StatCounter

View My Stats

02/08/17

121


ALGUÉM NÃO ANDA A CUMPRIR O SEU DEVER *



Mário Martins




https://www.google.pt/search?q=incendio+pedrogao+grande




Guardo ainda frescas na memória as imagens dantescas da cidade do Funchal a arder na televisão, no fundo da noite, a culminarem a onda avassaladora de incêndios do ano passado. Essas imagens causaram-me uma grande impressão e cheguei a temer o pior. Afinal, o pior estava para acontecer em Pedrógão. Um amigo oriundo da região, que havia dado uma volta por lá há pouco tempo, opinou que era previsível que uma desgraça acontecesse, dada a densidade da floresta com as aldeias no meio dela. Mas li no jornal que um professor de uma faculdade lembrou que há muito que está definida a necessidade de as aldeias da floresta terem um perímetro de segurança, um refúgio e formação da população. Portanto, há uma responsabilidade política traduzida numa demissão do papel do Estado de levar à prática as medidas de prevenção convenientes e de colocar o bem público acima dos interesses particulares. Assim como há uma responsabilidade política pela negra estatística de, ano após ano, Portugal ser o país da União Europeia com o maior número de incêndios florestais e uma área ardida à volta dos 50% da total europeia. Agora, a única maneira de honrar a memória dos mortos é aplicar as medidas de prevenção que não foram tomadas em décadas de laxismo e de aposta nos meios e acções de combate. Desta vez, só de pensar no que terão sido aqueles momentos infernais vividos pelas vítimas, fugi o mais que pude da televisão, tomado de pudor. Perante esta autêntica tragédia nacional, o furto de Tancos, grave em si mesmo, assume contornos de pura comédia. 

*do discurso de José Saramago na cerimónia de entrega do prémio Nobel (Dez1998)

01/08/17

CARTAS DE SANTA MARIA

Fernão Vasques


Tórshavn


Tórshavn, 31 de Julho



Esta cidade e o arquipélago, seduziram-me. Talvez seja a paisagem em geral, mas foram sobretudo as casas, as cores das habitações. Entre o nevoeiro, a neblina, a chuva, tudo o que possa baixar o céu e escurecer não consegue esconder as cores garridas, vibrantes, das paredes exteriores e dos telhados. Encantam-me os telhados cobertos de turfa, verdes como um prado de montanha. No Café Natúr, onde escrevo, há uma sensação de espaço portuário, o que de certa forma se ajusta tanto ao local onde se situa como à própria cidade. Tórshavn significa, Porto de Thor, mas os feroeses chamam-lhe apenas Havnin, ou seja, O Porto, o que me projecta o pensamento para o passado, lembranças guardadas, sonhos esquecidos. As Féroe eram um desejo de visita antigo, talvez pelo isolamento, pela geografia das suas ilhas, ou pelo local central como aparecem no atlas. As ilhas orientais possuem um aspecto majestático. Não existem aldeias de montanha, aparecem-nos todas junto ao mar como se pretendessem ficar protegidas por aquelas massas de pedra que se erguem na sua retaguarda. A Borðoy é uma cordilheira que se estende ao longo de 20 kms com altitudes a chegar aos 750 metros com uma espécie de braço de cada um dos lados da ilha. É um maciço de magma. Foi um risco, mas alcandorei-me em caminhada até um dos seus cumes. Adquirimos uma sensação de plenitude, de grandeza e, por outro lado, de imensa pequenez face ao que nos rodeia. Sentei-me e deixei-me ir. Estou em crer que em dias de horizonte limpo o olhar pode alcançar a costa norueguesa e islandesa. Ocorreu-me à memória uma dessas pessoas quase únicas que encontramos na vida. Um dia, numa reunião, trouxe um recorte de jornal que falava do infinitamente grande e do infinitamente pequeno, a física no seu esplendor. A dimensão de uma galáxia, que não podemos compreender, se não conhecermos a pequenez de um átomo. Os seres humanos, também guardam no seu interior, dois infinitos, que se revelam pela maldade e pela virtude. Percebi as horas a passar e não conseguia sair daquele abandono. Tentava imaginar a explosão vulcânica que projectou no espaço aquelas massas graníticas como um fogo-de-artifício em explosão crescente e, de seguida, cansadas, a escorrerem lentas, vermelhas e quentes em direcção ao oceano, solidificando erectas antes de se renderem. Ali estão, a proporcionar momentos de leveza na reflexão humana. Naquele espaço e perante aquelas formas compreende-se melhor o amor que nos segura a vida, e o porquê da nossa tão grande vontade de viver, de tanto amar a natureza que nos cerca e, perante tudo isto, a nossa incompreensão da morte, como se ela não fosse um elemento integrante da própria vida. Só morre o que nasce. Queremos viver e ao mesmo tempo não conseguimos parar o envelhecimento, com a sua perda de autonomia, de movimentos, de memória, como se nos fosse derrotando num processo lento e imparável. Que pena não podermos iludir este decaimento, quando a vida nos proporciona momentos de uma beleza inexprimível como aquele sentido no alto de Lokki no centro da Borðoy. Não sabia se escutava o silêncio ou se, eram sons que me chegavam em refluxos de memória. Ocorreram-me as palavras poemárias de António Borges Coelho quando lhe aprisionaram o corpo nas masmorras de Peniche, «Ouço o fragor da vaga/ do mar a bater no fundo». Sinto-me como uma ave de asas largas a planar sobre o sonho e visito a frase de uma exposição pensando numa dessas pessoas que nos marcam a alma para todo o sempre, «Elevas-me com o teu toque embora eu não consiga ver as tuas mãos». Não sei quando acordei daquele êxtase e iniciei a descida. Tórshavn é uma das mais antigas capitais europeias, na sua pequenez secular que só nos últimos cem anos a fez crescer ao nível de uma pequeníssima cidade nos seus cerca de doze mil habitantes. O seu centro histórico é simplesmente um espaço de encantar onde podemos caminhar entre mitos e duendes. Por estes dias celebra o Ólavsøka, o festival que homenageia São Olavo, o rei que foi da Noruega, na distante data do início do século XI. Comemorado nos finais de Julho transforma o dia 29 num dos feriados mais importantes do país, juntamente com o dia 25 de Abril, o Dia da Bandeira. A história do arquipélago ultrapassa os mil anos e é preenchida por uma história de ocupação, repartida entre a Noruega e a Dinamarca com uma breve ocupação inglesa durante a última Grande Guerra. Com uma taxa de fecundidade das mais elevadas da Europa, o conjunto destas ilhas, mostra que o que parece um grande isolamento não é necessariamente um mal a evitar. Koltur tem 2 habitantes, mas um fim de tarde na encosta sobranceira às casas, deixa-nos no limbo da melancolia e da eternidade. Há algo de profundo na contemplação da placidez das águas, na quietude das montanhas, nas suas encostas verdejantes, como um jardim acabado de tratar, na névoa que se estende esfarrapada no horizonte. É como se escutássemos uma música em tom baixo e longínquo. Sentimos um roçar da perfeição no que o olhar abarca. Apetece amar, essa expressão de emoções e sentimentos que nos proporciona a proximidade de alguém, um outro ser para uma repartição de gestos e olhares. Um pouco de mim vai ficar nestas ilhas.




A (EXTREMA) DIREITA

Mário Faria





A tragédia de Pedrogão deixou o país destroçado pela violência da catástrofe e pela incapacidade das autoridades em defender as pessoas e os bens. Acabado o luto, o governo foi atacado e responsabilizado pela falta de coordenação e capacidade para agir em momento de calamidade. Por iniciativa do PSD, uma equipa de sábios tomou a seu cargo o exame dos acontecimentos e da resposta das autoridades. A cabeça da ministra da Administração Interna foi exigida para lavar o sangue dos mártires. A demissão, numa hora difícil, seria uma covardia e a assunção de culpa, material e política. Tenho as mais sérias dúvidas da capacidade das forças de combate e dos seus dirigentes no ataque ao flagelo dos fogos. Dos bombeiros e dos outros. Mas, essa falta de confiança radica da brutalidade dos números que faz de Portugal o país que mais arde e tem comandos aparentemente pouco hábeis e insuficientemente rodados na intervenção no terreno. É muito importante que quem comande tenha essa experiência ou a tenha tido. Essa é uma condição que os comandados avaliam e muito influencia a acção do grupo. Mas, estas suspeições não têm qualquer fundamento e decorrem de uma certa facilidade como criticamos terceiros. Demais, tomar decisões no quadro catastrófico de Pedrogão foi seguramente complexo e deve ser medido em função do ritmo das ameaças e dos meios usados no combate. E se possível, concluir se houve falha humana. É bem provável que a cadeia de comando não tenha reagido com a mesma rapidez das chamas em fúria. Mas, a desvantagem foi evidente. E é muito fácil assumir, hoje, o que deveria ter sido feito. “Como prevenir e proteger sem destruir tudo? Não há nada pior do que os automatismos preventivos. A biopolítica das catástrofes é reactiva e funciona à medida do que acontece em tempos curtos. Não entende que no sistema ecológico os alarmes só disparam quando já é demasiado tarde. A grande catástrofe do fogo no centro do país suscitou imediatamente legítimas reclamações e todos os fantasmas de imunização, mas tais reacções ignoram as catástrofes lentas, o que aconteceu sem espectacularidade e de maneira mais serena.” 


A comunicação social tem feito uma recolha e um acompanhamento dos fogos florestais de forma esforçada. Porém, o tratamento das imagens foi aproveitado para criar um clima emocional que apela ao justicialismo e ao castigo. E ao terror. E como num filme de série tomou o titulou de “A estrada da Morte” e foi animado pela banda sonora de “Apocalypse Now”.Tudo lhes serviu para o efeito, encostando-se demasiado a noticiar factos sem recurso à investigação das fontes. Foi castigada por isso, e agora chora lágrimas de crocodilo e grita que querem acabar com a liberdade de imprensa. Mas a situação portuguesa tem as suas especificidades: sobre a ausência ou a rarefação de alguns géneros jornalísticos tradicionais, ergue-se a opinião e o comentário político, uma multidão de gente que transita da esfera política para o jornalismo e vice-versa, e começa o dia no jornal, passa à tarde pela rádio e está à noite na televisão. Este sistema conduz ao discurso histérico e à ausência de diversidade intelectual, muitas vezes confundido com a falta de pluralismo político, mas mais grave do que este porque está muito mais naturalizado e dissimulado. E é, além disso, responsável por uma esterilização de esfera pública mediática.”

O triste desempenho do PSD e do CDS sobre a publicação da lista dos mortos de Pedrogão, confirmou que estas forças políticas têm gente nos seus quadros e filiados, muita extrema-direita escondida com rabo de fora. Esta extrema-direita é superficialmente cosmopolita, mas não hesita em pegar no martelo e na moca para impor o seu ideário e os seus interesses. Ferro Rodrigues com aquele ar antipático que o caracteriza, deu conta desse evidência numa entrevista para a Antena 1. Fez bem. Lembrei-me dos tempos do PREC e das notícias que saiam todos os dias sobre o caos instalado no país e do sangue que corria pelas ruas de Lisboa. Por estes dias o alvo é diferente e o método menos musculado. A continuidade desta fórmula de governo é fundamental e, sendo assim, é imperioso que os actuais partidos que o sustentam se entendam entre si. O período eleitoral não favorece a prudência e os acordos a firmar e que constarão do próximo Orçamento, devem ser estabelecidos de forma sigilosa. A estratégia de os trazer para a rua como forma de pressão é uma ameaça: um tiro nos pés. Por favor sejam inteligentes e olhem menos para o umbigo.


Nota: os textos em bold são parte de um artigo de António Guerreiro no Público.



UM GOLPE DE ESTADO

Manuel Joaquim

Javier Garcia Sánchez



No passado mês de Março foi publicado pela Navona Editorial, de Barcelona, o livro do escritor espanhol Javier Garcia Sánchez, “Teoria de la Conspiración, Deconstruyendo um magnicidio: Dallas 22/11/63“, que,  inicialmente, em 2013, pretendia ser um ensaio sobre os cinquenta anos do  assassinato do Presidente dos Estados Unidos da América, John Fitzgerald Kennedy, mas que,  com a investigação profunda que efectuou, deparou com informações omitidas aquando da investigação do assassinato, com falsidades no processo de inquérito e em  ensaios publicados, tudo  no sentido de orientar conclusões,  se transformou num verdadeiro relatório sobre o acontecimento. 

A sua obra  identifica muitos dos intervenientes directos e indirectos, conclui que foi uma acção executiva com todas as regras, coordenada  e executada pela CIA,  com intervenção clara da máfia, em benefício dos homens do petróleo do Texas e  da indústria do armamento. Que nos quinze anos seguintes foram liquidados mais de cinquenta testemunhas e interventores para ocultação da verdade para que se mantivesse somente a oficial.

Sabe-se que JFK tinha aprovado em 11 de Outubro de 1963 a retirada escalonada do pessoal americano do Vietname. Em Dallas ia anunciar a aplicação de impostos sobre o petróleo. A extrema-direita combatia ferozmente a política liberal da presidência e a máfia e os exilados cubanos não perdoavam  a derrota da operação Mangusta (Baia dos Porcos) que tinha como objectivo matar Fidel de Castro e tomar Cuba.

O Vice-Presidente, Lyndon Johnson, em rota de colisão com JFK,  como era do domínio público, tinha interesses no petróleo e na industria do armamento. Passados dois dias do assassinato de JFK, tomou posse como Presidente e a primeira medida foi desencadear a guerra no Vietname.  Há quem não acredite, mas nos EUA também existem golpes de estado. E este teve consequências para todo o mundo.

Curiosamente na passada segunda-feira, dia 24, foram publicados cerca de quatro mil documentos pelos Arquivos Nacionais dos EUA,  em Washington, que estavam retidos ou censurados sobre o assassinato de JFK. Até final deste ano deve ser publicada toda a  documentação existente.

A obra de Javier Garcia Sánchez ultrapassou muito os cinquenta anos da data do assassinato de JFK, mas consegue presta-lhe homenagem  nos cem anos do seu nascimento que foi em 29 de Maio de 1917.

  

O TOM DISCORDANTE

António Mesquita



"O consenso é apenas um estado das discussões e não o seu fim. Este é mais propriamente a paralisia."

(Jean-François Lyotard, in "La condition post-moderne")


O tempo abre fissuras no mais feliz dos consensos. Todos conhecemos o efeito do cansaço nas discussões (quando as há) e como esse cansaço favorece um "consenso", que não resiste à luz do dia, mas que, rapidamente, se pode tornar "a melhor solução possível".

As discussões são virtualmente intermináveis porque é possível explorar indefinidamente os prós e os contra de qualquer posição, e é a vontade, finalmente, quem decide, ou o sono, o cansaço, o medo, e até...o bom senso.

O que nos leva ao aforismo que diz que "da discussão nasce a luz". Seria, talvez, mais apropriado sustentar que do concurso de vontades para levar a discussão à "paralisia" (ou ao não-problemático), pode resultar o esclarecimento da questão. Mas a discussão é muito mais do que isso. Basta pensar no que diz José Gil sobre a diferença entre discordância e discórdia e a incapacidade de discutir dos portugueses.

"Paradoxalmente (ou perversamente), porque o que se procura é precisamente a discordância (não a discórdia) e, antes de tudo, ouvir o som da sua própria voz,"

  ("Portugal, hoje - O medo de existir" de José Gil)
View My Stats