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06/08/14

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DEPOIS DOS CHIMPANZÉS

Mário Martins

"Descendentes dos macacos! Meu amigo, esperemos que não seja verdade, mas se for, resta-nos rezar para que nunca venha a ser do conhecimento público."

Comentário atribuído à mulher do bispo de Worcester, quando lhe explicaram a teoria da evolução, de Darwin. *


Por convenção transcultural, na medida em que, como a língua inglesa, atravessa todas as culturas, mas realmente a bem da facilidade comunicacional e da normalização informática, assumimos, correntemente, que estamos no ano 2014, a que juntamos, nos momentos de maior rigor, a abreviatura DC. Estas duas iniciais significam Depois de Cristo, mas a verdade é que, se nos levantarmos das nossas camas culturais e sairmos das convenções, a Humanidade não efectuou, à boleia da Terra, apenas 2014 revoluções em volta do Sol, nem 5700 e tal se a convenção assentasse numa tradição mais antiga, como a judaica, ou 1444, se assentasse numa tradição mais recente, como a muçulmana. Com o devido respeito, a abreviatura DC poderia antes significar Depois dos Chimpanzés, porque é deles que descendemos, há milhões de anos, embora, nesse caso, o seu uso perdesse qualquer utilidade uma vez que abrangeria todo o tempo da existência humana e não apenas uma parcela convencional de tempo.

Sabemos, com efeito, que a linhagem dos primatas, à qual pertencemos, surgiu há cerca de 65 milhões de anos; que durante os primeiros 99,9… por cento da nossa história enquanto organismos estivemos sempre na mesma linha ancestral dos chimpanzés, com os quais compartilhamos 98 a 99,4% de ADN; que há cerca de 7 milhões de anos surgiu das florestas tropicais de África uma nova espécie hominídea, os australopitecos, capazes de caminharem erectos, mas cujo cérebro não cresceu, e não há quaisquer indícios de terem sequer usado as mais simples ferramentas; que os australopitecos dominaram durante 5 milhões de anos, para desaparecerem há mais de 1 milhão de anos, depois de coexistirem com o Homo, linha da qual descendemos, mais de 1 milhão de anos; que há entre 3 e 2 milhões de anos havia seis tipos de hominídeos, entre eles o Homo, que emergiu há 2 milhões de anos; que diversas espécies de Homo evoluíram e extinguiram-se, como o Homo erectus, que habitou a Ásia, o Homoneanderthalensis Ásia, que habitou a Europa, ou o Homo sapiens arcaico, que evoluiu entre 400.000 e 250.000 anos atrás. Para alguns cientistas, o Homo erectus, que tinha o corpo de um humano adulto, mas o cérebro de um bébé, e viveu num período situado entre 1,8 milhões de anos atrás até há apenas 20 mil anos, é a linha divisória: tudo o que surgiu antes dele tinha carácter macacóide; a partir daí tudo se tornou humanóide; o Homo erectus foi o primeiro a caçar, o primeiro a usar o fogo, o primeiro a fabricar ferramentas complexas, o primeiro a deixar vestígios de acampamentos, o primeiro a tomar conta dos fracos e dos doentes.

Não sabemos por que os cérebros dos hominídeos começaram de repente a crescer há dois milhões de anos; não sabemos quase nada do Homo habilis, de que descende o Homo sapiens.

O que é certo é que há bastante mais de um milhão de anos houve alguns seres erectos novos e relativamente modernos que saíram de África e ousadamente se espalharam por grande parte do globo. Aqui termina o consenso. O que aconteceu a seguir na história do desenvolvimento humano é tema para longos e rancorosos debates.

*Citado por Bill Bryson, in Breve Historia de Quase Tudo, da Quetzal Editores.

O texto em itálico é transcrito ou baseado nesta obra. Alguns dados foram recolhidos da Wikipédia..

 

 

 

 

 

ESTES HOMENS SÃO PERIGOSOS!

Mário Faria

 

O BES vai apresentar um prejuízo de 3,6 mil milhões de €uros, no primeiro semestre. Ao que dizem, o naufrágio resultou da exposição do banco relativamente à dívida do grupo não financeiro. Ricardo Salgado era reconhecido e admirado, pela inteligência, capacidade, argúcia e audácia. Conhecia o negócio como poucos. Um banqueiro na melhor linha da aristocracia financeira mundial. (Dis)punha dos governos segundo a sua conveniência, sempre muito próxima dos superiores interesses da Nação. Despediu Sócrates com a mesma elegância como o apoiou no seu primeiro mandato. A Família administrou todos os activos de forma dinâmica, possuindo uma presença sólida em empresas com forte reputação, distribuídas por esse mundo fora, conforme se lê num relatório recente. Com tão boa gente e tanta competência, percebe-se mal como a Família pôde chegar a esta desgraça de que se conhece a ponta do iceberg, para já. Os poderes tentam abafar o descalabro. Percebe-se: os efeitos da tragédia passaram as fronteiras e os mercados ainda não decidiram entre salvar a coisa ou levar até às últimas consequências a morte da besta, salvando pelo caminho o quevaler a pena ser resgatado. O Governo tem fundos financeiros para recapitalizar o BES, mas a decisão virá de cima e de fora, e não é de excluir uma solução do tipo utilizado no Chipre. E estes homens são perigosos.

Com o BPN, Vítor Constâncio foi julgado como culpado por parte da opinião publicada,porque não exerceu o seu poder de regulador de forma competente. E provavelmente não o fez. Aliás, esta culpabilização serviu de instrumento para branquear os crimes cometidos pelos responsáveis do banco. E deu muito jeito à direita. José Oliveira e Costa é um reu sem culpa: o tempo amaciou a desgraça, está velho, cansado e doente. E sofre, coitado. A justiça não é cega e pode esperar. Entretanto, o sentenciado Vítor Constância espia as culpas no Banco Central Europeu na condição de vice-presidente. Coitado!

Carlos Costa (CC) exerceu a função de director geral do Millenium BCP entre 2000 e2003 e saiu, limpinho, limpinho, como reza a história. Entre 1993 e o final de 1999, foi Chefe de Gabinete do Comissário Europeu Prof. João de Deus Pinheiro. Pelas provas dadas, merece a total confiança dos que nos governam e a sua acção como regulador é tida como exemplar na supervisão bancária em geral e nas auditorias que o BP efectuou no BES, sob o seu comando; transformou os indícios bufados em provas sustentadas dos crimes cometidos contra o bom nome do banco e o seu património e tornou-se um herói. Mas não ficou por aí: deu um aval de confiança, garantindo que,apesar da maleita, o BES iria sobreviver e sair revigorado com os cuidados intensivos a que iria ser sujeito. Como sou do contra, quanto mais CC me tenta convencer que a situação é grave mas está controlada, mais preocupado fico. Intuo que fechou os olhos a muitas pistas que circulavam sobre a sanidade do BES, há muito tempo. Este tipo de homens nasceram para ser opacos e sempre estiveram próximos dos poderosos. Pensam e agem como eles, salvo quando caem em desgraça. Em CC, tudo soa a falso. Recebe elogios a torto e á direita. Estes homens são perigosos.

Carlos Costa e Durão Barroso, tão diferentes e tão iguais. Um curriculum vastíssimo e tanta superficialidade armada em sabedoria. Durão Barrosos, mais gordo e aparvalhado que CC, afirmou a propósito do Acordo de Parceria que: "Vinte e seis mil milhões de euros é uma pipa de massa, este dinheiro deve ser bem aplicado, que se calem aqueles que dizem que a União Europeia não é solidária com Portugal e com os países da coesão, trata-se agora de aplicar bem esses fundos". Estes homens são perigosos. São oportunistas e obedientes executores.

PALIMPSESTO

António Mesquita

"Despolitizar completamente o espírito para o humanizar. (...)

Pôr as coisas em ordem em relação à morte, quer dizer, aceitá-la."

Esta é uma das últimas entradas nos 'Carnets' de Albert Camus. Alguns meses depois, em 4 de Janeiro de 1960, morre perto de Sens num desastre de automóvel, em que também faleceu o condutor, o seu editor e amigo Michel Gallimard.

Uma longa convivência com a tuberculose, os frequentes períodos de prostração física, não impediram uma obra literária original e um combate político que lhe grangeou alguns inimigos (na sua morte, benevolentes, como Sartre).

A politização do espírito, como ele diz, é contra a vocação do mesmo espírito. Nos antípodas do célebre aforismo de Terêncio, a politização não pode interessar-se por tudo o que é humano.

Há inteiras regiões do humano que se tornam invisíveis quando o grande jogo da política (mesmo quando não é a politiquice) se torna o nosso princípio de acção. Evidentemente que isso se aplica igualmente ao 'interesse' em geral que, a maior parte das vezes, faz parte de uma estratégia inconsciente de sobrevivência. Alguém disse que o animal que pensa é um animal doente.

A politização faz jus a outra afirmação de que a política é um afrodisíaco. É tudo isso, mas é sobretudo uma arte do esquecimento. É um palimpsesto. 'Escreve-se' sobre a questão das questões. A da frase com que Gauguin intitulou num dos seus mais famosos quadros pintados no Tahiti: "D'où Venons Nous / Que Sommes Nous / Où Allons Nous.". Frase, note-se, sem ponto de interrogação. Nesta pintura, o pintor tenta descrever o percurso da vida humana, que acaba na aceitação da sorte. É o pôr em dia as contas com a morte, que se lê no diário de Camus.

No quadro, a mulher que já saiu do centro é o palimpsesto revelado a si mesmo.

 

 

 

 

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