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01/10/08

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CONHECER E COMPREENDER

Mário Martins


“A filosofia é emocionante porque é a mais ampla de todas as disciplinas, explorando os conceitos básicos que atravessam todo o nosso discurso e pensamento sobre qualquer tema. Mas a filosofia também é frustrante porque, ao contrário das disciplinas científicas ou históricas, não oferece nova informação sobre a natureza ou a sociedade. A filosofia não procura proporcionar conhecimento, mas compreensão.”
Anthony Kenny
In História Concisa da Filosofia Ocidental *


Retomo o registo mais formal e a afirmação que fiz em artigo anterior (A Hipótese Deus - Periscópio de Junho passado) de que a questão da existência de Deus não é propriamente uma questão científica, mas antes uma questão racional, como tal aberta aos dados científicos.
Não porque pretenda, no presente artigo, ir mais além na apreciação do mistério do mundo, mas porque é um bom exemplo para ilustrar, por um lado, a distinção entre conhecer e compreender e, por outro, o facto de, muitas vezes, não se tirarem as devidas consequências das afirmações produzidas.
Resumidamente, o conhecimento científico que hoje temos indica-nos que o universo tem idade (cerca de 13.700 milhões de anos), mas existe uma corrente da física teórica que, não pondo em causa a idade, defende a existência de mais dimensões além das quatro que conhecemos e de um conjunto infinito de universos, o multiverso.
É preciso, agora, compreender isso de o universo ter idade ou de haver um número infinito de universos, e compreender é tirar consequências dessas afirmações científicas (a última apenas teórica e não estabelecida):


  • Se o universo tem idade e o significado clássico de “tudo o que existe”, então precisa do sobrenatural para explicar o seu nascimento;
  • Se o universo tem idade mas o significado restrito (de acordo com a abordagem científica actual) de “nosso universo” ou “universo conhecido”, então deixa em aberto a questão de precisar ou não do sobrenatural para explicar o seu nascimento, conforme a conclusão (se for possível concluir…) venha a ser que é único ou que, pelo contrário, existe um número infinito de universos;
  • Nesta última hipótese, se o universo tem idade mas brotou de outro universo, numa sucessão infinita, então não precisa do sobrenatural para explicar o seu nascimento, detendo a natureza, nesse caso, a propriedade divina da eternidade;
  • Em suma, a natureza ou é finita e precisa de Deus, ou é eterna e confunde-se com Ele.

Como se vê, sendo embora a ciência, incontestavelmente, o modo mais seguro e profundo do conhecimento, ela não esgota a abordagem racional seja do que for, quer dizer, não dispensa, antes solicita o esforço de compreensão que é preciso fazer, não só, desde logo, do próprio processo científico e do contexto em que o mesmo é efectuado, como também das suas implicações, teóricas e práticas, fora dele.
Se estas consequências fazem sentido, não pode deixar de surpreender a raridade da sua abordagem. Julgo que este facto radica em duas razões de sinal contrário, a saber, por um lado a influência e o consolo das certezas religiosas assentes em pretensas verdades reveladas e, por outro lado, a crença, mais ou menos consciente, de que este é um assunto que, como qualquer outro, a ciência há-de vir a esclarecer um dia. A questão da existência de Deus, ou de saber por que existe tudo o que existe, seria, assim, um assunto de gosto pessoal, logo indiscutível, uma vez que, verdadeiramente, o mesmo só estaria ao alcance de teólogos e cientistas. As duas razões, como disse, têm sinal oposto (uma é da ordem do sagrado, a outra é do profano), mas ambas, a meu ver, produzem o resultado idêntico de convidarem a não pensar e questionar.
Como não aceito verdades “reveladas” ou dogmáticas apenas me deterei na crença, ou na ilusão, de que a ciência há-de esclarecer tudo, ou seja, que a ciência nos há-de dar, no futuro, as certezas milenares que a religião nos dá hoje.
Mas só no próximo número, para não maçar ninguém…

* Editorial Temas e Debates - 1999


O FILHO DO DANGER MAN

Mário Faria



Alguns ainda se recordarão de uma célebre série americana que passou na RTP, nos anos sessenta. Era uma série policial. A personagem (Danger Man) corria todos os riscos para apanhar os maus. Estava para ao bandidos, gangsters e afins como o Gary Cooper para os índios. Não escapava um.

Quando estive em Angola, a logística era “servida” por via terrestre por MVL : um comboio composto de camionetas apoiado por carros de combate que depositava nos diversos aquartelamentos todo o tipo de materiais e de alimentos secos ou embalados, enquanto por via aérea, em pequenos Cessnas, recebíamos os alimentos frescos.

Tínhamos direito a duas vagas no voo de retorno, que aproveitávamos, sempre que podíamos, para dar uma escapadela até Luanda.

Um dos pilotos mais conhecidos da companhia aérea que prestava esse tipo de serviços era o Danger Man. Viajar com ele era uma aventura. Gostava de mostrar as suas habilidades e sempre que podia não deixava de picar para observar movimentos de populações, manadas de elefantes, ou simplesmente passar uma tangente a uma qualquer árvore solitária, que vaidosamente o desafiava em cima de um morro mais ou menos despido de vegetação.

No último voo que fiz com ele, apanhámos um fortíssimo temporal. Recebemos a informação que o aeroporto de Luanda estava fechado, e o homem ia-me prevenindo para me preparar para uma aterragem forçada e o que devia fazer nessa circunstância. Acho que o Danger Man estava a medir a minha capacidade de resistência ao medo. Felizmente, que não durou muito o tempo em que tive de mostrar ser possuidor de sangue frio, porque recebemos a boa nova que o aeroporto de Luanda estava reaberto e que nos poderíamos fazer à pista com segurança. Como me senti aliviado, naquele momento.

Foi a última vez que fui seu companheiro de viagem. Saiu, e foi para a África do Sul, segundo me constou. Foi substituído por um outro piloto que era o seu contrário. Bastante mais jovem, muito sereno, nada dado a exibicionismos e muito calado. Passou a ser conhecido, entre nós, como o filho do Danger Man.

Regressava de uma operação, já tínhamos sido apanhados pelas viaturas na base de apoio que nos serviu de suporte e onde tínhamos deixado uma secção de reforço, quando o som de uma forte rajada de metralhadora rompeu o silêncio e a calma. Atirámo-nos todos para o “soalho”. Sabíamos que estávamos relativamente perto do quartel e, talvez por isso, ou talvez por alguma experiência adquirida, ninguém respondeu ao fogo. Ultrapassado o primeiro susto, verificámos que aparentemente estava tudo bem, e tratámos de ver o que se tinha passado. Depressa descobrimos : o atirador da Breda, o único que se manteve no seu lugar, viu uma jibóia gigante e, por sua livre iniciativa, resolveu atirar a matar, para ficar com uma recordação para mais tarde recordar. E não foi meigo, atirou uma salva tal que a metralhadora, ainda fumegava, quando nos aproximámos.

Foi um gesto irreflectido, uma leviandade imperdoável. Passado o susto, procurámos a jibóia, e houve quem tivesse aproveitado para tirar fotografias de recordação. Tínhamos uma grande recepção à nossa espera no aquartelamento e tivemos que explicar tudo direitinho.

O acto não teve piores consequências, porque nesse dia houve um acidente na pista. O trem de aterragem ficou danificado e o piloto ficou impedido de voltar a Luanda. O piloto era o filho do Danger Man. O rapaz ouviu o tiroteio e ficou em pulgas. O pessoal veio ter comigo e resolvemos, com alguma maldade, contar uma história “ligeiramente” diferente dos acontecimentos ocorridos. Foi assim : contamos-lhe que tínhamos sido atacados pelo grupo do Chinês Manuel (um guerrilheiro super famoso da UPA), mas que os tínhamos posto em debandada utilizando a nossa última manobra : o salto mortal com rajada. O nosso rápido contra-ataque pela forma, rapidez e poder de fogo confundiu-os atemorizou-os, ao ponto de fugirem quase sem reacção. Narrámos, ainda, que não tínhamos a certeza se tínhamos feito “baixas”no IN, mas que havia muito sangue na picada e na “entrada” do capim.

Fomos mauzinhos, mas era uma pequena vingança dos medos que nos provocavam quando viajávamos naqueles teco-tecos aéreos. O alvo não merecia. Ao jantar ainda comentávamos a façanha com novos pormenores que serviram para enriquecer a façanha. O filho do Danger Man se não estava aterrorizado, manifestava claros sinais de preocupação.

Por fim, lá lhe contamos parte da verdade. Cansado da operação fui-me deitar, mas sei que os meus camaradas ficaram com o piloto durante toda a noite por que o homem não conseguiu pregar olho. Não ficou zangado, e ganhámos um novo companheiro sempre que nos deslocávamos a Luanda.

Na última vez que jantei com ele, perguntou-me muito sério se essa história do mortal com rajada era prática habitual e se o fazíamos com frequência. Foi tudo brincadeira, disse-lhe. Não ficou muito convencido, e referiu que nunca mais esquecerá aquele dia de tiros, de temores, do avião aleijado na pista, da conversa, da nossa “leviana” boa disposição, na inesquecível luminosidade criada por uma lua cheia de felicidade e nas muitas estrelas cadentes que nos vieram visitar, o que o deslumbrou e jamais esquecerá como confessou, aquela noite, naquele aquartelamento em Quibala Norte (zona de Bessa Monteiro), vértice de um triângulo que formava com Nambuangongo e Nóqui, e que era conhecido pelo Triângulo da Morte.


Em Nambuangongo o tempo cabe num minuto
em Nambuangongo a gente lembra a gente esquece
em Nambuangongo olhei a morte e fiquei nu. Tu
não sabes mas eu digo-te: dói muito.
Em Nambuangongo há gente que apodrece.

(Manuel Alegre)


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OS HOLOCAUSTOS PRIVADOS

Alcino Silva

O Cerco de Leninegrado no Museu de História de S. Petersburgo



Um acaso da vida levou-me um dia até um cemitério da antiga Leninegrado, hoje S. Petersburgo. Um espaço imenso onde se encontram 900 sepulturas com mil mortos cada, resultantes do dramático e criminoso cerco à cidade pelas tropas nazis entre os anos de 1941 e 1943. O ambiente impressionava pelo silêncio apenas quebrado pela sereníssima música fúnebre que pairava sobre uma chama eterna e os braços estendidos da estátua representando a mãe-pátria devastada pela morte trágica dos seus filhos. Essa guerra sangrenta fez desaparecer aproximadamente 55 milhões de seres humanos da face da terra. Fuzilados, bombardeados, enforcados, gaseados, derretidos em ondas de calor, tudo valeu num processo de violência quase sem precedentes na caminhada da humanidade. Ao que se supõe aproximadamente 20% desses mortos, pereceram nos campos de concentração e extermínio essencialmente na Europa, dos quais, talvez metade, eram cidadãos de diversos países e que professavam a religião judaica. Os restantes, eram eslavos, comunistas, opositores, prisioneiros de guerra e todos aqueles que a girândola enlouquecedora dos nazis lançava nesses campos da morte. Por razões não totalmente explicitadas até ao momento, mas que se vislumbram numa campanha anterior à guerra, talvez até dos fins do século XIX, lançou-se mão de uma propaganda que fez esquecer 50 milhões de mortos, elegendo-se 5 ou 6 milhões para falar de holocausto nazi. Para além de uma distorção da história e dos acontecimentos é, sobretudo, uma grande falta de respeito para os outros 95% de seres humanos que morreram, pois quando a guerra mata, é quase indiferente a forma como se morre. Não se pode, em nome da ilusão mística de uma Terra Prometida, erguer em monumento mundial uma parte dos mortos e fazer de conta que a esmagadora maioria eram seres humanos de segunda e cuja morte é, digamos, até aceitável, compreensível. Quase que nos leva a pensar que os milhões de mortos que não professavam a religião judaica, não faziam parte da história, das nações, das comunidades onde estavam inseridos. Para estes não existiu nenhum holocausto, não foram imolados, ninguém lhes presta homenagem, ninguém se lembra deles, ninguém se horroriza. Apenas existiu um holocausto nazi, privado, particular e que atingiu os indivíduos de religião judaica. Aparentemente, ao longo destes 60 anos todos vimos alimentando esse silêncio em redor dessa imensa mortandade, sustentando essa falsa verdade de que os mortos verdadeiros foram aqueles 5 ou 6 milhões especiais. E para que esta espécie de farsa se complete, serão os sobreviventes desse holocausto particular, os seus filhos e os seus apoiantes, gente de nacionalidade diversa que em nome de um pretenso sonho milenar se instalam em pleno Médio Oriente em terra palestiniana e após a expulsão de 4 milhões dos seus habitantes vem instaurando o maior campo de concentração do mundo onde procedem a uma das maiores mortandades do nosso tempo, desrespeitando qualquer lei internacional e cometendo atrocidades sem limite. Para que a farsa se complete, todos os anos recordam…., o seu holocausto privado! Assim vem sendo desde 1948 com a complacência do mundo, com os nossos silêncios, com as nossas omissões. As mesmas que deixam os seus padrinhos à solta pelo planeta nas suas guerras particulares e criminosas numa espiral de violência e de mortandade que não deveria deixar de nos impressionar. Naturalmente que os proprietários destes holocaustos privados são democratas, pluralistas e os seus Estados realizam eleições, pelo que ficam desculpados das Guantanamos, Abu Graib, prisões secretas e clandestinas noutros países democráticos da Europa ou totalitários de outros continentes que funcionam como subcontratados da tortura. Em nome da nossa liberdadezinha privada, particular, muito nossa, do nosso estatuzinho, do nosso modesto mas sossegado conforto, vamos fechando os olhos, pelo menos, como escrevia Brecht, enquanto estiverem na casa ao lado. Movemos até um pouco para baixo o botão da televisão para a possibilidade de nos poderem ouvir e pensarem que vive aqui alguém. Olho para mim e pergunto: até quando? Até nos baterem à porta?


O MUNDO NO SHOPPING CENTER

António Mesquita
http://www.grunbauer.nl/afbeeldingen/Sloterdijk02.jpg



"Na realidade, no mundo pós-histórico, tudo deve ser orientado para o futuro porque neste é que reside a única promessa que devemos absolutamente fazer a uma associação de consumidores: o conforto não parará de fluir e de crescer."

"Palácio de Cristal" (Peter Sloterdijk)



Se não fosse certeiro, a este juízo sobre o pós-histórico, quase apetecia aplicar-lhe a verdade de La Palisse de que não se aprecia suficientemente a paz quando não nos atormenta a guerra.

Mas esse juízo é também propício ao discurso moralista que, a pretexto de se preocupar com o que tão clamorosamente escapa ainda ao chamado pós-histórico e parece confirmar constatações com mais de um século de existência, desvia o olhar das tendências que ameaçam tornar este mundo irreconhecível.

Certeira é, igualmente, esta ideia duma metástase do consumismo (outra das tendências com largo futuro no país que foi o de Mao Tsé Tung) na própria base do sistema social, o grau zero da política como associação de consumidores.

Estamos, talvez, mais conscientes do que nunca dos lugares vazios outrora ocupados pelos grandes referentes, pelas entidades maiúsculas.

O filósofo diz que "o mal moderno é a negatividade desempregada". Tudo o que é contra o homem ou contra a vida não decorre de princípio nenhum, metafísico ou não, mas parece-se com um lance de dados, só absurdo porque precisamos de lhe encontrar um sentido.

Os deuses sempre foram caprichosos, isso é sabido. Mas só nos respectivos domínios. Quanto ao essencial, obedeciam ao pai dos deuses, e este à Necessidade.

Se há um novo paganismo, a cidade dos deuses parece-se com a fratria parricida de Freud, mas sem a mínima ideia de culpa.

A nova importância do futuro decorre desta desvalorização da memória. O passado não diz nada a quem não tem uma promessa por cumprir, um sonho traído ou um crime para expiar. Enfim, tudo o que caracteriza a ideia do sujeito (judaico ou não) , que se mede sempre pelo que já foi. É esse sujeito que pode fundar a política no espaço público. Não a mónada das comunicações de massa.

A ideia platónica do Bem fez assim uma translação para fora da alma, e de transcendente passou a objectivo mundano, coisa entre coisas, convenientemente afastada à medida que dela nos aproximamos.


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REPERCUSSÕES DUMA CRISE

Manuel Joaquim

http://mwiner.files.wordpress.com/2008/01/subprime.jpg


Nestes últimos meses os meios de comunicação têm dito e publicado muita coisa sobre a crise financeira que as economias de vários países estão a sofrer. As notícias e os comentários que as acompanham referem-se fundamentalmente sobre a situação da banca dos EUA, resultante do chamado “subprime”, e, também, sobre bancos em dificuldades na Inglaterra, na França, na Dinamarca e na Alemanha que já passaram ao esquecimento da maioria das pessoas.

Notícias sobre as ladroagens, mentiras e falsificações contabilísticas e outras efectuadas nas empresas pelos seus responsáveis com as conivências dos respectivos órgãos de fiscalização, das empresas de auditoria e das entidades reguladoras e supervisoras praticamente não existem nos meios de comunicação.

Notícias sobre os trabalhadores despedidos em consequência dos processos de falência e de fusão e sobre a sua situação também não existem nos meios de comunicação.

Os milhares de trabalhadores que têm sido lançados no desemprego não são só trabalhadores do sector financeiro, mas também da industria, do comércio e outros serviços, pois a crise não é só financeira mas também económica, social e política.

Os nossos governantes, banqueiros e fazedores de opinião, através das televisões, dos jornais e das rádios, declararam durante muito tempo que a nossa economia estava a crescer e a consolidar-se e que as nossas instituições financeiras (bancos) eram sólidas, e que existiam entidades de supervisão que estavam atentas.

Entretanto os problemas aprofundaram-se tão rapidamente que os tais fazedores e manipuladores de opinião não têm vergonha de darem o dito pelo não dito, tentando vender com aparente naturalidade opiniões, nas quais eles próprios já não acreditam.

Curioso é que a actividade seguradora, aparentemente, passou ao lado destas notícias todas até à falência da maior seguradora do mundo, a AIG, que teve repercussões directas em Portugal. Na verdade, os portugueses investiram nesta seguradora mais de sessenta milhões de euros, não considerando os fundos nacionais que investiram em acções da mesma. É uma situação preocupante, apesar do ISP ter garantido a recuperação dos investimentos efectuados.

Fora isto, o sector de seguros passou novamente ao esquecimento. Mas deve merecer toda a nossa atenção.

Segundo Ruy de Carvalho, no texto “Seguros: que poder?”, pag. 232, da obra “ Ciência e Cidadania – Homenagem a Bento de Jesus Caraça”, publicada pela Imprensa de Ciências Sociais, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, o sector de seguros « tem um poder económico e financeiro relevante, visto que o sistema segurador é o maior investidor institucional , dentro da área da OCDE. Não se esqueça que, directa ou indirectamente, o seguro intervém fortemente na gestão dos fundos de pensões, cuja importância cresceu significativamente com o aparecimento das soluções da previdência privada.

O seguro tem, portanto, o poder que lhe confere a sua posição nos mercados financeiros. No caso português, a carteira total de investimentos do sector segurador elevava-se a 4,5 mil milhões de contos, no fim do exercício de 2000. Tem ainda o poder próprio de um prestador de serviços específicos à comunidade, destacando-se a sua contribuição para a estabilidade económica e emocional dos demais sectores de actividade e dos clientes individuais».

Sabendo-se que historicamente a exploração técnica da actividade seguradora é tendencialmente deficitária, quer dizer que os resultados das seguradoras são obtidos fundamentalmente das suas aplicações financeiras.

Será que os balanços das seguradoras vão reflectir nos respectivos mapas de investimento a realidade das cotações dos mercados nacional e internacional ou os valores de cotação vão ajustar-se aos respectivos valores de balanço? Perante o fenómeno da globalização e da liberdade de circulação de capitais, que responsabilidades têm os organismos de supervisão e de fiscalização e os gestores nacionais na organização e nas políticas de investimento de seguradoras multinacionais?

A contabilidade chamada criativa existe há muitos anos na actividade seguradora para apresentação de resultados, ora positivos, ora negativos. Estes serviam para justificar o aumento dos prémios dos seguros. Aqueles para a distribuição dos dividendos engrossados com os aumentos dos prémios. Antes do 25 de Abril era uma situação generalizada. Com as nacionalizações essas práticas foram interrompidas. Hoje, os gestores não têm nada a aprender com os gestores das grandes empresas que surpreendentemente faliram. As pressões que sofrem para a apresentação de resultados para permitir a remuneração dos capitais segundo rácios estabelecidos e para cumprirem objectivos de crescimento sob pena de não receberem chorudas gratificações, são grandes estímulos para a sua criatividade, levando-os a não cumprirem normas legais, não anulando contratos anulados, não anulando recibos de contratos anulados, não emitindo estornos, alterando provisões de sinistros, vendendo a terceiros créditos incobráveis que serão diluídos em exercícios posteriores, o branqueamento das contas correntes de resseguradores, não contabilizando nos respectivos exercícios grandes sinistros, compra de bens do imobilizado paga com produtos financeiros para aumentar os valores das vendas a resgatar em exercícios seguintes. O património imobiliário, que constitui uma parte ainda significativa das reservas obrigatórias, na sua generalidade, está ao abandono, contribuindo para o envelhecimento dos centros das grandes cidades, principalmente de Lisboa e do Porto, Não há restauros nem reparações nem investimentos, pois os cabedais são poucos e todos necessários para pagar dividendos aos accionistas, e prémios aos gestores. São milhões de euros que todos os anos saem para o estrangeiro, desta forma. Portugal é, assim, espoliado das suas riquezas, condenando-se ao empobrecimento e abandono.

Fala-se na necessidade de aumentar os mecanismos de regulação e fiscalização. A legislação existente é mais do que suficiente para acompanhar de muito perto a vida das empresas. O problema é a falta de vontade política de aplicar a legislação vigente. Toda a gente sabe que os lugares dos órgãos de fiscalização são preenchidos quase sempre por pessoas sem competência, sem preparação e sem independência perante o real poder na empresa. As empresas de auditoria, tal como aquelas que tinham essas funções nas empresas que faliram nos EUA e na Itália, pretendem continuar a facturar pelo que não têm a necessária isenção e às vezes competência em virtude de muito do seu trabalho ser efectuado por estagiários sem experiência. As Comissões de Trabalhadores que pela Constituição da República Portuguesa têm competências de acompanhamento e de fiscalização são relegadas e desrespeitadas, quando deveriam ter uma papel fundamental

Algumas seguradoras estão fragilizadas, prontas a serem vendidas.

A grave crise económica-financeira, social e política que o mundo está a viver vai provocar grandes transformações mundiais. Será que muito brevemente vamos assistir a grandes transformações no sector de seguros, tanto a nível nacional com a nível internacional com reflexos em Portugal?


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