StatCounter

View My Stats

01/08/18

133


ASSIM VAI O MUNDO

Manuel Joaquim

Galileu


A comunicação social dominante e as suas redes sociais inundam-nos sistematicamente para além do futebol, dos incêndios, dos hospitais e das escolas, com notícias sensacionalistas sobre comportamentos e posições de pessoas, de dirigentes partidários e dos próprios partidos, muitas das vezes com meias verdades ou falsas, metendo todos os que não seguem as suas ideias no mesmo saco, para condicionar a opinião pública e orientá-la para caminhos que não são os melhores. O que está a acontecer em diversos países da Europa é exemplar. Um dos assessores de Trump, com ligações à extrema-direita dos EUA, percorreu há poucos dias diversos países da Europa para organizar e financiar partidos da extrema-direita. Isto quer dizer que o caldo está a ser preparado.

Os problemas com imigrantes e refugiados estão a criar dificuldades crescentes nos órgãos de decisão da União Europeia com países a não acatarem as orientações estabelecidas. Se depois de a Nato ter destruído diversos países da África e Médio Oriente  passou a ser um mar de rosas para os capitalistas europeus, e não só, pela mão-de-obra barata disponível, permitindo uma aceleração da acumulação de capital, conforme palavras de dirigentes alemães, foi sol de pouca dura. A União Europeia passou a pagar a diversos países do norte de África e Médio Oriente para não deixar passar refugiados e emigrantes com destino à Europa. Campos de refugiados foram montados, barcos são afundados no mar Mediterrâneo, pessoas são executadas no deserto. Poucas notícias chegam.

António Avelãs Nunes, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que este mês recebeu o Grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Valladolid, refere num dos seus trabalhos o seguinte: “Parafraseando Galileu, diremos que, no entanto, as pessoas movem-se: estudos da ONU estimam que cerca de 160 milhões de pessoas se desloquem do Sul para o Norte até 2025.” 

A tentativa de Trump de recuperar a indústria nos EUA, abandonada em favor do capital financeiro especulativo, criando barreiras alfandegárias nas importações de alguns materiais, está pôr em causa interesses de outros países que respondem na mesma bitola colocando em causa sectores económicos muito importantes dos próprios EUA.

São as contradições existentes no seio do próprio capitalismo que se evidenciam cada vez mais.

A lógica do sistema é a maximização do lucro. Ora quando isto não se verifica deixa de se verificar a acumulação contínua do capital. As consequências são diminuição de produção, destruição de capital, diminuição da utilização dos recursos disponíveis, dificuldades acrescidas para as populações e dores de cabeça para os governantes.

Crises anteriores trouxeram guerras. Presentemente ouvimos o rosnar de alguns falando abertamente na destruição de países, se não acatarem as suas orientações. Acontece que as condições actuais não são as mesmas de há uns trinta anos atrás. O poder mundial é multipolar.

A linguagem belicista usada entre Trump e Kim encobriu negociações que levaram a um encontro entre os dois. Trump não tem a vida fácil no seu país. Vai ter que afastar mais assessores se tiver tempo.

A mesma linguagem belicista está a ser usada agora entre Trump e o Irão. Entretanto Trump já se mostrou disponível para falar com o Irão sem condições. Mas os seus assessores já vieram apresentar condições. E o Irão já fez o mesmo. Será que vamos ser confrontados brevemente com novas negociações de Paz?

NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva



Conversamos sobre ela numa daquelas tardes em que as minhas palavras dialogavam com o teu silêncio, nesse tempo em que o meu amor por ti era ainda como a chama ardente do campo de marte, constante e eterna. Dizia-te então, do fascínio pelas cores vivas que apareciam nas suas pinturas, da dignidade que transpirava dos seus trabalhos, da sua vida e da sua coragem. Foi uma dessas mulheres que vêm para ficar na memória da humanidade e a inspiração criativa surge em altos-relevos nos seus quadros com o arco-íris ancestral do seu povo tão maltratado, tão explorado e violentado nos seus direitos. Viveu e amou com a intensidade luminosa que as suas mãos faziam nascer das tintas que misturava e saíam cheias de vida na viagem que o pincel que manejava percorria pela tela. Não precisou de ser digna, ela era a própria dignidade. Amou e desamou o homem que a cativou e seduziu, talvez com o gesto, ou com a palavra, quiçá com o sonho que estava então tão vivo na esperança de todos aqueles que perseguiam o futuro. Quando pensávamos que nada mais haveria para descobrir de tudo o que nos deixou, renasce pela fotografia, as que fez, criou e amputou. Nelas encontramos o seu país, com os seus autóctones tão esquecidos e silenciados, ela própria em toda a sua plenitude, nessa beleza esplêndida que vem da segurança que colocou no seu viver, na sua alegria e tristeza, no sofrimento, tanto da sua dor física como da que morava na sua alma, mas também no êxtase de poder viver como desejou. Está ali quase tudo a preto e branco, as cores que subtraíram a luz natural do mundo, mas que engradeceram o que colavam no papel após a cópia que se obtém da natureza. Entrei nas salas forradas pelas pedras seculares da antiga cadeia e expandi a observação pelas paredes, mas nem tudo parecia claro, algo ofuscava as imagens que procurava e só quando alcancei a frase que dizia, «para que preciso de pernas se tenho asas para voar»(1), compreendi que me tendo habituado a ver o mundo através da limpidez do teu olhar, tudo fica obscuro e bloqueado com a tua ausência. Recorri então à utopia do sonho, recuperei o teu olhar puro onde ardiam as chamas amantes da minha alma e obtive a nitidez das fotografias que se expunham e lá aparecia a clareza da vida e do amor, a presença desse amor que foi e regressou, que deixou lastro, deixou água revolta na sua passagem. Olhamos e penetramos com intensidade nos seus retratos nos momentos da sua vida que ali aparecem visíveis, projectados, vivos muito para além da presença física da sua autora. Embrenhado na vivência que ia recriando para meu consolo, perdi-me na saída, fiquei vagabundeando entre uma parede e outra, com rumo indefinido como quando o teu olhar me deixou nesse dia em que os cometas perderam a orientação e caíram de uma só vez no rio do esquecimento. Ficou sempre uma luz latente, ao fundo, umas vezes longe, outras nem tanto, e assim encontrei o corredor de saída para a praça que se abre sem limites, enquanto lá dentro, as fotografias, continuam a falar da vida, da felicidade de viver, da beleza e da arte, símbolos tão preciosos de uma existência interior plena, entre o sonho e a realidade. 

(1) – Frida Kahlo, as suas fotografias, em exposição no Centro Português de Fotografia, Largo Amor de Perdição, Porto

Quando a ausência dramatizou tudo em volta, decidi esquecer e guardar o passado na arca do tempo onde repousa tudo o que já não podemos viver. Mas as sombras escuras da noite enchem tudo de recordações como fantasmas vivos recriando as ruínas em construções esplendorosas. Levantava-me e percorria então as áleas de um jardim palaciano rodeadas de flores em botão com as cores divinas com que os teus olhos semearam a terra por onde passavas e das tuas mãos saíam os gestos que lhes frutificavam a raiz e as tornavam nos símbolos de beleza que me orientavam os dias. Mas o sonho terminava sempre quando nascia o brilho da alva que acende a vida. Os duendes que me guiavam entre as trevas da noite, adormeciam, os canteiros enchiam-se de ervas esquecidas e bravias. Nascia o dia e eu morria.

O Estado de Israel decretou que os judeus são uma raça pura, excluindo da sua cidadania todo aquele que não seja judeu, quer seja, árabe muçulmano ou árabe cristão, pouco importa. O regime nazi também decretara que os arianos eram a raça pura que importava preservar. Afinal a diferença entre os carrascos e as vítimas era pequena, dependia só de quem exerce o poder. Ontem, os nazis, hoje os judeus. Das grandes democracias excelsas defensoras dos direitos humanos, sobre este assunto, apenas se ouve um silêncio tumular.                 
  



FILANTROPIA

António Mesquita



"O evergetismo não é redistribuição social, compensação política, consequência das rivalidades políticas ou sociais, mas contra-efeito de uma dinâmica de grupo para funções politicamente não decisivas."
(Paul Marie Veyne)

O que é o evergetismo? Veyne resume-o assim: 'são os dons do indivíduo à colectividade, o mecenato em relação à cidade". "Veyne diz, com efeito, que o evergetismo dos notáveis das cidades gregas pode resultar de três motivos: 'Eles dão por piedade, para receberem honras, ou por se interessarem por uma causa' e nomeadamente por patriotismo."( J. Andreau, P. Schmitt, A. Schnapp, "La méthode de P. Veyne")

E segundo a Wikipedia: " Embora o termo evergetismo seja hoje praticamente desconhecido, o fenómeno está claramente presente e difundido na época contemporânea, como evidenciado pelas doações maciças para o público através da criação de fundações, voluntariado, filantropia etc. Parece inegável que o grande centro do evergetismo contemporâneo é, novamente, o centro do poder "imperial": os E.U.A. são na verdade o estado em que, por razões relacionadas com a ética calvinista, a tendência para o evergetismo é mais generalizada e pronunciada.

Há um evergetismo-fenómeno relacionado com os novos mídia. O mais óbvio é talvez o conceito de fonte aberta, que envolve a transferência de trabalho e tempo livre em benefício da comunidade. A Wikipédia, neste sentido, pode ser definida como um fenómeno evergetico."

António Champalimaud, que teve o perfil que teve nos negócios, e hoje é cada vez mais lembrado pela sua Fundação, foi um evergeta? Os novos bilionários da tecnologia parece não serem imunes a essa 'piedade' humanitária, à glória póstuma do seu nome, ou até ao favorecimento das grandes causas. O evergetismo não é um exclusivo da Antiguidade Clássica ou do período helenístico. Mas talvez seja mais difícil, hoje, atribuír-lhe o putativo desinteresse de outros tempos. A fuga aos impostos mancha indelevelmente todos esses gestos de magnificência.

Mas, para não sucumbirmos tão facilmente à misantropia, reconheçamos  que na própria continuidade, ao longo da história,  do fenómeno evergetista haverá, talvez, para além da sincera ou insincera invocação do amor a Deus ou à humanidade, um misto de miséria humana e de ambígua generosidade que se encontra em todo o filantropista, verdadeiro ou falso.

MIGRAÇÕES

Mário Martins

https://www.google.com/search?q=migra

Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países”
 Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948

Não há muros altos o suficiente para conter pessoas com fome”

Barack Obama, Porto, Julho2018


Se é difícil passar ao lado deste flagelo que fissura a Europa e faz do Mediterrâneo um cemitério, e fácil condenar os países que reforçaram a fechadura da porta, esta fuga em massa - seja por razões de pobreza, de guerra, de severidade climática, ou de perseguição religiosa ou política - agudiza a tensão entre as concepções de humanidade e multiculturalismo, de um lado, e as de nação e cultura, do outro. Entretanto, se perguntássemos por que razão a maciça emigração portuguesa foi bem integrada pelos países de acolhimento, certamente que a resposta não podería menosprezar a pertença ao mesmo espaço civilizacional e o respeito pelas regras das novas sociedades, sem esquecer, naturalmente, o interesse económico subjacente. Para lá da nefasta influência do xenofobismo político, não é difícil prever que as sociedades europeias não aceitarão pacificamente que o seu cimento cultural, o seu modo de vida, as regras políticas em que assentam, sejam postos em causa. A “emigração” de capital produtivo, através de canais a salvo de elites corruptas, para os países de origem do caudal migratório actual, e a recusa de aventureirismos bélicos, poderiam ser o inicio de uma solução.
   

View My Stats