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01/05/15

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CARTA A ANTOINE DE SAINT-ÉXUPERY



Estimado autor de O Principezinho

Retenho ainda na memória aquela clara manhã de Julho, o sol a aquecer as águas azuis do Mediterrâneo, ao longe as terras e os campos da Provença, os pântanos da Camargue. O pequeno F-5 voava quase adormecido sobre o mar. De súbito, naquele amanhecer silencioso, desce a alta velocidade e a sua história aparece-nos hoje tão semelhante à do pequeno príncipe no deserto, «Não gritou. Caiu devagar, como caem as árvores. Nem sequer fez barulho por causa da areia».   

Para a história ficaram os livros e no cimo de todos, como um príncipe, O Principezinho, que me vai acompanhando ao longo da vida e a cada leitura, ensinando, o gosto da amizade, da palavra, da beleza das coisas e dos gestos e também do amor, pois como poderíamos amar sem uma grande amizade? Com a sua frágil voz, vai nos mostrando, como os pequenos instantes, as simples atitudes, são o mais importante na nossa relação com os outros e com nós próprios. Como esquecer momentos deliciosos como a do astrónomo mal vestido a quem as pessoas crescidas não deram importância e como o aplaudiram quando disse as mesmas coisas mas agora bem vestido? Quantas dessas pessoas crescidas nos aparecem na vida, olhando-nos de soslaio por não trazermos gravata enquanto eles, elegantemente vestidos vão mergulhando na podridão e na imundície de valores e princípios eticamente intoleráveis! Guardei sempre como referência o desenho número 1 e tem sido através dele que distingo os meus amigos. Os restantes, os que preferem a normalidade à criatividade, podem ser boas pessoas mas certamente não seriam meus bons amigos. Como sabiamente nos ensina O Principezinho, prefiro falar-lhes apenas «de bridge, de golfe, de política e de gravatas» e eles ficam muito contentes por, como dizem, «conhecer um homem tão sensato». Mas um diálogo de rara beleza aparece quando o pequeno príncipe encontra a raposa e esta lhe diz que não pode brincar com ele porque ainda não foi cativada, e à pergunta sobre o que é cativar, responde que, «significa criar laços…». E acrescenta que se ele a cativar, a sua «vida passará a ser um dia de sol». Ele procurando amigos e ela desejando ser cativada e mostrando que «só se conhecem as coisas que se cativam», mas há muito que os seres humanos «já não têm tempo para conhecerem seja o que for» e só muito tardiamente se apercebem do que foram perdendo ao longo da vida, nomeadamente os amigos, pois com a sua pressa, o seu tempo todo preenchido, a sua cada vez maior incapacidade de poder espreitar um céu estrelado, já não sabem nem se deixam cativar. Simplesmente deixaram de se aperceber de si próprios, perdidos no espectáculo ou no circo da sua vida. Mas a conversa entre uma raposa conhecedora e um pequeno príncipe perdido, longe do seu planeta, uma espécie de Plutão despromovido, alcança momentos deliciosos quando lhe procura ensinar a cativar. «Tens de ter muita paciência» e vais aproximando-te aos poucos, olhando às escondidas, espreitando, mas acrescentando pormenores decisivos como, «tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos». Contudo, não podemos deixar de falar, e as palavras devem ser também uma forma de cativar, vamo-nos aproximando aos poucos, expressando umas ideias, cada dia mais claras e assim sucessivamente até nos cativarmos mutuamente. Mas como bem diz a raposa, não podemos anteciparmo-nos, não devemos chegar antes da hora certa. «Se vieres, por exemplo, às quatro horas da tarde, a partir das três já começo a estar feliz», mas se chegarmos a qualquer hora, tal como a raposa, o outro que nos aguardava, a pessoa que cativamos, nunca sabe a hora a que há-de vestir o seu coração. «Os rituais são necessários». E assim aprendeu o pequeno príncipe a cativar e a descobrir então que também ele tem cativa a rosa do seu pequeno planeta, pois foi ele que dela cuidou, alimentou e protegeu, daí ser diferente de todas as outras porque «ela é a minha rosa», termina dizendo. As palavras são uma «fonte de mal-entendidos» havia dito a raposa, pelo que devemos ler esta «minha» em relação à rosa, não como posse, mas como alguém que cativamos. Como diz o Júlio Machado Vaz, o amor deve ser o encontro de duas liberdades. Não nos devemos esquecer porém de que corremos «o risco de chorar um pouco, quando se é cativado por alguém…» e tal como o pequeno príncipe também um dia vi o pôr do sol quarenta e três vezes.

Meu estimado, Antoine de Saint-Exupéry, desde os castelos da infância aos voos sobre o deserto ou nos confins da Patagónia ou sobrevoando os Andes, a sua vida foi preenchida de experiências e vivências que certamente aparecem nas palavras do pequeno príncipe, exaltando a amizade, o amor, a convivência e incentivando-nos à contemplação dos universos estrelados que podemos encontrar nos outros se formos capazes de usar a paciência, se pudermos escutar a música que nos chega e nos envolve. A felicidade é saber aguardar quem nos cativou, quem nos agita e inquieta a alma, ensina-nos a raposa, vestindo-a para esse encontro, onde nos realizamos, onde nos encontramos. Como alguém escreveu, a felicidade não é um lugar mas o caminho para lá chegar.

Por aqui me despeço. Receba deste seu leitor as mais fraternas e amigas saudações.

Afonso Anes Penedo.
      

HOMENAGEM A VIRGÍNIA DE MOURA


Manuel Joaquim




HOMENAGEM A VIRGÍNIA DE MOURA NO 41º ANIVERSÁRIO DO 25 DE ABRIL


Virgínia Moura e Lobão Vital

A comissão organizadora na cidade do Porto das comemorações do 41º aniversário do 25 de Abril decidiu homenagear a resistência anti-fascista e uma das suas protagonistas, Virgínia de Moura, no ano do centenário do seu nascimento.

Na presença de alguns milhares de pessoas e antes do início do desfile, junto ao edifício da ex-Pide e do busto de Virgínia de Moura lá colocado em sua memória, Maria José Ribeiro,  da URAP, União dos Resistentes Anti-fascistas Portugueses, falou de improviso sobre as lutas contra o fascismo e pela liberdade com palavras muito simples mas cheias de emoção, contendo mensagens de confiança para o prosseguimento de luta para ser alcançada uma sociedade mais justa e  mais fraterna para que as pessoas sejam mais felizes. 

Uma jovem, Helena Barbosa, do núcleo do Porto, do CPPC, Conselho Português para a Paz e Cooperação, leu o poema “Do Lado do Coração”, da autoria do poeta e resistente anti-fascista, Papiniano Carlos, escrito em homenagem a Lobão Vital, companheiro de toda a vida de Virgínia de Moura.

Seguidamente, em nome da URAP, e em homenagem a Virgínia de Moura, discursou João Fonseca. Ao ouvir a sua intervenção, descrevendo a vida daquela Mulher que eu conheci antes do 25 de Abril, num encontro e convívio de jovens, numa casa no cimo da Afurada, onde descreveu uma viagem que tinha acabado de efectuar à União Soviética, pensei que seria importante dá-la a conhecer, pois Virgínia de Moura foi um exemplo de coerência, de verticalidade, de luta e de não renúncia a valores e a princípios que, para alguns, estão fora de moda. 

Com autorização do autor:

“ Amigos,

Estamos hoje aqui a comemorar os 41 anos da Revolução de Abril e a homenagear todos os Resistentes Anti-fascistas que já não estão entre nós, mas cuja vida e luta foram um precioso contributo para que a Revolução dos Cravos que acabou com o regime fascista tivesse lugar a 25 de Abril de 1974.

Entre os resistentes anti-fascistas que homenageamos, avulta o nome de Virgínia de Moura, também ela membro da URAP, União dos Resistentes Anti-fascistas Portugueses e que este ano várias organizações evocam o centenário do seu nascimento.

Razão pela qual se justifica um breve apontamento da vida de Virgínia de Moura em sua memória.

Virgínia de Moura nasceu em S. Martinho de Conde, em Guimarães, a 19 de Julho de 1915, mas sempre foi considerada uma mulher do Porto pois aqui viveu e lutou a maior parte da sua vida.

Aos dezasseis anos, no Liceu da Póvoa de Varzim já participava nas lutas e greves estudantis e aos 18, estudante universitária, pertenceu ao SVI (Socorro Vermelho Internacional) e filiou-se no PCP – Partido Comunista Português.

Virgínia Moura, frequentou a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, tendo sido uma das primeiras mulheres portuguesas a formar-se em engenharia civil.

De notar, porém, que nunca os seus projectos poderam ser assinados por si, pois eram todos reprovados pelas autoridades fascistas, dada a sua actividade política. Razão porque se viu obrigada a dar explicações de matemática e física, no seu pequeno escritório, na Praça do Município do Porto.

Em toda a sua vida foi uma incansável e determinada lutadora pela liberdade, a democracia e os direitos dos trabalhadores e do povo.

Com o companheiro da sua vida, o camarada Lobão Vital, que também hoje recordamos, Virgínia Moura esteve sempre presente nas pequenas e grandes batalhas políticas contra o fascismo e as ditaduras de Salazar e Franco.

Foi activamente solidária com os revolucionários espanhóis perseguidos pelo franquismo, durante a Guerra Civil de Espanha,  e em Portugal pertenceu desde o início ao MUNAF, ao MUD, ao MND, assim como às candidaturas da oposição democrática de Norton de Matos, Rui Luís Gomes, Arlindo Vicente e Humberto Delgado. Virgínia de  Moura esteve sempre presente nas lutas pela Paz, em defesa dos direitos e dignidade das Mulheres, etc..

Presa 16 vezes pela polícia política de Salazar, foi três vezes condenada nos tribunais plenários, foi torturada nas prisões fascistas. Agredida selvaticamente, algumas vezes, nas ruas, nunca desistiu ou recuou nas suas convicções e actividade política, continuando sempre ao lado do Povo e dos Trabalhadores nas suas lutas por melhores condições de vida, pelas liberdades e contra o fascismo.

Os Trabalhadores sempre a trataram com respeito e carinho principalmente as Mulheres da nossa cidade para quem Virgínia de Moura era a “Senhora Engenheira” e por quem, por exemplo, as vendedeiras do Bolhão atreveram-se a fazer uma greve, em Dezembro de 1949, e em manifestação exigiram publicamente a libertação de Virgínia de Moura, nessa altura presa por pertencer ao MND.

Virgínia de Moura desenvolveu também uma grande actividade intelectual, tendo colaborado em vários jornais e revistas do País, foi um dos fundadores da revista Sol Nascente, onde escreveu vários artigos sobre a situação da Mulher portuguesa, usando o pseudónimo de Maria Selma. Foi editora e conferencista com Maria Lamas, Teixeira de Pascoais, Maria Isabel Aboim Inglês e outros. Foi ela que em Abril de 1973 encerrou o III Congresso Republicano de Aveiro.

Virgínia de Moura teve uma actividade notável na Revolução de Abril, no desmantelamento do regime fascista, na consolidação do processo revolucionário, assim como no reforço da Aliança Povo-MFA. Recorde-se, por exemplo, que logo no dia 26 de Abril estava com o Povo à porta da Pide, exigindo a libertação dos presos políticos e a detenção dos pides, o que foi conseguido e anunciado daquela varanda, por ela e pelos militares do MFA.

Virgínia de Moura esteve sempre presente nos protestos e nas lutas contra os golpes contrarrevolucionários e contra as medidas anti-Abril impostas pelos governos reaccionários.

O seu percurso de vida e o seu prestígio são reconhecidos em boa parte do País, pelo Povo, pelos Trabalhadores e por algumas entidades públicas. Várias vezes condecorada. Foi distinguida pelo Presidente da República em 1985 com a Ordem da Liberdade. Nalgumas localidades do País, ruas e escolas têm o seu nome.

Virgínia de Moura faleceu a 19 de Abril de 1998 e o seu funeral constituiu uma grande manifestação de reconhecimento e apreço, pelo seu percurso de vida, pelo seu papel de lutadora, de democrata e anti-fascista.

Amigos,

Esta homenagem aos resistentes anti-fascistas e a evocação de Virgínia de Moura, cujas vidas e exemplos de luta hoje celebramos, não tem somente por objectivo recordar o passado, mas dá-lo a conhecer às novas gerações e alertá-las para a necessidade do prosseguimento das lutas, hoje noutra situação, é certo, mas sempre em defesa do Povo, dos direitos dos Trabalhadores, das liberdades e de Portugal: SIM! É NECESSÁRIO PROSSEGUIR A LUTA EM DEFESA DE ABRIL. É urgente unir todos os esforços e vontades no sentido de alterar o rumo desastroso para onde estão a conduzir o nosso País. É por todos conhecida e sentida a gravidade da situação em que, sobretudo nos últimos anos, as políticas de direita dos governos do PS; PSD e CDS, sozinhos ou coligados, com troikas ou sem troikas, empurraram o País para um desastre que põe em causa a situação de vida dos portugueses e do País, principalmente nos planos económico e social. É a vida cara e o aumento constante dos impostos; são os despedimentos e o desemprego; é o desmantelamento dos sistemas de saúde, de educação, da protecção das crianças e dos idosos, são as privatizações, o alastramento da miséria, as desigualdades no rendimento das populações, a corrupção sem limites, nem castigo, etc.

E, pasme-se é notícia recente que o PS, o PSD e o CDS querem criar uma nova censura prévia, aos órgãos de comunicação social, no que respeita à cobertura informativa dos próximos actos eleitorais.

Quer dizer que  está em causa tudo o que foi conquistado com a revolução dos cravos, ameaçando já as liberdades e a soberania nacional, tal é a dependência dos portugueses e do país, das políticas e das orientações da EU, do grande capital nacional e internacional e do imperialismo dos EUA.

E toda esta dependência tem o apoio obsessivo das forças políticas, agora apelidadas como “partidos do arco do poder”. É uma vergonha!

A situação em que nos encontramos começa já a ter pouco ou nada a ver com as esperanças criadas ao povo português pelas quais lutou com o MFA, na revolução de Abril, de um país livre, independente e soberano, de Paz e bem-estar do povo português.

Estes objectivos estão consagrados na Constituição mas o PR não a cumpre nem obriga os governos a cumprir.

Amigos, não permitamos que destruam a revolução dos cravos. É pois urgente inverter esta situação e há alternativas e que os exemplos de vida e de luta de Virgínia de Moura e de muitos outros resistentes democratas e patriotas que nos antecederam e hoje homenageamos, continuem a ser considerados um contributo para o reforço da nossa luta, contra todos aqueles que pretendem acabar com a memória da revolução de Abril e destruir as suas conquistas.

NÃO O CONSEGUIRÃO
VIVA O 25 DE ABRIL
A LUTA CONTINUA
25 DE ABRIL SEMPRE! FASCISMO NUNCA MAIS!!!”
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Dentro das homenagens a Virgínia de Moura está a decorrer,  desde de 18 de Abril até ao próximo dia 2 de Maio,  na Biblioteca Almeida Garrett, no Palácio de Cristal, uma exposição evocativa do centenário do seu nascimento.  

Porto, 30 de Abril de 2015

A ÚLTIMA PALAVRA

António Mesquita


Stendhal



"Em 1729, Jean Meslier, um pároco exemplar, morreu cansado da vida, deixando as suas magras posses aos seus paroquianos. Entre os seus papéis, estes descobriram o manuscrito da sua 'Mémoire', no qual declara que o Cristianismo é um embuste."

"The case for God" (Karen Armstrong)

A fé não renovada, a letra não insuflada pelo 'espírito vivo', valem ainda menos do que a vida 'exemplar' deste padre. Ora, isso é o que acontece à maioria de nós, pela simples força do hábito.

Pela mesma razão que não se aprende de uma vez por todas, mas é preciso sempre voltar ao momento único desse encontro da verdade com o nosso espírito, cientes de que o perderemos e o haveremos de trair uma e outra vez.

Meslier era um veículo da palavra, mas não acreditava nela. Num certo sentido, apagou-se, fez-se um simples instrumento. Alguma coisa haveria, porém, de tornar esta vida funcionária tão exemplar. E talvez fosse a vaidade. A vaidade de dizer melhor do que os que acreditavam, ou de enganar toda a gente.

Mas essa vaidade não poderia ser um segredo que só ele conhecia. Para ter a máxima eficácia 'póstuma', era preciso legar o manuscrito que tudo punha a descoberto.

E a verdade talvez seja ainda mais simples do que isso. Não estava ele 'cansado da vida', cansado da encenação diária que lhe garantia a sua posição?

Tudo isto me faz lembrar o perfeito cinismo com que naquele século os filhos-família seguiam a carreira eclesiástica, só com as honras em mira. Como o bispo de Stendhal, no princípio do "Vermelho e o Negro".

Meslier é filho do seu século e só se distinguiu por querer, depois de morto, pôr os pontos nos 'ii'. Quem questiona a fé do célebre Richelieu? No entanto, sabemos que 'não se pode servir a dois amos'.

EM VOLTA DO “SINOCOMUNISMO” (2)

Mário Martins


https://www.expressaopopular.com.br/livros/expressao-popular/
contribuicao-critica-da-economia-politica


Uma das razões porque a marxista Mylène Gaulard considera que a China é um país capitalista é a grande diminuição, nos últimos 35 anos, da participação do Estado no Produto Interno Bruto e na produção industrial. Deste ponto de vista, decerto que não poderá dizer o mesmo da Coreia do Norte. Mas como verá ela a relação dos trabalhadores com os meios de produção no vizinho do Império do Meio, lá onde existe a propriedade colectiva através do Estado dominado pelo Partido dos Trabalhadores da Coreia? Qual é, de facto, nestas relações de produção, a classe dominante? ou já não existem classes ou, pelo menos, luta de classes? E continuarão os marxistas de hoje a pensar, como Jean Elleinstein há 40 anos, que “o fenómeno estaliniano é um acidente do comunismo, e não um seu produto natural e, portanto, inevitável”? ou dão o devido valor à previsão da revolucionária polaco-alemã Rosa Luxemburgo, executada em 1919, da instauração pelo Partido Comunista de uma ditadura totalitária na Rússia?

Na célebre passagem do prefácio da sua obra “Contribuição para a Crítica da Economia Política”, de 1859, Marx defende que “Em certo estádio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se no seu entrave. Surge então uma época de revolução social (…)”. Cabe aqui dizer que, neste contexto, Marx analisa todos os modos de produção e não espera pelo fim do capitalismo para o criticar. Por que razão o marxismo actual apenas usa este axioma para criticar o capitalismo e não também as experiências socialistas do século XX? No entanto, é muito provável que a famosa burocracia socialista se tenha constituído num entrave ao desenvolvimento das forças produtivas e conduzido o sistema à ruína, hipótese que explicaria a abertura económica encetada pelo regime chinês.

Toda a experiência acumulada do mundo ensina que, por via de regra, a concentração do poder conduz fatalmente a abusos e a crimes, seja em que sistema ou regime for, mas como o marxismo é optimista quanto à natureza e à evolução humanas e determinista quanto à consciência social*, falha na análise da questão central do exercício do poder.

Mais do que denunciar que a China é, afinal, um país capitalista travestido de socialista/comunista, o que se exige a um marxismo fundamentado nos factos e que se reclama de um método científico de análise da realidade, é dizer-nos o que é que permanece válido na teoria face ao fracasso das experiências socialistas e às mutações do capitalismo. Em última análise precisamos de saber como é que o sistema chinês deveria ser, e os meios de lá chegar, para os centros de estudo marxistas de hoje o considerarem socialista ou comunista.

*O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência (Prefácio da Contribuição para a Crítica da Economia Política).


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