir o que não tinham conseguido, e sacarem agora, sobretudo, as matérias-primas e a energia para recuperarem os investimentos que estão a efectuar na guerra e aumentarem as taxas de remuneração dos seus capitais. Mas, parece-me,  estão cada vez mais assustados por estar a demorar demasiado tempo e estarem a ficar exauridos. O caminho é entrarem directamente na guerra ou aceitarem o que pode ser uma derrota.

Uma pessoa minha amiga, na semana passada, disse-me que está com muito medo do futuro. Não é de admirar. As pessoas estão a ser condicionadas por informações que, a maior parte das vezes, não têm nada a ver com a realidade. As vozes de quem comanda a política na Europa, sem qualquer contraditório, apontam para a iminência da guerra, que as pessoas vão ter que abdicar de benefícios que usufruem e para os quais pagam, pois os dinheiros terão que ser desviados para a guerra. É o grande capital a mandar nas nossas vidas. Mas não tem as mãos livres.

Vivemos um tempo de grandes transformações que vai ser longo. As pessoas devem acompanhar com muita atenção os acontecimentos do dia-a-dia pois fazem parte de um todo.

As lutas dos povos e dos trabalhadores estão em crescendo contra as políticas de exploração, em defesa da soberania, as manifestações de solidariedade por todo o mundo com o povo vítima da barbárie, as grandes manifestações internacionais contra a guerra e contra a degradação das condições vida e as grandes manifestações em Portugal contra o pacote laboral que pretende regredir as condições de trabalho para pior do que antigamente, e a favor da PAZ, faz-nos ter confiança que se avança para um novo mundo. Para isso os Trabalhadores, os Povos do mundo devem unir-se.

Há uma canção do século XIX, apropriada para os novos tempos e que muita gente já a esqueceu e que muitas mais nunca a conheceram.

“ A INTERNACIONAL foi composta em 18 de Junho de 1888 por Pierre Degeyter (1848-1932), operário de origem belga fixado com a sua família na cidade francesa de Lille. Naquele dia fora oferecido a Degeyter um livro de poemas de Eugéne Pottier (1816-1887), operário francês, membro da Comuna durante a qual foi eleito maire do 2º Bairro de Paris. Após o sangrento esmagamento da Comuna, em cuja defesa participou, Pottier partiu para o exílio durante o qual escreveria diversos poemas, entre os quais o que viria a constituir a letra de A Internacional.

É fundamentalmente a partir de 1896, após a realização do congresso do Partido Operário Francês realizado nesse ano em Lille e durante o qual foi tocado e cantado, que o hino se espalha por toda a França e pela Europa através de delegados estrangeiros presentes.

Não há memória da data da chegada de A Internacional a Portugal ou do autor da versão portuguesa da sua letra. É contudo claro que ela acompanha de perto o original francês, refletindo no seu fraseado a influência da literatura e poesia ligadas ao anarco-sindicalismo, maioritário no movimento operário português nas primeiras décadas do século passado.

Não se conhecendo qualquer registo fonográfico português do hino anterior a 1926 e à sua proibição pelo fascismo, é de admitir que a primeira gravação seja realizada para o LP “Cânticos Revolucionários em Português” gravada em Lisboa em 1975 pela editora Metro-Som (LP 105), com interpretação de “elementos dos coros da Fundação Calouste Gulbenkian e do Teatro S. Carlos e intervenção da Banda Portuguesa, Siegfried Sugg no acordeão e Daniel Louis em toda a percussão”. A direcção musical é de J. Machado e J. Gomes, seguindo os arranjos muito de perto as versões francesas então mais conhecidas, nomeadamente as popularizadas pelo Grupo 17.

Por altura da comemoração do 60º aniversário do Partido Comunista Português (1981), integrou-se no programa a produção e gravação de uma versão claramente portuguesa do que os estatutos do PCP definem como respectivo hino.”

Texto de Ruben de Carvalho

A INTERNACIONAL

 

De pé, ó vítimas da fome!

De pé, famélicos da terra!

Da ideia a chama já consome

A crosta bruta que a soterra.

Cortai o mal bem pelo fundo!

De pé, de pé, não mais senhores!

Se nada mais somos neste mundo,

Sejamos tudo, oh produtores!

Refrão

Bem unidos façamos,

Nesta luta final,

Duma terra sem amos – bis

A Internacional.

Messias, Deus, chefes supremos,

Nada esperemos de nenhum!

Sejamos nós quem conquistemos

A Terra-Mãe livre e comum!

Para não ter protestos vãos,

Para sair deste antro estreito,

Façamos nós por nossas mãos,

Tudo o que a nós diz respeito!

Refrão


01/09/25

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NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva



Murmansk, Península de Kola. Se em algum lugar sabia encontrar-te só poderia ser aqui, nesta colina, com o horizonte povoado de contrastes, a cidade, as águas do golfo e os outeiros estendendo-se na outra margem completa de verde boscoso, e este céu de Agosto, melancólico como o nosso Outono. É um desses encontros em que observo o teu silêncio e sei o que vais dizer. Que a paisagem deslumbra, sossega, acalma o pensamento e derrete o que não desejamos conhecer sem ter dúvida que o sabemos. Quando nos encontramos és sempre uma mistura de silêncio e solidão. Não falas, mas vou traduzindo o que dizes sem que da tua boca nasça um som. É um pouco como no poema de Saramago, “que quem se cala, quanto me calei, não poderá morrer sem dizer tudo”. Algum dia, descerias das margens do Árctico. Como nos disse a escrita de Baptista Bastos, “podemos fugir, mas não nos podemos esconder”. O mundo em que vivemos, bate-nos constantemente à porta e só os neutrais, os passivos, os acomodados, podem fingir que o batente está quieto e no exterior não acontece nada. Gostava de te falar do que é positivo, dessa parte da humanidade que ainda nos conforta a alma, falar-te da poesia, que rompe os muros da intolerância, e irreverente, combate de espada em punho, ou daquela em que o amor aflora como uma dádiva, falar-te ainda das palavras que iludem as censuras que se mostram sobre a cobertura dos «nossos valores», mas como esconder-te o que te trouxe em fuga até este extremo nortenho? Vivemos de novo um tempo de sombras pesadas. Os psicopatas do partido do chapeuzinho, continuam alienados a fazer o que melhor sabem, matar e assassinar. Nunca supusemos, no mais pessimista dos nossos sonhos que em pleno século XXI veríamos um povo inteiro a ser dizimado, à bomba e à fome. Mas aí temos aquele antro de maldade há oitenta anos a conduzir um massacre sem fim à vista e há quem bata palmas a esta carnificina. A branca de neve reuniu com os sete anões num encontro patético. Os sete anões ficaram mudos, mas logo que se apanharam em casa voltaram ao mantra que os arrasta, guerra, mais guerra, não param de bombar nos tambores e se o dinheiro lhes falta, roubam o que não é deles e, a esta escumalha de enanos pouco lhes importa quem morre, ou quantos morrem, desde que os seus pérfidos desígnios se possam concretizar, mesmo quando vêem a sua própria casa a fracturar-se e o navio a meter água. Ao lado da gauleiter aparece um personagem que nos faz acreditar numa mistura de palhaço e mordomo. Traz-nos à memória uma figura da nossa infância com uma ranhura no couro cabeludo onde se colocava uma moeda e em troca, abanava a cabeça e sorria. Na sua incapacidade intelectual nem conseguem perceber que o seu reinado de cinco séculos se desmorona de forma irremediável. Uma parte significativa do planeta já não os ouve. A cada dia que passa tornam-se mais irrelevantes. Ainda têm poder, mas é como um rei que no leito de morte acredita que vai usurpar o mundo. Só te podia trazer este planeta que por muito que doa, na verdade existe. Do outro lado, o homem laranja ainda envia as suas armadas pelos mares adentro, mas são gigantes ultrapassados, à mão de semear de pequenos brinquedos que os deixam inoperacionais. Ainda supus que podia dizer-te, resta-nos a natureza para saborear cada recanto, cada espaço de luz e de verde, paisagens irrepetíveis, arvoredos sem fim e rios que cantam do Inverno à Primavera. Mas até esses lugares de silêncio e sossego nos levaram. Deixaram-nos arder num fogo inquisitorial do qual só restaram cinzas carbonizadas e fotografias de negro vestidas. Claro que prometeram, prometem sempre, da próxima vez agiremos de forma preventiva! Daqui a um mês vão voltar a fazer promessas, mais promessas e é disso que desejam que nós vivamos, cordeiros sem latidos destinados a um abate infinito. É este o mundo que nos calhou viver e, se é verdade que outrora conhecemos tempos bonitos, não impediram que os lobos voltassem, mais vorazes do que antes foram, sôfregos e violentos. O discurso é agora mais encapotado, mas o assalto ao poder segue os mesmos caminhos. Se ainda há esperança? Sem dúvida. Enquanto o ser humano e a natureza de onde emergiu existirem, a esperança será sempre um caminho aberto. Vim buscar o teu postal, não quis aguardar e aproveito para conhecer o Árctico na tua companhia porque há prazeres que valem a pena. Olha para esta figura em pedra na nossa retaguarda. Um soldado gigante, maciço, um guarda destas terras, uma ameaça a quem perturbar os silêncios que por aqui se guardam. Estamos protegidos. Afinal, Murmansk é uma «cidade heroína», feito que lhe valeu a resistência ao nazismo. Hoje é um sossego, sentimo-nos bem nesta melancolia, neste abraço que recebemos da natureza. Tudo à nossa volta parece navegar num mar perfeito, como se a parte escura formada pela sombra das asas dos vampiros, não pudesse chegar a estas paragens. Apressemo-nos que o Outono vem a caminho.

DIFÍCIL É COMBATER A GUERRA

Manuel Joaquim

(Trump e Putin em Anchorage, Alaska)



Fazer a guerra é fácil. Difícil é combater a guerra.”. Este é o título de um artigo publicado no Jornal das Beiras, em Março de 2022, de autoria de Manuel Pires da Rocha, e agora publicado no livro “linhas vermelhas”.

A reunião realizada no passado dia 15 de Agosto no território norte-americano do Alasca, na cidade de Anchorage, entre Trump e Putin, foi, provavelmente, das mais importantes dos últimos anos, com consequências directas para a Europa e para o mundo.

É interessante acompanhar o que dizem os comentadores de serviço sobre essa reunião. A única coisa que realmente se sabe é que não houve comentários dos participantes nem actas ou documentos sobre os assuntos tratados. Mas os comentadores falam como se tivessem acesso a informações privilegiadas, pondo-se a adivinhar o que lá se passou, para justificarem a utilização dos espaços e tempos de antenas e os dinheirinhos que vão recebendo dizendo asneiras de todo o tamanho.

Como é interessante ver a deslocação do presidente da Ucrânia aos EUA para reunir com Trump, acompanhado dos pajens europeus que nem sequer foram cumprimentados pelo presidente americano e não participaram na referida reunião. Viu-se, numa reunião posterior, que todos eles estavam sentados à volta de uma mesa a ouvir Trump, e que este, em determinada altura, sobre um assunto levantado pela presidente da EU, lhe disse que não estavam ali para discutir esse assunto. A notícia publicada de que Trump teria telefonado a Putin no meio da reunião é falsa, tendo sido desmentida pela Casa Branca.

Entretanto, sabe-se que a Alemanha, França e Inglaterra ainda não desistiram de mandar tropas para a Ucrânia e quase todas as semanas falam sobre isso. Kaja Kallas, responsável dos negócios estrangeiros da EU, afirmou publicamente de que a EU não permite nenhum acordo com a Rússia. António Costa defende publicamente o reforço militar da Ucrânia para continuar a guerra. A Alemanha prepara-se para o serviço militar obrigatório. O chanceler alemão acaba de dizer publicamente que “não haverá qualquer encontro entre Zelensky e Putin num futuro imediato”. Partidos alemães, há poucos dias, pronunciaram-se contra o envio de tropas para a Ucrânia pelo perigo de provocar o alastramento da guerra. Em Portugal há muitos a defenderem a guerra desde que não sejam eles e os seus familiares a participar. Uma das últimas personalidades, ex-MRPP, defende que “é mais do que tempo de a Europa acordar e se necessário meter botas no terreno”. Como se vê, é “difícil combater a guerra”, pois ela é provocada pelas necessidades económicas controladas pelas elites dos respectivos países. Um balde de água fria foi lançado por Mário Draghi há poucos dias sobre as cabeças destes inteligentes ao dizer que a EU não tem influência política.

Nos jornais lê-se que a EU diz que não quer mais gás russo mas que está a comprar mais do que nunca. As trocas comerciais estão até a ser favoráveis à EU. Em que ficámos? A EU vai a caminho do 19º pacote de sanções e os resultados não aparecem? Anda muita gente a mentir.

A comunicação tem estado, toda ela, concentrada nos incêndios. Comentários sobre o que não se fez e o que se deve fazer é o pão nosso de cada dia. Mas muito raramente se fala ou escreve sobre os grandes interesses que estão em jogo e não só. Sobre os helicópteros Kamov que estiveram anos atrás ao serviço, só li um texto de Miguel Sousa Tavares a falar sobre o assunto. Sabe-se que o governo os ofereceu à Ucrânia. Mas mesmo que ainda estivessem em Portugal não podiam ser utilizados por serem russos. A Espanha também não utiliza Kamov e outros aviões especiais para fogos pelo mesmo motivo. A EU está impedindo a sua utilização não obstante outros países da EU estarem a utilizá-los. Servilmente e em prejuízo do país obedecemos.

Sobre concursos de aparelhos para os fogos também nada se sabe. O que veio nos jornais, há uns tempos, é que foi adjudicado um contrato a uma empresa com sede em Chipre que não tinha aeronaves nem pilotos e que pertenceria a um familiar de ministro do actual governo.

O desmantelamento do SNS continua. As notícias são diárias. Agora os bebés não nascem em qualquer lugar. Alguns têm o privilégio de nascer na A1. Quem quiser saúde que a pague, era um lema do PSD. Não devemos esquecer que PSD e CDS votaram contra o SNS quando foi aprovado. Continuam na mesma sanha.

A educação vai pelo mesmo caminho. Como se ouve, o ensino é para os ricos. Cada vez menos alunos com acesso ao ensino superior. Cada vez mais dinheiro para o ensino privado. Agora, o governo prepara-se para extinguir as bibliotecas escolares e abolir o Plano Nacional de Leitura.

Os inteligentes que nos governam na Europa e em Portugal são ignorantes, sofrem de lavagens ideológicas e procuram servir-se o melhor que podem das influências e lugares que ocupam. Patologias que devem ser estudadas mas com difíceis tratamentos.

A PERGUNTA

Mário Martins




Do Relatório da Comissão Técnica Independente, de Março de 2018, sobre os grandes e fatais incêndios ocorridos em 2017:

A primeira conclusão, baseada nas informações diárias e horárias existentes desde 2002 (série de 15 anos), permite afirmar que há uma correlação muito forte entre o número de ignições e a excepcionalidade das condições meteorológicas. A análise permite indicar que o risco de novas ignições é maior aos fins-de-semana, durante a tarde e princípio da noite. (…) Perante as condições meteorológicas de Outubro poderia (deveria) ter-se antecipado o aumento do número de ignições e, por isso, poderia ter-se actuado, com medidas robustas de pré-posicionamento e de pré-supressão, de forma a prevenir o que era esperado.

A segunda conclusão abrange as causas que têm estado na origem das ocorrências. O padrão dos dias 14, 15 e 16 de Outubro (de 2017) não difere muito da informação sintetizada a partir da série histórica de 17 anos (2001 a 2017). As causas principais são as queimadas (33% nos dias de Outubro contra 31% no período de 17 anos), o incendiarismo (36% contra 33%) e os reacendimentos (24% contra 18%). No que respeita às queimadas, nos três dias de Outubro as duas principais razões dessa causa foram a limpeza do solo agrícola (37%) e a renovação das pastagens (31%). Admite-se que a proximidade anunciada de precipitação pode ter conduzido a um aumento de ocorrências ocasionadas pela limpeza do solo agrícola.

Os impactos no uso do solo foram igualmente analisados. Conclui-se que nas áreas florestais ardidas no ano de 2017, 49,6% estavam ocupadas por pinheiro-bravo, 38,5% por eucalipto, 7,4% por carvalhos, castanheiros e outras folhosas, 3,5% por pinheiro-manso e outras resinosas e, finalmente, 1% por sobreiros e azinheiras. As razões desta concentração em praticamente duas espécies (pinheiro-bravo e eucalipto representam quase 90% da área ardida em 2017) resultam do tipo de combustíveis e da sua estrutura (distribuição vertical de folhas, ramos e matos no sub-bosque) nessas formações florestais, pois estas mesmas duas espécies ocupam, no panorama nacional, cerca de 50% da área de ocupação florestal total.

A análise das áreas envolventes das 1.712 habitações e 768 infra-estruturas empresariais afectadas por estes incêndios confirma que foram estas duas espécies (pinheiro-bravo e eucalipto) que ocupam com maior frequência aquelas áreas. Contudo, sublinha-se a necessidade de não considerar apenas a área contígua ao edificado, mas também a sua envolvente mais distante.

As soluções preconizadas por esta análise apontam para a necessidade de uma gestão do combustível do sub-bosque nos povoamentos de pinheiro-bravo e de eucalipto, assim como a conveniência de aumentar a proporção de folhosas caducifólias nestas áreas de interface.

Nas críticas condições piro-meteorológicas do dia 15 de Outubro o nível de prontidão das actividades de pré-supressão e supressão é determinante. Começa por ser especialmente importante a dissuasão e controlo do uso do fogo e, em geral, a vigilância, nomeadamente onde a vegetação e topografia favoreçam o desenvolvimento de grandes incêndios. A rapidez é decisiva, da detecção à 1ª intervenção, e o despacho de meios de combate e o seu pré-posicionamento devem ser adequados à gravidade da situação, o que deve ser tratado à escala nacional e não se compadece com respostas locais e forçosamente descoordenadas.

A pergunta é inevitável: o que foi feito até agora? 

POESIA

Helena Serôdio






EXALTAÇÃO

Amemos, meu amor, que o sentimento
Exaltará a nossa mocidade,
A loucura febril da nossa idade
Que mais tarde será esquecimento…

Que as nossas vidas sejam um momento
Em que caiba perfeita a eternidade,
E nessa hora de plena liberdade
Disfrutemos do nosso encantamento…

A vida não é mais do que o presente,
É sonho de melódicos harpejos
Desferidos à luz de um sol poente;

E enquanto em nós viver esse fulgor,
Façamos um altar dos nossos beijos,
Sagremos de mãos postas nosso amor!...
 

 

CÂNTICO

Ah! És tu, meu bem? Vem até mim,
Meus braços são dois lírios de candura,
Feitos de suavidade e de brandura
Porque tu , meu amor, vieste, enfim !

Foi-se a dor e com ela a desventura,
Perpassam sombras leves de cetim
E no meu peito há um louco frenesim
De um sonho todo feito de ternura !

Meus braços são poentes radiosos,
Meus olhos são dois astros luminosos
E os meus lábios são uma quimera…

Eu sou o despertar de uma alvorada,
Tu és, ó meu amor, a madrugada.
Ah ! Nós somos os dois a Primavera !...


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