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01/12/17

CONCERTO DE NATAL

Manuel Joaquim

Órgão de Tubos da Igreja da Lapa, no Porto, comemora 20 anos


A situação internacional continua muito tensa, a miséria, a fome, a doença, vai-se alastrando, povos inteiros são escorraçados das suas terras, quase sempre cobiçadas pelas suas riquezas, mas, o mês de Dezembro, que agora começa, para quase todas as pessoas, é um período de harmonia, de paz, de fraternidade. É o mês do Natal, que é festejado em muitos lugares com concertos musicais, realizados por coros e orquestras. 

A cidade do Porto tem o privilégio de registar a realização de muitos concertos durante todo o ano mas, na quadra natalícia, a Igreja da Lapa realiza concertos de classe mundial, não só pelos programas mas também pelos músicos e cantores, quase sempre jovens portugueses.  

No próximo dia 14 vai realizar-se o Concerto de Natal, pelas 21H30, com um programa de alto nível, com musica de Handel; Bach; Mendelssohn-Bartholdy; Canção Tradicional de Natal e Adeste fideles, este atribuído a D. João IV, ambas com arranjos de David Willcocks. É uma oportunidade para ouvir Sara Braga Simões, Ângela Alves, Ana Calheiros, André Lacerda, Job Tomé, o Coro da Escola Superior de Educação, o Coro Polifónico da Lapa, Orquestra Sine Nomine, com a direcção geral de Filipe Veríssimo. É uma oportunidade para ouvir o Grande Órgão de Tubos da Igreja da Lapa, que já fez 22 anos, pesa 32 toneladas, tem 15 metros de altura, 10,5 metros de largura e cinco metros de profundidade, e tem uma história interessante, desde o nascimento da ideia de o obter até à sua inauguração, que foi um grande acontecimento na cidade.

O livrinho que conta a sua história, na abertura, tem a seguinte frase:

“O HOMEM TEM NECESSIDADE DA CULTURA E DA ARTE, COMO DE PÃO PARA A BOCA”




COREIA DO NORTE

Mário Faria







Fazia um périplo sobre a minha biblioteca pessoal, na busca de um tema para o Periscópio porque, por estas bandas, a seca de ideias é severa e grave. Foi de cócoras a folhear dezenas de documentos, que tomei conhecimento que “Trump reagiu ao novo míssil da Coreia dizendo que os EUA vão tomar conta do assunto. Kim Jong Un declarou por terminado o seu programa nuclear, garantindo que o míssil balístico disparado (o primeiro lançado desde Setembro) tem capacidade para atingir Washington”.

Divagava sob a Coreia e as ameaças nucleares que pairam no ar, quando me caiu no bornal um artigo do Público de 2003, com o título “Empresa de Rumsfeld vende reactor à Coreia do Norte”. Li, achei curioso e pronto a servir de tema para o mês de Dezembro. No meu entendimento, a preguiça valeu a pena e o que se segue faz parte do que foi noticiado naquele diário.

Donald Rumsfeld, secretário norte-americano da Defesa, era um dos directores de uma empresa que, há três anos, vendeu dois reactores nucleares de água leve à Coreia do Norte, noticiou o The GuardianO contrato foi assinado no âmbito de um acordo entre Washington e Pyongyang, numa altura em que o então presidente Bill Clinton defendia uma política de aproximação ao regime. Agora, pelo contrário, o governo americano não só inclui a Coreia num eixo do mal, como tem vindo a colocar a hipótese de mudar a liderança do país, invocando o desenvolvimento de armas de destruição maciça.

Entre 1990 e 2001, Rumsfeld fazia parte da direcção da ABB, com base em Zurique, quando este gigante da engenharia conseguiu ganhar um contrato de 200 milhões de dólares para conceber os dois reactores nucleares. O seu salário era então de 190 mil dólares anuais. Deixou o cargo para se juntar à actual Administração do Presidente George W Bush. 
O negócio dos reactores fazia parte de uma política de aproximação entre os dois países: os EUA comprometiam-se a construir os reactores de água leve e as autoridades coreanas suspendiam os seus reactores de água pesada, capazes de produzir plutónio enriquecido, com aplicações militares.

Rumsfeld, questionado sob o tema, afirmou que não se lembra de o negócio ter sido abordado pela direcção em nenhuma altura. Ao invés, membros da actual administração de Bush consideram que os interesses pessoais tiveram precedência sobre a política de não proliferação de armamento nuclear.

Já membro do Governo americano, Rumsfeld afirmou que o regime coreano é um regime terrorista à beira do colapso. E depois das ameaças de Pyongyang de que poderia reactivar o seu programa nuclear a qualquer momento, o chefe da defesa avisou que os EUA são capazes de combater duas guerras ao mesmo tempo: contra o Iraque e contra a Coreia do Norte.

14 anos depois, como estamos? Para além da mudança de actores que torna a situação ainda mais instável, e que teve como efeito, para já, a militarização do Japão, o que muito incomodará a China, o que perspectiva que este jogo de guerra ainda fica mais complicado. Porém, o perigo maior vem dos EUA: é de temer que a perda da sua influência no xadrez mundial a favor da China, possa empurrar Trump para uma deriva militar de consequências imprevisíveis. O mundo está perigoso. Como sempre.





NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva

(Baalbek)


Os dias apareciam idênticos no desenrolar dessa rotina que automatiza os gestos e encolhe o pensamento. O sol surgia tardio nessa fadiga que somava nas longas noites outonais e iluminava o espaço terreno nesse vagar de quem não tem pressa. Havia um ruído de muitas vozes, conversas trocadas, frases soltas, palavras que pouco diziam. Quase não se notou quando apareceste, uma presença que se deslocava rápida e sem ruído. Sentia-se a frescura do novo na tua passagem, silenciosa e invisível. A tua mão descia acompanhando a curvatura do corpo e deixava a chávena sobre a mesa. O gesto repetia-se a cada jornada. Um dia com a mão a descer veio também o teu olhar em viagem, breve é certo, mas suficiente para perceber uns olhos abertos plenos de curiosidade. E acrescentaste o olhar aos gestos diários. Ao teu corpo de linhas certas juntaste uns olhos irrequietos. Um momento curto, um breve instante, mas ficava um delírio de cores inundando a planície onde nascem os sonhos. Como a vida não é perfeita, um dia quebrou-se, o espelho mágico que reflectia o sol, o encanto que nascia à tua passagem. Não estavas mais, deixaste de estar, e os dias passaram. E este crepúsculo também não vieste, nesse entardecer em que as cores fantasiam a perfeição no horizonte universal. Digo-o porque não sei onde caminhas e vou escrevendo o futuro no presente porque há muitos crepúsculos que não voltas. Deixaste de caminhar para o sol e não procuras nas ondas do mar o afago de outrora. Está fria esta casa onde se abriga o meu pensamento. Está fria porque já não tem crepúsculos, o anoitecer tornou-se um momento sombrio e a multidão de cores que visitava o mar, encolheu-se na memória do tempo. Fecho a porta da minha alma para te esquecer e tanto necessitava dos teus braços para me proteger dos fantasmas nocturnos. Mas a porta não encerra. Procuro o obstáculo que a retém e encontro o teu sorriso, aquele sorriso aberto no esplendor dos dias onde ficaram os meus olhos perdidos em tantos infinitos, promessas de viagens incumpridas. Desisto e procuro refúgio no pequeno canto do quarto onde me procuravas com o ruído de uma festa. Sou agora apenas um náufrago e tu um veleiro flamejante. Uma ténue lembrança passeia-se por aí, esvoaça na minha memória, mas não levanta voo. Gostava tanto de voar contigo, mas não nasci com asas, era com as tuas que me perdia entre estrelas e planetas. Eras a minha Via Láctea. A minha casa continua fria neste Outono. Procuro encerrar a memória, soltar as amarras, voltar a sonhar. Quero regressar às quimeras, às miragens de um amor sem destino que me visite aos crepúsculos, mas deixaste tão fria esta casa! Não consigo deixar de seguir a tua viagem. Vou como se fosse descobrindo o mundo viajando clandestino nos teus olhos. Sinto a tua fadiga ao deixares Beirute. Não, a cidade ainda não tinha a divisão religiosa do presente, o colonialismo não marcara com o ferro em brasa a separação humana em nome dos deuses. É natural o cansaço, após tantos dias percorrendo o deserto, as montanhas rudes e escarpadas como dizes. A travessia do Monte Líbano com a sua aspereza, as suas neves invernais e o sol escaldante de verões que tingem o Mediterrâneo de um azul puríssimo, o vale de Baalbeck onde estacionou o exército sírio muitos anos depois da partida dos otomanos e dos colonizadores franceses. Aqui e ali, uma sombra de verde, crescem os cedros, os ciprestes e os juníperos. Por vezes, nessas manchas que se misturam com a terra amarela e sedenta corre um fio de água, mas o que ficou dessa beleza após a passagem dos caças dos judeus despejando labaredas de ódio e de vinganças? É na estrada de Alepo que o cansaço, não o desânimo, mas esse momento de abandono do corpo e da mente que nos deixa leves no correr do tempo, que te surge esse momento extraordinário de reflexão, de imobilização da memória para revisitando o passado o projectasses no futuro. A cidade milenar que conheceste já não existe. Alepo sucumbiu à miséria humana, à miserável presença dos que utilizam o nome de Deus para orgias de sangue e terror. Deixaram a sombra do medo a sobrevoar a terra dos alauitas. A cidade está exangue, tenta recuperar da tragédia, do sufoco do que viveu, mas não sente forças para tão épico esforço. Talvez tenha sobrevivido a cidadela, não me lembro, pois perante o horror até os meus olhos se encerraram tanto que deixei de ver. É nesse estertor da grande cidade síria que me detenho nas tuas palavras reflexivas. Não podias saber que ao visitares o futuro com o conhecimento do caminho percorrido, estavas a projectar o meu presente. “Na vida corrente, que com frequência se repete durante anos e ganha em estabilidade, tudo parece decerto mais sólido e mais duradouro; a consciência do ‘episódico’ perde-se; é mais fácil acreditar que cada dia contribui para se construir um futuro e esquece-se que esse futuro inelutavelmente terá fim um dia ou uma noite. Mas quem sabe o que, então, nesse momento, contará ainda? É o estado do mundo que nos proporciona uma consciência assim dos perigos, dos acasos e das restrições que intervêm no curso de uma vida breve. Sabemos que o mundo está na véspera de alterações inevitáveis e profundas, mas ignoramos como enfrentá-las. Por isso, experimentamos reconhecimento por cada episódio atravessado sem emboscadas e numa paz relativa.” Que palavras sábias, as tuas.

(“Inverno no Próximo Oriente, Annemarie Schwarzenbach, Relógio de Água, Março de 2017)

Ouço-te com aquele desplante que te conheço, a palrar para a televisão. Foram-te buscar para dizeres de tua justiça, e tu disseste, sim eu fiz a lei mas era para ser usada com bom-senso. Antes de prosseguir, tenho de confessar que nunca gostei de ti. Não sei bem porquê, não gosto e, pronto. Talvez pela tua cara de fuinha, não que a minha seja melhor, mas a dos outros arrepia-nos sempre mais, ou será por aqueles vidrinhos que desenham circunferências concêntricas que parecem rodar eternamente e lá no fundo, bem no meio, aparecem uns olhinhos de rato. Ou quiçá, seja porque o teu partido nunca conseguiu distinguir cultura de agricultura, ou tudo junto, sei lá. Por todas essas razões foi a ti que foram buscar quando foi necessário fazer da cultura um pequeno excremento do orçamento. E que bem desempenhaste o papel que te coube. Foi como uma missão ao reino da estupidez. Quando te pediram dinheiro, então concebeste aquela lei em que cada um podia procurá-lo, ao dinheiro, através de muitas iniciativas, comezainas, casamentos, enterros, festivais da canção, uma espécie de vale tudo desde que faça dinheiro. Mas cobardezinho como os teu olhinhos dizem que és, deixaste aquela porta traseira aberta para poderes fugir, o tal bom-senso no uso. Foi aí que entrou a isabelinha e como para ela o tal bom-sendo é um cacilheiro a atravessar o Tejo, lá fez o seu dinheirito numa grande comezaina, os mortos não estavam presentes, disse a isabelinha. Pela hora, deviam já estar deitados. É assim o teu país jorginho. Só me resta a esperança que durante algum tempo te dediques a outros afazeres, para que os mortos não tenham de te ouvir.   
  
  

MUDAR DE CORPO

Mário Martins




Iremos controlar a vida? Penso que sim. Todos sabemos como somos imperfeitos. Por que razão não nos tornaremos um pouco mais capazes de sobreviver? É o que faremos.”

James Watson

Co-autor do modelo de dupla hélice para o DNA

Não quero viver para sempre através das minhas obras. Quero viver para sempre não morrendo!”  
Woody Allen
Cineasta


A notícia apanhou-me desprevenido: 50 anos depois do primeiro transplante de coração, está agendado para este mês o primeiro transplante de cabeça. De quê!? Depois da operação, quem é quem? Na Internet mais de dois anos que se fala nisso: um neurocirurgião italiano, liderando uma equipa de 150 assistentes, propõe-se fazê-lo, talvez na China, a um candidato russo de 32 anos, com uma doença rara de progressiva atrofia muscular que já só lhe permite mover as mãos, a um custo proibitivo de 31 milhões de dólares!

Em rigor, não se tratará de um transplante de cabeça mas sim de um corpo. O procedimento será cortar a cabeça do candidato vivo e instalá-la no corpo, igualmente guilhotinado, do dador recém-morto. O leitor poderá consultar os detalhes técnicos na Internet.

Admitindo que, agora ou no futuro, esta operação venha a correr bem, o receptor vivo usará, sentirá, tocará, como seu, o corpo estranho de um cadáver. E o dador morto, terá gozado em vida a sensação de o seu corpo continuar, de algum modo, a existir depois de morto, agora subordinado a outro eu… 

Se este é um projecto aparentemente louco, o que dizer da visão do austríaco Hans Moravec, perito em robótica e inteligência artificial, que imagina (num futuro distante, quando formos capazes de manipular individualmente os neurónios) uma fusão biónica entre seres humanos e máquinas? O cérebro poderá ir sendo substituído, peça a peça, por uma massa mecânica de neurónios electrónicos. Depois de completo, o cérebro robô possuirá todas as recordações e padrões intelectuais da pessoa original, mas estará alojado num corpo mecânico de silício e aço, capaz de viver para sempre…*

Na sua obra inquietante mas profética, escrita em 1932, “Admirável Mundo Novo”, o escritor inglês Aldous Huxley descreve ficcionalmente uma época em que os líderes mundiais decidem estabelecer uma Utopia baseada na felicidade e na estabilidade, em vez de em conceitos que se revelaram instáveis e confusos por natureza, como democracia, liberdade e justiça. Ser infeliz é infringir a lei e a chave para este paraíso tornado obrigatório pelo Estado é a biotecnologia. As crianças são produzidas em massa em enormes fábricas de embriões e clonadas de modo a produzir um sistema de castas de seres humanos. A felicidade é assegurada por lavagens ao cérebro incessantes, por entorpecedores e pelo acesso ilimitado a drogas e sexo estupidificantes. Na década de 50, Huxley escreveu: “Situei o romance 600 anos depois do nosso tempo. Hoje em dia, parece bastante possível que o horror caia sobre nós num espaço de cem anos*

*In Visões, de Michio Kaku.

O PODER INDESEJÁVEL

António Mesquita


Tibério (42 a.C a 37 d.C)


“Desde o começo do principado, o Senado renunciou energicamente a governar; em vão Tibério pretendia consultá-lo sobre todas as coisas e até sobre o exército e a guerra, que eram prerrogativa sua: o Senado não acreditava nisso e tinha razão, porque Tibério, não menos dividido que ele, ‘detestava a lisonja, mas não receava menos o franco-falar’. Estas contradições reduziram o príncipe à neurastenia e o seu reino terminou num banho de sangue; houve conflito entre o Senado e o príncipe, não porque o Senado quisesse a sua parte do poder, mas porque não a queria.”

“Le pain et le Cirque”   (Paul Veyne)


Se renunciava a governar, o Senado esperava pelo menos que não lhe faltassem as honras devidas e que, entre o povo e os senadores, César  preferisse sempre a “sua família”.

Tibério, que sucedeu a Augusto, um verdadeiro “príncipe perfeito”, tinha tal como seu predecessor  veleidades republicanas, as quais não podiam ser levadas a sério pelos mais interessados. É ainda a história do “com o teu amo não jogues as peras”. Aos senadores bastava que o príncipe “tivesse tacto suficiente para não lhes fazer a duvidosa e temível honra de lhes pedir a sua opinião, e que fosse suficientemente bom príncipe para esperar as suas aclamações sem as exigir: elas não tardarão nunca.” (ibidem)

O Senado parecia assim um órgão supérfluo, um monumento vivo a lembrar os tempos idos das liberdades cívicas. Registavam as decisões do príncipe e punham o seu selo. Como as agências de rating conferiam o seu AAA aos gigantes falidos… É que o dinheiro também impõe a sua tirania.
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