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01/10/09

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E ASSIM SE ABATEM OS MITOS!

Mário Faria


Ouvi, ontem, o nosso Presidente. Muito crispado, irritou-me o tom e o conteúdo. O homem é arrogante até dizer chega. E medíocre. Não permito que me tirem o que é obra minha . Vou contar tudo direitinho. Confesso que fui o autor e mandante das escutas e da vigilância informática sobre a casa do Presidente.

Primeiro vou explicar o plano e sua execução e depois quais os motivos que me empurraram para este procedimento.

1 – Plano : Execução

Falei à Svetlana (licenciada em engenharia informática e actualmente empresária de um bar que está na moda) para lhe dizer que precisava de um serviço de espionagem electrónica. "Não contes comigo. Não posso arriscar." Deu-me um nome : Vespa. Vive em Lisboa. Um génio da informática. A russa prepararia o encontro. Telefonou-me ao princípio da noite e disse-me que tinha combinado o nosso encontro para o Elefante Branco (EB), em Lisboa, a partir das 23,30 H do dia seguinte, e que o meu nome de código era Peste.

Segui no Alfa Pendular para Lisboa, em segunda classe para não dar nas vistas, onde cheguei cerca das 20H. Jantei frugalmente, relaxei um pouco e dirigi-me para o EB. Cheguei ás 23h. Entrei com o meu cartão Vip. Havia pouco movimento e as meninas escasseavam. Sentei-me numa lugar que me permitisse controlar a entrada . Pedi um irish coffee para ajudar à espera.

Ás 11,30 H entrou um homem ainda jovem : era quase careca, com uma barba loura, de jeans e casaco de couro. Pelas coordenadas que me foram dadas, parecia o homem que esperava. Levantei-me e perguntei :

- Vespa ?

- Peste ? Trocámos um aceno de cabeça.

Saí com a promessa de voltar ao (EB) no calor da noite, quando o ambiente aquece. Estava uma velha carrinha VW, estacionada do outro lado. Vespa apresentou-me o sócio Bob the Cat. Subimos para o espaço de carga e sentamo-nos em bancos dobráveis presos aos lados da carroçaria. Enquanto Bob navegava entre o tráfego de Lisboa, acertámos o negócio.

- Pelos bitaites que a Svetlana me passou, o que pretendes tem a ver com um serviço crashbang. Não é ?

- Quero escuta telefónica e controlo de e'mails dum computador, durante Agosto e Setembro. Se isso é crashbang, é isso mesmo que quero. Trata-se da casa e do computador do Presidente. Quero saber tudo que possa ser suficientemente relevante para influenciar o relacionamento entre o presidente, o governo, o partido no poder e a principal força da oposição. Achas que consegues ?

- É canja, disse Vespa.

Acertamos as condições e outras minudências, nomeadamente como se faria o trânsito da comunicação entres as partes : Vespa e Peste.

2 – O Plano : Objectivos

Criei esta plano para avaliar a saúde da nossa democracia e o estofo dos seus principais interpretes. À media que a informação me chegava de Vespa ia seleccionando os assuntos com interesse para a minha tese e depois bastava seleccionar um conjunto de computadores de bons rapazes, e fazer-lhes chegar a informação e contra-informação que ia catalogando e enviando segundo uma ordem lógica, o que foi conseguido sempre por intermédio de Vespa e de Bob. Contava que pudesse causar alguma confusão, mas nunca me passou pela cabeça que isto desse neste tsunami institucional, onde não consta haver muitos inocentes, com o Presidente completamente desvairado, possesso com o PS e Sócrates. Estalou-lhe o verniz (democrático) e provou que não tem estofo para ocupar o lugar. E assim se abatem os mitos !


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O BLOQUEIO A CUBA

Manuel Joaquim

http://further-left-forum.blogspot.com



No passado dia 23 de Setembro foi inaugurada em Nova Iorque a 64ª Assembleia Geral das Nações Unidas com a participação dos 192 países membros.

O novo Presidente dos Estados Unidos, BaracK Obama, na sua primeira intervenção "apelou para uma nova era de compromisso mundial e que só com a cooperação de todos será possível vencer os difíceis desafios globais" palavras muito saudadas, conforme se pôde ler em praticamente todos os jornais que se referiram ao acontecimento.

No entanto, a generalidade desses mesmos jornais e da restante comunicação não noticiaram que o mesmo Barack Obama tinha decidido no dia 14 do mesmo mês de Setembro prolongar o embargo a Cuba, tal como fizeram os anteriores presidentes, apesar dos apelos de muitas e várias organizações internacionais, designadamente o Grupo de Defesa dos Direitos Humanos da Amnistia Internacional em virtude de confrontar direitos humanos básicos, como é o direito à saúde.

É importante lembrar que nas últimas dezoito Assembleias Gerais da ONU o bloqueio efectuado pelos Estados Unidos A Cuba foi sistematicamente repudiado por um número crescente de países, tendo atingido no ano passado o repúdio de 185 países.

O jornal espanhol El País, do passado dia 18 de Setembro, noticiava que Cuba e os EEUU estavam a dar pequenos e tímidos passos no sentido da normalização das suas relações. E referia que uma simples carta enviada de Havana para Miami, que ficam a 145 quilómetros de distância demora largos meses a ser entregue e que é frequente que nunca chegue ao seu destino.

Muitas pessoas ouvem falar do bloqueio a Cuba mas têm dificuldades em precisar em que consiste e as suas consequências tanto para Cuba como para todos os países com quem negoceie directa ou indirectamente.

O bloqueio imposto pelos EEUU contra Cuba vai fazer 50 anos. É económico, comercial, financeiro, científico, cultural e desportivo e teve como objectivo deliberado provocar a fome, a miséria, a doença e o desespero da população cubana para destruir o processo revolucionário. O bloqueio foi sempre acompanhado de actos de sabotagem, da disseminação de pragas para destruição das culturas agrícolas e das próprias pessoas através de doenças. Pelo que se sabe até ao momento, os 10 governos sucessivos dos EEUU nada mudaram, bem pelo contrário, verifica-se o reforço político, administrativo e repressivo da legislação que tem sido invocada e aplicada.

- Lei de Comércio com o inimigo (TWEA). Foi promulgada como medida de guerra em 1917 para a restrição do comércio com nações consideradas hostis. A sua aplicação foi alargada posteriormente para dar poderes ao Presidente. As primeiras regulamentações do bloqueio contra Cuba, em 1962, baseiam-se nesta lei.

- Lei de Assistência Exterior. Esta lei, aprovada pelo Congresso dos EEUU e promulgada em Setembro de 1961, autoriza o Presidente a estabelecer e manter um embargo total sobre o comércio entre os Estados Unidos e Cuba e proibiu o oferecimento de qualquer ajuda a Cuba.

- Lei de Administração das Exportações (EAA). Aprovada em 1979 deu poderes ao Presidente para controlar as exportações e reexportações de bens e tecnologia.

- Lei para a Democracia Cubana (CDA). Esta lei foi aprovada em Outubro de 1992 pelo Presidente Bush pai e é conhecida como a Lei Torricelli. Reforço das medidas económicas contra Cuba, dando extraterritorialidade ao bloqueio. Proibiu às empresas norte-americanas em terceiros países realizar transacções com Cuba ou nacionais cubanos e a entrada em território norte-americano, durante um prazo de 180 dias, dos navios de terceiros países que visitem portos cubanos, além de outras restrições.

- Lei para a Solidariedade Democrática e a Liberdade Cubana. Esta lei foi aprovada em Março de 1996 pelo Presidente Clinton e é conhecida como a Lei Helms-Burton. Dificultar o investimento estrangeiro em Cuba e internacionalizar ainda mais o bloqueio. Limitou as prorrogativas do Presidente para suspender esta política e ampliou o seu alcance extraterritorial. Proibiu a entrada nos EEUU aos dirigentes de empresas estrangeiras (e seus familiares) que investissem em propriedades "confiscadas" em Cuba e estabeleceu a possibilidade de apresentação de acções judiciais nos tribunais dos EEUU.

- Regulamentações de Administração das Exportações (EAR). Entre várias, a proibição das exportações para Cuba salvo caso das excepções que apareçam especificadas na própria regulação ou aquelas que são autorizadas através de licenças outorgadas pelo Bureau de Indústria e Segurança, do Departamento de Comércio. AS regulamentações são estabelecidas pela Lei de Comércio com o Inimigo e pela Lei de Administração das Exportações.

Este conjunto de leis e regulamentações é demonstrativo de que nenhum bloqueio tem sido tão abrangente e tão brutal contra um Povo como o que os Estados Unidos da América tem mantido contra Cuba e o seu Povo. De acordo com a Convenção de Genebra de 1948, é um verdadeiro de acto de genocídio. E de acordo com convenções internacionais é um acto de guerra económica. O bloqueio afecta legítimos interesses de empresas e cidadãos de terceiros países e a soberania de muitos Estados.

Cuba é um país pobre, do chamado terceiro mundo. Os recursos disponíveis são limitados e as suas necessidades e desejos são ilimitados. Por isso, existe um problema económico, aliás existente em todos os países do mundo. Daí a razão da Economia. E para responder aos problemas das necessidades existe o comércio internacional. O bloqueio pretende destruir o comércio internacional com Cuba.

Segundo cálculos efectuados até Dezembro de 2008, os prejuízos directos de Cuba ultrapassam os 96 bilhões de dólares, mas a preços actuais atingem 236 mil 221 milhões de dólares.

Ao arrepio do crescente movimento dentro e fora dos Estados Unidos para que seja eliminada esta política, o Vice-Presidente dos Estados Unidos, Joseph Biden, em declarações efectuadas na Cimeira dos Líderes Progressistas, realizada no Chile em 28 de Março de 2009, referiu que "Os Estados Unidos da América manterão o bloqueio como ferramenta de pressão contra Cuba".

Como conciliar toda esta política com as declarações de Obama de que quer uma nova ordem de cooperação?


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OS INTELECTUAIS E A SUA DEMOCRACIA

Alcino Silva


O livro chegou às livrarias com muito alarido, muitos anúncios, muitas palavras elogiosas e, se hoje em dia tais atributos devem gerar em nós o activar das defesas do pensamento, não significa que a curiosidade e o desejo de conhecer não nos levem à procura do que parece ser diferente. Uma ou duas vezes olhei de soslaio para o "Um Mundo sem Regras" deste Amin Maalouf que nos havia mostrado "As Cruzadas vistas pelos Árabes" e fui deixando para ocasião próxima o conhecimento do que nos diz este intelectual francês de nascimento árabe. Até que mão amiga me trouxe à leitura o pensamento deste escritor que já foi ou ainda é jornalista. Tenho de confessar que a desilusão nasceu com as primeiras linhas. Percebi de imediato, não por inteligência minha, mas pela clareza do discurso que não nos vinha trazer esperança mas apenas o consolo da servidão, dessa que se aloja em nós e nos mostra um mundo de vencidos com a sorte já trazida nos genes da nascença. Acresce que nem sequer é novo o discurso. Já outros, noutro tempo e noutras crises do capitalismo nos trouxeram este discurso amaciador. Sim, capitalismo, a palavra que o poder descobriu no ano transacto. Guardada em gavetas sebentas, voltaram a reeditá-lo para explicar essa trombada que se abateu de novo sobre os pobres, sempre sobre os pobres e de alguma forma sobre todos aqueles que lhes estão próximos, mesmo que a vida lhes possa proporcionar algum conforto material e espiritual. Maalouf utiliza apenas cinco vezes a palavra capitalismo, a medo e quase escondido. O que gosta de falar mesmo este intelectual francês que se serve do nascimento e adolescência libanesas para melhor se colocar numa posição de crítica ao mundo árabe, o que gosta mesmo de falar é do Ocidente e da comunidade internacional. Ah, senhor Maalouf as coisas que poderíamos contar do nosso Ocidente e da comunidade internacional. Creio que sabe do que falo, mesmo não dizendo. Diz-nos a certo passo, que "Após a queda do Muro de Berlim, soprava um vento de esperança no mundo". Para quem soprava esse vento? Não me diga que acredita no que escreve. Não consigo levar tão longe a sua ingenuidade. Ao longo das quase 200 páginas do livro coloca-se no pedestal de uma pretensa esquerda que por cima das calamidades, das desgraças, das violências, dos dramas, que esta casta que nos governa provoca no mundo, para perguntar o que pensam uns e o que pensam outros, ou dito talvez de outra forma, o que pensa a esquerda e o que pensa a direita. Sim, pois, que eu Amin Maalouf aqui estou para com o meu discurso de alta moral dizer o que está errado no mundo e o que está errado na acção de uns e de outros, enquanto no seu conforto e no seu comodismo, vai usufruindo das migalhas que essa casta vai deixando nas margens do caminho. Enquanto leio este "Um Mundo sem Regras" o canal Odisseia vai passando o documentário sobre os acontecimentos no Chile há 35 anos atrás. A vitória de Allende, a esperança, sim a esperança senhor Maalouf, mas dos pobres, não dos pobres de espírito como o são alguns intelectuais ou seus imitadores, mas daqueles que são capazes de sonhar com um mundo diferente, mais justo, mais equilibrado, mais equitativo, sem Ocidente e sem comunidade internacional, esses pobres a quem Allende passou a distribuir um litro de leite por dia. Sabe senhor Maalouf o que pode ainda hoje significar um litro de leite por dia? Não sabe e se já se apercebeu, certamente que disfarça como o faz no seu livro. E finalmente o golpe, os militares chilenos utilizando as armas para defender os interesses do Ocidente e da comunidade internacional, os mesmos interesses pretorianos que vão sustentar 25 anos no poder esse excremento que deu pelo nome de Augusto Pinochet. Diga-me senhor Maalouf que fala horrorizado dos mais de 3 000 cidadãos dos EUA que morreram nas Torres Gémeas, porque não diz uma única palavra sobre os mais de 30 000 chilenos que morreram nas prisões, desapareceram ou ficaram prisioneiros e exilados durante largos e largos anos, também no dia 11 de Setembro? Sim, é verdade o senhor diz que há certas coisas que não deviam ser feitas mas com que condescendência o diz, o menciona. O resto são críticas ao mundo árabe unindo na mesma expressão essa elite bastarda que está no poder e faz parte do seu Ocidente e da sua comunidade internacional e aqueles que mesmo seguindo caminhos errados, quem não erra quando se percorrem caminhos novos?, procuram uma estrada diferente para as populações árabes. Que cómodo que é o seu discurso. Pena é que o canal Odisseia nos traga novo documentário, desta vez sobre as crianças de Faluja que nascem deformadas, monstruosas nas suas formas e feições para desespero das mães que se recusam a gerar filhos para não viverem esse drama de amamentarem crianças disformes que foram deixadas pelas bombas do seu Ocidente e da sua comunidade internacional plena de liberdade e de liberdades.

Não, o meu mundo não é nem podia ser o seu. O senhor Maalouf é um escritor famoso, conceituado, ganha certamente muito dinheiro, tem mesa farta e permite-se dar recados ao mundo, sobretudo ao mundo que obedece. Sou tão só uma pessoa simples que do mundo apenas pode escutar e não deixarei de reflectir nas suas palavras, mas não se iluda, pois estou crente, sem fé, apenas acredito, que muitos outros como eu seguirão outro caminho, não o da obediência, não o da sujeição, não o do pensamento castrado ao conforto e ao comodismo de alguns valores materiais. Com muitos erros, muitos defeitos, imensas imperfeições, mas sobretudo, com muitos sonhos e muitas utopias a gerar certezas continuo a escutar vindo dos subterrâneos da Terra, da lonjura dos tempos, talvez até do infinito das estrelas, vou escutando todos os dias provindo do fundo da estrada da vida, a voz doce dessa Simone brasileira murmurando em poema cantado,

"caminhando e cantando e seguindo a canção (…) Vem, vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer".

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MEMÓRIAS DA MEMÓRIA

Mário MartinsHadrien (Imperator Caesar Traianus Hadrianus Augustus: 76/138)


Pobre almita tão meiguita
Deste corpo sociazita
Que para uns duros lugarzitos,
Escuritos, desertitos,
Sozinha ao presente vás
Ai nunca mais brincarás…
P. Élio Adriano, Imperador

Foi em mais uma deambulação por terras de Espanha, esse país ímpar em que, por via de regra, as pessoas não respondem que são espanholas mas sim andaluzas, bascas, catalãs, galegas e por aí fora, que fortuitamente li que os imperadores romanos Trajano e Adriano, pai e filho adoptivo, haviam nascido em Itálica, nos arredores de Sevilha. Já não me lembrava, eu que há uns bons pares de anos me maravilhei com esse livro extraordinário de Marguerite Yourcenar "Memórias de Adriano"*, mas não há dúvida, está lá, logo na página 12: "mas lembro-me das minhas corridas de criança nas colinas secas de Espanha".
É com o relato de uma vulgar consulta médica mas onde, a um tempo, desfilam a tragédia humana e a elevação literária, que o livro começa.
Meu caro Marco (Aurélio), escreve ele pelo punho de Yourcenar:
"Fui esta manhã a casa de Hermógenes, o meu médico, que acaba de regressar à Villa depois de uma viagem bastante longa pela Ásia. Devia ser observado em jejum; tínhamos marcado a consulta para as primeiras horas da manhã. Deitei-me num leito depois de ter tirado o manto e a túnica. Poupo-te a pormenores que te seriam tão desagradáveis como a mim próprio e à descrição do corpo de um homem que avança na idade e se prepara para morrer de uma hidropisia do coração. Digamos apenas que tossi, respirei e retive o fôlego conforme as indicações de Hermógenes, alarmado, a seu pesar, pelos progressos tão rápidos do mal e disposto a atribuir as culpas ao jovem Iolas, que me tratou durante a sua ausência. É difícil permanecer imperador na presença de um médico e difícil também conservar a qualidade de homem. O olho do prático só via em mim um montão de humores, triste amálgama de linfa e de sangue. Veio-me esta manhã, pela primeira vez, a ideia de que o meu corpo, este fiel companheiro, este amigo mais seguro, melhor conhecido por mim que a minha alma, não passa de um monstro dissimulado, que acabará por devorar o seu dono (…)".
Dezanove séculos depois, já no ano I do 3º. milénio da nossa era, pude ir a sua casa, a Villa Adriana, ali nas colinas de Tivoli, nos arredores de Roma, que dessa vez imperialmente ignorei, emocionar-me entre as suas ruínas, com o livro debaixo do braço. Guardo como um tesouro esse momento único e sei que voltarei a ler o livro, eu que já o li e reli.
* Editora Ulisseia


NÃO DEVEMOS DESESPERAR

António Mesquita
L’usine Renault-Billancourt (Christin/Goetzinger/Dargaud)


"Il ne faut pas désespérer Billancourt"

(slogan político)


Billancourt é um subúrbio a oeste de Paris, onde se encontra a fábrica da Renault, palco de grandes lutas operárias, como, no princípio do século XX, as que se opuseram à introdução do método "taylorista".

Aquela frase tem uma origem literária (a peça de Jean-Paul Sartre: "Nekrassov"), embora com um sentido contrário ao que lhe foi dado mais tarde. Na peça, a personagem de um "renegado" pretende mesmo desesperar os que acreditam na Revolução, descrevendo a União Soviética com as cores mais negras. Ulteriormente, são as cores da realidade (os crimes do regime e os campos de concentração) que não se tem o direito de revelar para não desmoralizar a luta operária. Esta última versão é, erradamente, também atribuída a Sartre.

A ideia é a mesma do argumento, tantas vezes utilizado entre nós, de que o importante é "tratar dos nossos problemas", sem nos deixarmos enredar nas consequências que a doutrina possa ter tido noutro lugar. A dúvida, na medida em que suspende a acção, é o maior dos perigos. Mas merece o belo nome de acção, o que se faz de olhos fechados? Ou estaremos antes no reino da mecânica?

A dúvida é inerente ao pensamento vivo. Contra ela, apoiados nela é que mantemos o contacto com o tempo e a mudança, com a realidade, enfim. "Não devemos desesperar Billancourt" é, pois, um slogan que revela a face dogmática e defensiva duma doutrina que já vive só dentro das suas muralhas.

Querem alguns que a dúvida ganha o seu carácter da vontade com que a exercemos. Se não quisermos agir, a dúvida fornece-nos o perfeito álibi. Mas esta pode ser uma escolha legítima se à lucidez se atrelar a impotência.

Se queremos, porém, a acção, pode perguntar-se se dar lugar à dúvida não é querer e não querer ao mesmo tempo. Em nome da eficácia (a curto prazo), deveríamos então simplificar ao extremo o que está em jogo e lançarmo-nos no desconhecido. Parece-me que é isto o que acontece quase sempre.

Nesse sentido, impõe-se uma espécie de sequestro da realidade enquanto dura a acção, e os partidos políticos são a moderna instituição desse sequestro. Com o seu código exclusivo e o espírito colectivo do seu ambiente que se torna o único meio do pensamento, eles são uma espécie de máquinas para a acção.

E voltamos à questão de saber se esse funcionamento se pode confundir com o verdadeiro significado da palavra acção.


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