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01/10/10

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O ESCRITOR FANTASMA

António Mesquita


"The Ghost Writer" (2010-Roman Polanski)




Até que ponto uma paixão faz tremer a mão que escreve, influenciando a forma e, talvez, o conteúdo?

Há lugar aqui a uma ética da objectividade, ou uma forte motivação é o que permite que se encontre a justeza da forma num processo quase instintivo?

São pensamentos que me assaltam depois de ver o último filme de Roman Polanski. Poderemos ignorar as suas "condições de produção"?

"O Escritor Fantasma" ("The Ghost Writer") baseia-se no livro de Robert Harris "The Ghost". Em colaboração com o escritor, Polanski tinha como primeiro projecto uma adaptação de um outro êxito internacional de Harris, "Pompeii", mas terá mudado de ideias, aparentemente devido a uma greve de actores. O tema imperial, contudo, não é alheio à trama do novo filme. De facto, o objecto do "Ghost Writer" é, no fundo, o império americano e a diabólica influência da CIA. Argumentista e realizador têm um contencioso pessoal com a América. O primeiro, por Tony Blair, de quem foi apoiante entusiasta, ter sido um peão americano na guerra do Iraque e do Afeganistão. Harris esperava que o filme, na sua estreia, fosse objecto de uma acção legal. Pelos vistos não foi. Quanto a Polanski, sabe-se que está a contas com a justiça americana, por pedofilia, um caso que remonta já há 33 anos, e que teve de montar o filme numa prisão suíça.

A intriga do "Ghost Writer" já foi comparada a uma boneca russa, cada revelação dando lugar a uma outra, até chegarmos a Lady McBeth. Afinal o monstro "ciático" é a mulher de Adam Lang/Tony Blair (Pierce Brosnan).

É claro que as implicações políticas perdem todo o interesse quando a arte (outros dirão, a manha) do cineasta polaco-francês nos sabe empolgar como o melhor Hitchcock. O nosso prazer não depende da verosimilhança do que se conta, como se sabe. Mas não deixa de ser incómodo pensar que a ficção, neste caso, se aproxima perigosamente do falso testemunho.

Ewan McGregor o "escritor fantasma" tem a ingenuidade suficiente para ser um detective "desinteressado". As descobertas a que chega no decurso da reescrita das memórias de Lang tem por isso tanto mais impacto. A cena final do atropelamento fatal, passada fora do ecrã, tem todo o significado do poder terrível da verdade. Ele era o homem que sabia de mais.

PODIA TER SIDO ASSIM

Alcino Silva




Procuramos sempre os melhores momentos e os lugares de maior beleza para as horas que compõem a nossa vida. Umas vezes, no azul dos mares, outras no verde das montanhas e cedemos o azul dos céus para os sonhos. Em qualquer deles, deixamos soltar-se a aventura e juntamos esse romantismo que acrescenta beleza às pessoas e à natureza. O caminho era simples, mas nada nos aparece indicado com essa precisão que elimina o engano. Necessitamos de procurar, de reflectir e de fazer escolhas. Estas são sempre delicadas, para tentar afastar o erro, para evitar voltar atrás e começar de novo ou para não nos atrasarmos na chegada ao objectivo. Mas na escolha também está essa sedução da diferença, das cores que se multiplicam, dos rios que nascem com braços de afluentes em todas as margens. E escolhemos sem certeza, mas com a convicção de caminhar, de progredir, de abandonar essa posição estática que não conduz ao nada. O sol descia, cálido e temperado, tornando-se afogueador com a viagem em marcha. Traçado o rumo, desfraldadas as velas, apareceu o sonho no horizonte e cada um, procura na lembrança a imagem que escolhe para o acompanhar e ajudar a identificar os sinais dos lugares. Escolhi a minha que guardo na memória com essa luminosidade das noites brancas. Consultados os pontos cardeais, corrigimos o rumo, um pouco para noroeste, em busca do vento que acelerasse a nau, que a erguesse face ao mar difícil que se adivinhava nos contornos de cada ilha, nos devaneios do infinito e nas reentrâncias dos continentes. O primeiro poema apareceu no desfraldar das asas do pássaro que vimos em voo planado nascido nas alturas e se dirigia para o vale onde a fantasia se desvanecia em castelos de alfazema, cujo aroma se estendia a toda a largura do caminho construído nessa mistura de terra e pedra, mas cada uma ocupando espaços diferentes. Com ele, chegou como um lamento, o primeiro cântico da humanidade, soltado em grito pelo passado escrito em sangue. Breve e carente, passou por nós rasgando a serenidade da manhã e estendeu-se ao longo da encosta entre a vegetação rasteira e cansada do fogo solar por um Verão extenso. Em nova correcção da trajectória, aproximamo-nos das estrelas, desse lugar onde converge a existência de todos os que não sentem barreiras no olhar nem no pensamento e que fazem de cada minuto da vida uma girândola de alegria. E subiu, subiu, ergueu-se no firmamento face à paisagem que se desenrolava como uma sucessão de galáxias. De nordeste para sudoeste, o rio estendia-se longo e preguiçoso entre a vida humana das margens como quem aguarda, não a chegada ao oceano, mas antes que este o venha buscar. Ergueram-se os olhares e cada um procurou as suas imagens. Era um corredor de história e por ali passava a humanidade. No extremo direito, esse instante único dos três primeiros minutos em que o magma explode, escorre e se funde em rios de lava incandescente, desenhando contornos, vales e montanhas. No outro ponto além, os ventos e as tempestades, a moldar a vida e a fazer nascer os mares e os rios. Naquele minúsculo centro, nasceste tu, símbolo da beleza e sonho dos homens, Afrodite, símbolo da humanidade e que viaja no recanto guardado da minha memória. A caminhada que nos trouxe aqui, principiou ali, no brilho dos teus olhos. De seguida, são cidades erigidas, campos desbravados e o regresso do cântico da manhã saído da garganta dos povos. Um som lento, entre a angústia e o lamento, expresso na dolência com que o vento o leva e o traz, nesses cortes de toada denunciando o drama de impérios destruídos, lugares saqueados e que o pó da tormenta vai sepultando no esconderijo da história. As caravelas vogam na procura do novo, no dealbar de mundos escondidos, flamejando nesse garbo de conquistadores e navegadores e o cântico regressa, volta a soar nos ouvidos desta humanidade que nos gerou, sentimos a voz que o atira em desesperados prantos de uma violência que acompanha todas as ganâncias paridas pelas confrarias vencedoras. O livro da história aproxima-se do limite esquerdo e viaja agora em nave de asas variáveis e velocidades que roçam a distância dos quasares e já no fim, o poema lamentado em voz de mulher, clama e chama-nos de novo para as desgraças que se desenrolam ainda. Sentimos as poeiras que os ventos da história sepultam e aquele grito cantado insiste nesse voo até nós, ora próximo, ora afastado, lembrando-nos essa solidão humana que nasce na incompreensão do outro. Retornamos na procura do lugar da manhã e voltamos à procura do rosto que desenhamos no pensamento, nesse sorriso que não nos faz desistir e inventamos novos caminhos, percursos diferentes, para multiplicar o que conhecemos e tornar mais aprazível o que já vimos. Ao descer, olhamos de outra forma, o que encontramos na subida e, no entanto, não deixamos de amar o que encontramos, pois o outro é também um conjunto de faces e não chega que olhemos apenas a que nos encantou, sendo necessário que a nossa compreensão alcance o todo, talvez em lugares diferentes, em instantes separados, mas sempre na intenção de descobrir a fantasia que embeleza o conjunto. Talvez cansados, talvez com a necessidade de novas descobertas, de outros conhecimentos, de mais e variados poemas, mas sempre contigo, chegamos ao fim com vontade de recomeçar.              


A SONDAGEM

 Mário Martins
sem-espiga.blogspot.com




Na sua coluna de opinião do Público de 28 de Agosto, um Vasco Pulido Valente inteligente mas para quem uma garrafa nunca está meia cheia, encena a mais completa surpresa, para não dizer escândalo, face aos resultados de uma sondagem.

Segundo o Eurobarómetro, 95% dos portugueses acham que a situação económica é má e 71% acham que irá ser pior; 76% não têm confiança no Governo e 67% não têm confiança no Parlamento; 60% quer reformas; 47% pensam que, se for preciso, a União Europeia deitar-nos-á a mão e 28% pensam que, em geral, a União Europeia resolverá a crise.

Para VPV, os portugueses não confiam nos políticos e nos partidos do regime, pelo que deviam andar, mas não andam, aflitíssimos. E não andam, porque confiam messiânicamente na Europa. VPV nota que 30 anos de democracia devolveram os portugueses à irresponsabilidade: “Não que ele (o cidadão) não queira reformas (…), mas já aprendeu pela experiência que é inútil esperar que elas se façam de dentro e cá dentro (…)”. Devo dizer que, não tendo sido ouvido pela sondagem, me revejo na opinião maioritária dos portugueses. 

Porquê esta confiança popular na Europa? Porque, embora, em média, pouco instruídos, organizados e responsáveis, não somos parvos. Sabemos, por experiência, que a existência de partidos políticos é uma das liberdades fundamentais da democracia, mas também sabemos que, em Portugal, os partidos têm exercido o poder em roda livre, numa lógica cada vez mais afastada do serviço público. Sabemos, por outro lado, que se é uma ingenuidade esperar que novos partidos purifiquem a coisa, também não estamos muito habituados e dispostos a pedir contas e responsabilidades aos partidos instalados. 

É desta experiência que olhamos, expectantes, para uma Europa em média mais rica, instruída, organizada e responsável. Sabemos que da nascente europeia desaguaram no nosso país rios de dinheiro, suspeito, muito dele, de ser mal empregue. E sabemos ainda, especialmente os que não têm nenhumas saudades da ditadura, que não fora a nossa pertença institucional à União Europeia e já se teria ouvido o ruído das botas de novos “salvadores da Pátria”.

Eis uma hipótese de motivação concreta da nossa visão optimista, ou messiânica segundo VPV, da Europa. 


TEMPOS DIFÍCEIS

Manuel Joaquim




Nos jornais publicados nas últimas quatro cinco semanas, designadamente nos dedicados aos assuntos da economia, apareceram diversos artigos, uns assinados, outros não assinados, emitindo a opinião de que, perante a crise económica e financeira que Portugal atravessa, o FMI deve ser chamado a intervir para pôr ordem nas contas públicas. Outros aceitam e defendem, com naturalidade, o visto prévio da UE sobre o OE, cuja competência soberana pertence à Assembleia da República.

Em programas nas TVs, dedicados aos temas de economia, os intervenientes emitem exactamente as mesmas opiniões. Num dos últimos programas da SIC, Medina Carreira e Silva Lopes, ex-ministro das Finanças e ex-governador do BP, na galhofa, contaram situações, aquando da sua experiência governativa, sobre a intervenção do FMI no tempo em que era 1º ministro Mário Soares. A intervenção do FMI fez-se por intermédio de Carlucci e eram eles próprios que sugeriam, à calada, instruções mais gravosas para os portugueses, para, assim, melhor passarem a sua própria política e não assumirem responsabilidades. 

Outros fazedores de opinião, glosando outros dados, como os portugueses não terem confiança no governo ou na AR e confiarem na UE apontam os mesmos caminhos de intervenção externa. 

Mas os governos são aprovados pela Assembleia da República que é eleita pelos portugueses através de votos nos partidos políticos. Se confiam nos resultados eleitorais que exprimem a sua própria escolha com interpretar não se reverem na política executada? Os partidos políticos não executam politicas a seu bel-prazer mas de acordo com os interesses das classes sociais que representam. Nos períodos eleitorais, através de grandes operações de propaganda dirigida, as pessoas vão acreditando em promessas, sejam elas de mais investimento para criar emprego, de mais apoios sociais, de combate ao neoliberalismo, de combate ao grande capital especulativo. Passadas as eleições, tudo é esquecido em nome disto ou daquilo. Ao longo de mais de trinta anos, muito ricos neste tipo de situações, as pessoas tiveram uma grande experiência, mas não tem sido suficiente para perceberem que a alteração da política passa por elas. E não tem sido suficiente porque não é fácil verificar que os graves problemas do país têm sido escamoteados ao longo dos anos através de aldrabices contabilísticas efectuadas com a conivência de instâncias nacionais e internacionais e com a ajuda financeira externa, de interesse político. 

Nestes três últimos anos, a crise do sistema capitalista, desenvolveu-se muito rapidamente, evidenciando as suas enormes contradições e limites para a sua superação no quadro do próprio sistema. O incontrolável aumento do desemprego, a pobreza e miséria a crescerem nos USA e na Europa “mais rica, instruída, organizada e responsável”, resultam do abandono das actividades produtivas em benefício das actividades especulativas, das alterações verificadas no Comércio Internacional, dos gastos colossais nas actividades da guerra, da diminuição drástica no consumo .

Enquanto nos USA o governo continua a intervir activamente na económica produtiva e no aumento dos rendimentos das pessoas mais carenciadas através da distribuição de cheques, tentando responder ao explosivo desemprego e à diminuição do consumo, na UE o investimento é efectuado na banca. A intervenção de “mais Europa” que tem como exemplo a Irlanda, a Inglaterra, a Itália, a França, a Grécia, a Espanha e outros, é a imposição de mais sacrifícios para os trabalhadores e classes médias da população que vivem de rendimentos do trabalho, de pequenos negócios, de rendimentos fixos ou de pensões de reforma, cortes nos direitos e apoios sociais, ataques aos serviços públicos e broas para o grande capital. É a política de direita e as suas consequências. 

Em Portugal, com PEC I e II, impostos pela EU, são os aumentos das taxas do IRS e a diminuição dos benefícios fiscais, o agravamento do IVA com todas as suas consequências, são os cortes nos rendimentos sociais, prejudicando as pessoas mais necessitadas, é a redução na comparticipação dos medicamentos e na saúde é o sector privado a dominar cada vez mais a sua exploração, (60% dos gastos com a saúde). Na educação é o fim de muitos apoios e o encerramento de mais de 3500 escolas em quatro anos.

A Justiça está entregue ao poder político e económico dominante, de acordo com o pacto de justiça negociado entre PS/PSD. 

Os partidos políticos responsáveis por estas políticas e por estes resultados – PS, PSD – não tendo possibilidades de esticar muito mais as aldrabices contabilísticas (ainda existem algumas, como vender as repartições de finanças e imóveis públicos a empresas públicas para contabilizar os valores como receitas para diminuir o deficit orçamental…) e não tendo agora os capitais internacionais tão disponíveis, porque os credores exigem taxas de juro cada vez mais leoninas e garantias mais palpáveis, têm de impor mais medidas gravosas para as pessoas mas não querem assumir directamente as suas responsabilidades.

O PEC I e PEC II foram negociados e assinados pelos dois partidos. O PEC III já está a ser negociado e vai ser aceite com ou sem assinatura. A Alemanha impõe, a UE aprova e o Governo cumpre. 

Aqui começa uma nova batalha para quem tem o poder económico e político. É importante o domínio das ideias e o condicionamento das vontades das pessoas. Com todos os instrumentos e meios de que dispõe e com os mercenários que tem entrincheirados nos jornais, nas rádios, nas TVs, nas universidades e nas diversas instituições, desenvolve uma grande campanha ideológica para aceitar-se como inevitáveis e até necessárias as políticas restritivas e de direita, causadoras da crise que o país atravessa. Simultaneamente assiste-se a uma tentativa dos partidos executores dessas políticas evitarem ser chamuscados. Daí o teatro à volta da aprovação do OE para 2011. Pelos berros que fazem à volta deste processo, que ainda não é publicamente conhecido, o que pretendem é esconder que o OE é o instrumento de uma política que no dia a dia levam à pratica e que não é posta em causa. É neste quadro de linguagem perturbadora que as pessoas são deliberadamente confundidas para demonstrar que os partidos não se entendem e justificar a intervenção do FMI e UE para depois dizerem que não têm responsabilidades nas medidas impostas, tal como fizeram os antigos governantes acima referidos.

É desta forma que boas pessoas, inteligentes mas simples, na sua ingenuidade política, vão aceitar como inevitáveis e naturais as determinações da UE e do FMI (e da Noruega e da China) que poderão apontar (especulação minha…) para cortes nos salários de 5 a 10%, para a retenção do subsídio de Natal e do subsídio de férias, para o aumento do IVA para 22%, para o aumento de outros impostos e taxas, para o aumento dos custos com meios auxiliares de diagnóstico (análises, RX, Ecos, etc.) para a diminuição das indemnizações por rescisões de contratos de trabalho, para a suspensão dos acordos já assinados sobre o salário mínimo, para a liberalização dos despedimentos, etc.

19 de Setembro de 2010
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