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01/07/13

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BENDITAS AS IGREJAS

Mário Martins

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Benditas as igrejas, que suspendem o tempo e a impaciência. Não há nada a fazer perante o impulso natural da descoberta. O processo é sempre o mesmo. Primeiro inventamos ou descobrimos as coisas novas, a velocidade aumenta, depois elas formatam (comandam?) as nossas vidas. Foi assim com o automóvel e é assim com o computador. Logo que entramos na cápsula de quatro rodas ficamos cheios de razão, no melhor dos casos tratamos os outros por tu (geralmente não ouvem…), e não suportamos uma fila de trânsito, tenhamos ou não horas a cumprir. Agora a internet, como o maior hipermercado mundial que é, dá-nos o que queremos e o que não queremos no tempo de um clic, mas rouba-nos a paciência e o real. Vociferamos se está lenta, não interessa se em vez de um segundo demore dez se a nós parece uma eternidade. De modo semelhante ao que se passa com o universo, que se expande cada vez mais depressa, os computadores aceleraram a mudança da nossa vida. Realmente vivemos mais tempo mas cada vez mais depressa, por isso é duvidoso que sintamos a diferença relativamente aos nossos antepassados. Se colectivamente não há nada a fazer, é na liberdade individual que podemos encontrar o nosso modo de estar. Benditas as igrejas…

 

INVICTUS

Manuel Joaquim

Mandela no pátio da prisão


É impressionante as vezes que ouvimos falar nos jornais, na rádio e na televisão de Nelson Mandela e na iminência da sua morte. Como disse uma das suas filhas, os abutres rondam o acontecimento para obterem o que lhes interessa.


Nada se diz sobre o seu passado de luta, de luta organizada contra o poder dominante e de opressão que aliado ao imperialismo internacionaloprimia os povos da África do Sul através de um regime de aparteid.


Recordo-me de ter participado, muito antes do 25 de Abril de 1974, numa campanha para a libertação de Nelson Mandela, que consistia na venda de um postal com a sua imagem “presa” numas grades de prisão e com palavras a defender a sua liberdade.


Recordo-me de alguns diálogos que tive com colegas de trabalho que na altura abordei. E recordo-me particularmente de uma conversa que tivecom um colega sobre a luta contra o fascismo em Portugal, contra a guerra colonial e do enquadramento na solidariedade internacionalista da campanha para a libertação de Nelson Mandela.


Esse colega, pessoa relativamente bem formada e informada, ficou muito receosa pois considerava que a campanha de solidariedade erauma iniciativa dos comunistas, e que, na sua opinião, era uma forma de agitação pois o regime do aparteid estava muito forte tanto interna como externamente e que Nelson Mandela nunca seria libertado ou se um diao fosse era simplesmente para não morrer na prisão. Por fim, esse colega comprou o postal de solidariedade mas fê-lo desaparecer no caixote do lixo com medo da Pide...


A opinião publicada na época considerava Nelson Mandela um terrorista e por isso estava preso.


Mas a luta política e revolucionária do Povo da África do Sul veio demonstrar que é possível destruir prisões, quebrar grilhetas e construir uma sociedade mais livre e mais fraterna. Nelson Mandela foi um dos líderes dessa luta e hoje é considerado um Pai pelo Povo do seu País.


Em homenagem a Nelson Mandela transcrevo um poema que encontrei e que é, com toda a certeza, uma boa mensagem para quem o ler


Poema que Nelson Mandela lia na prisão

do poeta inglês William Ernest Henley

Invictus

Do avesso desta noite que me encobre,
Preta como a cova, do começo ao fim,
Eu agradeço a quaisquer deuses que existam,
Pela minha alma inconquistável.

Na garra cruel desta circunstância,
Não estremeci, nem gritei em voz alta.
Sob a pancada do acaso,
Minha cabeça está ensanguentada, mas não curvada.

Além deste lugar de ira e lágrimas
Avulta apenas o horror das sombras.
E apesar da ameaça dos anos,
Encontra-me, e me encontrará destemido.

Não importa quão estreito o portal,
Quão carregada de punições a lista,
Sou o mestre do meu destino:
Sou o capitão da minha alma.

 

PRETO E BRANCO

Alcino Silva

 

Nunca tivera dúvidas sobre as cores do mundo e o seu olhar sempre viajara entre o colorido da natureza. Do preto e do branco só dera conta pelas fotografias, as quais também trouxeram o cinzento, mas ao princípio, pois nos tempos que por aí vão à procura do futuro, só a cor prevalece, e o preto e o branco resta como estética de um gesto, de um rosto, em que se busca o realçar de um traço de beleza. O amanhecer sempre fora para si um desses instantes em que os olhos se abrem na procura do conjunto das cores que povoam a vida, o pensamento, e permitem que a alma se encha de alegria. Não pode dizer que se tenha apercebido de imediato, assim como, um clique de uma luz que se apaga, que as cores lhe estavam a fugir. Não, ao princípio pensou até que simplesmente era um dia de nevoeiro intenso. Algumas horas depois, esfregou os olhos, apertou-os até quase doer, pestanejou, abriu e fechou-os diversas vezes e com rapidez, mas sem resultado. Aos poucos foi compreendendo que lhe faltava o azul na paisagem da sua memória, assim como numa impressora em que acaba um tinteiro, só que nos seus olhos não havia mostrador, simplesmente o azul apagou-se. Essa cor intensa que se habituara a encontrar na profundidade dos olhos que o cativaram, como esses lagos de água cristalina que nos aparecem nas montanhas, tinha partido, quando o olhar onde vivia, deixou o território dos seus sonhos e tomou o comboio nocturno sem regresso. Agora compreendia que não fora uma simples despedida, mas antes uma perda irreparável, pois com o olhar fora também o mar oceânico, o infinito celestial, a harmonia universal onde as estrelas vivem brincando com a luz e viajando entre abraços e beijos galácticos. A tranquilidade das tardes sem nome ou de infinitos cansaços como os que descreveu a poetisa, abalara também. Os sonhos foram tombando, um a um, e o pensamento ficou como as muralhas medievais quando as suas portas se encerravam, deixando o interior isolado, silencioso e só. Foi como se ficasse impedido de viver, mas ainda assim, não quis despedir a esperança e ao fim da tarde, abeirou-se do mar, das águas tépidas de um Verão quente. Era verdade, o azul não aparecia nas imagens dos seus olhos, já não estava, mesmo que olhasse com esforço, o azul estava ausente. Aguardou pela energia e excitação do sol no sopro dos últimos minutos do dia quando explodia em chamas de fogo, numa coroação de júbilo, como se se exaltasse num hino de vitória no instante em que desaparecia substituído pela noite, a qual não entrava enquanto respirasse a luz do dia. Por mais paciente que tenha sido a espera, a magnífica explosão do incêndio solar não deu sinais da sua presença e então compreendeu que também lhe tinham levado o vermelho, tinha viajado com o sorriso que alimentava o olhar que levara o azul. Ao procurar o lugar de onde devia provir a luz percebeu aindaque, a luminosidade, a claridade, a iluminação da natureza, esse brilho que realça a vida e que provém do amarelo, viajara no mesmo comboio sem destino para onde rumaram as outras cores. Com o olhar, o sorriso e o rosto que estimava, partiram as cores da vida. Deixaram-lhe, tão só, o preto e o branco. O preto chegava com a tristeza, dos crepúsculos, dos dias de chuva, dos requiens com que se ia despedindo dos objectos e das pessoas que lhe compunham a existência, nesse desaparecimento contínuo consubstanciado nessa lei física de que nada se perde, nada se cria, mas com o adeus do olhar amado, a transformação conduziu à perda das cores, da diversidade, da lucidez, da contemplação do mundo com a alegria que sempre lhe parecera imutável. Desde então, quando o dia nasce e as pálpebras reabrem na expectativa do regresso do que perdeu, o seu olhar encontra apenas um painel pintado de branco, sem traços, sem desenhos, sem o gesto dos lábios abrindo-se num imenso arco-íris. São paisagens de neve que parecem estimular a paz e a pureza, mas como pode a sua alma pacificar-se sem a presença visível de todas as outras cores, mesmo sendo verdade que fazem parte do branco?, questiona-se sem encontrar resposta. Passou a viver num tempo parado, como as imagens das fotografias, no interior fechado de um mundo a preto e branco, um preto nocturno, ameaçador e assustador, e um branco diurno, sem rios, sem montanhas, sem mar, sem esse encantamento onde viviam as suas fantasias enfeitiçados por esse olhar que pintava as cores da natureza de um mundo, no qual, agora não sabe caminhar.

 

 

TUDO ESTAVA PREVISTO

António Mesquita

"Ela estava sobriamente vestida com as suas mãos."

(San-Antonio)

O ministro das finanças disse que tinha chegado a hora do investimento. Agora é que era o momento, segundo o plano. Tudo está previsto desde o início. Apesar das aparências, a crise está a ser vencida. Mas sejamos 'sóbrios', não é caso para regozijo. Estamos apenas a aplicar a melhor receita, sem enviesamento eleitoralista.

O ministro das finanças ficou até zangado quando insinuaram que ele estava ali com um mandato conferido democraticamente. Não, ele era apenas o mais competente para aquela solução. "Eleito, coisíssima nenhuma!", terá dito.

Estamos no direito de pensar que caímos na ratoeira 'europeia', atrás de um apetecível naco de queijo. Naomi já disse tudo. É preciso uma espécie de cataclismo para se impor a 'revolução ao contrário', não em nome de uma abstracção como o povo ou a humanidade, mas em nome da coisa mais concreta que existe: o poder, e o poder mais versátil de todos, que não conhece fronteiras ideológicas, e que é um deus que foi capaz de sobreviver a mais de dois mil anos de cristianismo e ao massacre dos usurários do Guignol germânico: o dinheiro.

Os que nos tiraram da ratoeira são os mesmos que a armaram. Eles não nos querem mortos. Para que serviríamos?

Foi assim que o ministro das finanças nos salvou do estrangulamento apenas para aplicar, a tempo, a golilha e a grilheta.

Tudo estava previsto.

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