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01/04/20

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NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva



É uma história antiga. Nesse tempo ainda não tinhas chegado e se não a contei até hoje foi porque a memória sentia-se demasiado magoada, pelo drama e tragédia que guardava. Foram demasiados crimes ao longo daquela Primavera. Vinha de Alepo e pretendia embarcar em Latakia rumo a Chipre. Passara o Outono com os beduínos do deserto sírio e procurava um lugar de descanso. Mas um dia de atraso, impediu que a viagem seguisse o rumo programado.

Quis então o acaso que rumasse para Norte para alcançar a Europa através do planalto da Anatólia. Foi assim que quase no fim do Inverno alcancei a terra dos eslavos do sul. Nuvens cinzentas de guerra cobriam os céus, as ruas, os rios, as palavras, entrava pelas casas dentro e sentava-se à mesa com as pessoas. Ninguém podia ignorar que os ventos e os tambores soavam violência. Uma escumalha humana que se auto-intitulava, «comunidade internacional», salivava no desejo e vontade de fazer correr o sangue e destruir o que restava da antiga Jugoslávia. Alojei-me em Жарково, nos arredores da capital e fui vivendo aqueles dias, que sem ser de medo eram, sobretudo, de preocupação e grande ansiedade. A armadilha de mentiras estava a ser montada a cada dia que passava. Eram passos pensados e planeados para desencadear a força das armas, das bombas e dos mísseis. As acções das empresas de fabrico de armas subiam e a promessa de dividendos era auspiciosa. No início da Primavera quando as árvores iniciavam a floração, chegou o ultimato e no dia 24 de Março, todos espreitavam ansiosamente o céu. Os dias que se seguiram eram de notícias de mísseis, de bombas aéreas e marítimas. Um energúmeno que dava pelo nome de Jamie Shea, gabava-se diariamente das centenas de missões diárias dos aviões da NATO, sobre a Sérvia e o Montenegro. Chamava missões aos bombardeamentos e culpava os jugoslavos por não se renderem. A 4 de Abril, os bombardeios alcançaram Belgrado. Os civis morriam diariamente em cada um dos massacres de bombas despejados sobre a terra eslava. No dia 12, foi atingido um comboio em   Grdelica quando atravessava uma ponte, morrendo dezenas de passageiros; a 14 um outro bombardeamento alcança uma coluna de refugiados e a 21 bombardeiam um campo dos mesmos. A 23 de Abril é atingido por mísseis o edifício da Televisão Sérvia vindo a falecer 13 jornalistas. Hospitais, autocarros, refinarias, estruturas institucionais, cidades sem qualquer objectivo militar, tudo servia de alvo aos heróis da NATO. Quando 78 dias depois os dirigentes jugoslavos aceitaram render-se, o que restava do seu país tinha regredido 50 anos em termos de infra-estruturas, nos cemitérios jaziam agora, pelo menos, 2 500 civis, incinerados no crematório guerreiro dos senhores da NATO. Quando deixei Belgrado, o que a memória retinha era o heroísmo dos habitantes da capital de mãos dadas sobre as pontes que atravessam o Sava vestindo camisolas com um alvo no peito, desafiando a perversidade dos senhores da guerra da NATO e dos seus brinquedos com asas, dos seus mísseis alados. O edifício da Televisão, mantém-se esventrado como símbolo do horror e da ignomínia e treze árvores plantadas não deixam esquecer os jornalistas cremados nas fogueiras inquisitoriais do século XX. No silêncio do vale de Grdelica, junto à ponte destruída, num memorial onde repousam alguns dos civis assassinados pelas bombas, pode ler-se, «não temos medo dos loucos, mas da sua desumanidade». Mais tarde, o Tribunal Penal Internacional de Haia, numa declaração sem pudor nem vergonha, declarou que, tanto o bombardeamento da Televisão como do comboio, não constituíam crimes de guerra, pelo facto de ambos serem objectivos militares. Estas maldades ficaram impunes. Foi o triunfo dos porcos.

No livro intitulado, “Kosovo. A Incoerência de uma Independência Inédita”, do Major-General Raul Cunha, Edições Colibri, Lisboa, Outubro de 2019, é traçado um libelo acusatório, sobre os canalhas que deram ordem, traçaram os planos e comandaram as operações de bombardeamento da NATO sobre a antiga Jugoslávia. O Major-General não acusa, documenta amplamente os factos, o suficiente para não deixar qualquer espécie de dúvida sobre quem se escondeu matreiramente através do pano chamado, «comunidade internacional». Não foram condenados em Tribunal, é certo, mas sê-lo-ão pelo objecto da História. O livro não menciona, mas António Guterres também por lá andou, dizendo que a terra do Kosovo era a ancestral terra dos Ilírios e…, que triste figura.

A HERANÇA DO DOUTOR GUILLOTIN (*)


António Mesquita



                                           


A propósito do filme "Os Miseráveis", de Ladj Ly, que abre com uma citação de Vitor Hugo: "Não há ervas ruins nem homens maus, há apenas maus cultivadores."

Assim como a cantoria às janelas em tempo de quarentena parece quadrar-se bem com o espírito italiano (quer dizer, espera-se desse povo um sinal de vitalidade e de comunidade como esse), dos franceses, país de Descartes e do racionalismo, que nos deu com a Revolução Francesa o maior exemplo de radicalidade, uma radicalidade quase abstracta, em que os símbolos se revelam duma operacionabilidade extrema (e não é o Terror que põe isso em causa), dos franceses dizia, em razão dessa experiência e dessa tradição, a luta de classes, os conflitos sociais, atingem rapidamente um significado  “paradigmático”.

O que me vem à ideia a propósito deste filme de Ladj Ly é que mesmo a cultura das comunidades de origem africana não pode deixar de ser influenciada por esta característica da nação gaulesa. Não é impunemente, digamos, que se convive com uma linguagem política e simbólica tão marcada pela história.


A comunidade imigrante traz, naturalmente, os seus próprios Lares, os rituais da sua cultura e da sua religião, mas o seu mundo não é de modo nenhum um mundo fechado. A descendência desses magrebinos, nascida já em França, radicaliza à francesa as suas posiçōes com a complexidade que os problemas raciais não podem deixar de carrear.

A origem da violência parece mais do que justificada no filme e a comunidade africana dos subúburbios que vibra com o campeonato nacional de futebol não deixa de sentir mais agudamente a tolerância e a discriminação.


A torre Eiffel aparece ao longe sobre o cafarnaum, e é a única indicação de que estamos em Paris. O subúrbio, justamente, não é o Magreb. As ideias da cultura hospedeira dir-se-ia que emanam daquela antena.


A história começa quando um dos rapazes da rua rouba uma cria de leão do circo dos ciganos. Estes procuram o culpado ameaçando varrer tudo a eito, e é aí que a polícia local intervém para impedir que a centelha se torne em fogo incontrolável.

Procurando evitar o conflito entre os dois grupos usa os métodos pouco ortodoxos que julga mais adequados ao terreno. Consegue encontrar o autor do roubo e devolver o animal aos ciganos. Mas um imprevisto desencadeia a revolta. Sob stress, um dos polícias dispara o seu "flash-ball" sobre um dos adolescentes, o que é filmado pelo drone dum dos residentes.

A partir daí a revolta dos jovens perde o freio. Os polícias são atacados e encurralados num prédio e a última imagem é a da vítima do disparo acidental empunhando um explosivo e pronto a lançá-lo sobre os homens cercados.

Um meio como este tinha que dar ensejo a toda esta violência? Talvez, mas há uma côr local em todo este extremismo. Pode pensar-se que a Revolução Francesa não é para aqui chamada, mas não é sem dúvida o que sugere o autor do filme que foi acordar o venerando Victor Hugo do seu sono de Imortal e se inspirou em Gavroche, uma das personagens do romance.

(*) Foi o médico francês Joseph-Ignace Guillotin(1738-1814) que sugeriu o uso deste aparelho na aplicação da pena de morte. Guillotin considerava este método de execução mais humano do que o enforcamento ou a decapitação com um machado.



O MESTRE DE BONA

Mário Martins

https://www.google.com/search?q=beethoven+imagens


"Príncipe, o que és, és acidentalmente por nascimento; o que eu sou, sou por mim mesmo. Príncipes existem e existirão aos milhares. Beethoven há apenas um."

Beethoven é uma criatura completamente indomável.”
 Goethe

Não são apenas acontecimentos dramáticos como o recente ataque viral (em que, pragmaticamente, como numa guerra - mas uma estirpe de guerra de vestes brancas em que o inimigo não se vê e, por isso, baixamos a guarda -, os mortos não passam de números contados ao minuto, sem direito a ritual, e os vivos como que suspendem a sua vida face à ameaça real e ao medo, acossados pela torrente de notícias e pelos canais sensacionalistas que, a coberto do dever de informar, exploram e fomentam, sem escrúpulos, as nossas fraquezas psicológicas, realçando sempre e apenas as dificuldades do sistema de saúde com o relato exaustivo deste ou daquele caso que correu mal, Ludwig van que me perdoe, este parêntese já vai longo, mas o corona mete-se em tudo, até num texto que visa celebrar o génio de um criador, antes mesmo de se instalar nas células o raio do vírus já está nas nossas cabeças), não são apenas acontecimentos dramáticos à escala mundial, dizia, ou os avanços científico/tecnológicos, ou a exploração espacial, que fazem romper as barreiras culturais e redescobrir a espécie a que todos pertencemos. O génio de alguns “eleitos” transborda igualmente a cultura de origem para se materializar em obra universal. Diz-se, a propósito, que as pessoas possuem ou não talento mas que o génio possui as pessoas que o têm. 

Ludwig van Beethoven (1770-1827), de que se celebram este ano os 250 anos do seu nascimento, foi sem dúvida um artista de quem o génio tomou conta. Filho de um bruto alcoólico e músico medíocre que lhe provocou uma infância infeliz, Beethoven herdou do avô, director musical da corte de Bona, o mesmo nome e a vocação musical. Dotado de um temperamento apaixonado, irascível e pouco sociável, que uma progressiva surdez agravou, experimentou várias paixões por mulheres, umas jovens alunas, outras mulheres casadas, paixões sem seguimento duradouro por reserva feminina quanto ao futuro de uma união com um homem obcecado pela sua arte musical - “Tocar uma nota errada é insignificante. Tocar sem paixão é imperdoável.” - e sem uma segura fonte de rendimento.

Foi, no entanto, a sua paixão pela arte musical que o poupou do suicídio: “Quão grande era a humilhação quando alguém ao meu lado ouvia o som distante de uma flauta e eu nada conseguia ouvir; ou ouvia o canto de um pastor e eu nada ouvia. Esses incidentes levaram-me à beira do desespero e pouco faltou para que, com as minhas mãos, terminasse com a minha vida. Arte, apenas a arte me deteve.” 

E foi em pleno cume da sua surdez progressiva que, paradoxalmente, Beethoven atingiu o cume da glória com a composição daquela que viria a ser a sua obra prima mundialmente mais conhecida, a 9ª. Sinfonia, na qual, pela primeira vez, é inserido um coral, com um texto adaptado do poema “Ode à Alegria”, de Friedrich Schiller.

O extraordinário legado musical composto por Beethoven em Viena, então considerada a capital cultural da europa, onde o compositor viveu a sua vida adulta e viria a falecer, está recheado de obras primas que expressam, de modo bem vincado, o seu temperamento, e que não se esgotam na 9ª. ou na 5ª. sinfonias, nos concertos para piano e orquestra nºs. 4 e 5, nas aberturas Coriolano e Egmont, nos quartetos de cordas Razumovsky, nas sonatas para piano, instrumento de que Beethoven era um virtuoso, Appassionata e Waldstein, ou na celebrada Missa Solene

Os biógrafos assinalam um período sombrio no comportamento de Beethoven, relacionado com a batalha judicial para se tornar tutor do sobrinho Karl, após o falecimento do seu irmão Kaspar, acabando por conseguir retirá-lo à mãe, que julgava uma mulher imoral, e por se revelar, ironia do destino, um tirano pai adoptivo, levando o sobrinho à beira do suicídio, antes de se alistar no exército e fugir ao controlo do tio. Nos últimos anos, atormentado pela surdez, vestia como um maltrapilho e mergulhava cada vez mais no álcool.

Conta-se, mas não há a certeza, que o “divinoMozart, a quem Beethoven se terá apresentado aos 17 anos, - apenas quatro anos antes do desaparecimento prematuro, aos 35 anos, daquele compositor tão admirado pelo “papáHaydn, professor de Beethoven -  comentou depois de o ouvir ao piano: “Prestem atenção a esse rapaz, um dia o mundo vai falar dele.”. Verdade ou lenda, é realmente difícil imaginar que o mundo algum dia deixe de ouvir a sua música. 

RESENHA DA CRISE

Manuel Joaquim


Estados Unidos preparam o maior exercício militar na Europa em 25 anos (Público 10/12/2019)

                      

No seguimento do que tem acontecido na Europa, os partidos da direita portuguesa estiveram reunidos em Lisboa, nos dias 10 e 11 de Março, para a realização da II convenção do Movimento Europa e Liberdade – MEL, onde estiveram presentes figuras gradas desses partidos, para debateram, naturalmente, a situação política nacional e internacional. No fundo, são as preocupações cada vez mais acentuadas por estarem aparentemente afastados do poder e pelas dificuldades crescentes que o sistema capitalista enfrenta.
Há cerca de duas semanas, a seguir à reunião do MEL, um jornalista publicou num jornal diário que o presidente da República estaria a ponderar a possibilidade de constituir um governo de salvação nacional.

Rui Rio, numa entrevista dada na televisão esta semana, questionado pelo jornalista, muito provavelmente instruído para isso, sobre um possível governo de salvação nacional, disse que poderia acontecer depois de passada esta fase crítica que estamos a viver. Mas também referiu que o jornal Expresso publica várias notícias falsas sobre ele e sobre afirmações suas.

A direita espanhola também pediu a formação de um governo de salvação nacional para responder à crise. É evidente que existe uma coordenação a nível internacional. Os insistentes ataques da direita ao governo pela gestão dos serviços hospitalares, pela falta de material de segurança para o pessoal, por falta disto ou daquilo, o pedido de demissão da responsável da DGS, praticamente desde do início da crise, o ataque ao presidente da república, acusando-o de ter deixado de ser presidente e passar a ser cidadão, insere-se numa política de desgaste para criar condições que justifiquem junto da opinião pública um processo que leve a uma eventual alteração política.

Um governo de salvação nacional foi constituído já há cinco anos para afastar a direita da governação e parar as políticas de desastre nacional. Cortes desastrosos nos rendimentos das pessoas, nos serviços de saúde, enormes transferências de dinheiro para a banca, entrega de riquezas necessárias ao país a multinacionais, políticas fiscais ao serviço do grande capital.

Entre o ano de 2010 e 2015 foram retiradas dos hospitais cerca de 2.000 camas. O SNS não teve os investimentos necessários e sofreu cortes muito grandes para benefício dos privados. Em 2019 a União Europeia recomendou a cada um dos países cortes nas despesas de saúde. Os responsáveis por essas políticas de desastre são os mesmos que agora tentam afinar a voz para se aproveitarem das dificuldades que eles próprios criaram. A crise do vírus veio juntar-se à crise do sistema económico e social. A concentração e centralização do grande capital está em forte aceleração. É previsível o desaparecimento de mais alguns bancos. Muitas empresas estão a aproveitar-se da situação para despedir trabalhadores, cortarem direitos, praticar o teletrabalho com horários cada vez mais longos. Os trabalhadores, os pequenos comerciantes e industriais, os pequenos proprietários, sem rendimentos ou com rendimentos insuficientes para as suas vidas e das suas famílias, como vão viver, como vai ser possível a economia recuperar sem produção suficiente para exportar ou sem mercado interno para consumir por falta de rendimentos das famílias?

A solidariedade internacional é o que conhecemos. A posição do primeiro ministro da Itália sobre o comportamento da EU e as palavras de António Costa sobre o comportamento do ministro das finanças dos Países Baixos são esclarecedoras. Agora é o presidente do Eurogrupo, que é o Centeno, a alertar para a divisão da zona do Euro. O que já se dizia há muitos anos que a União Europeia existia para servir o grande capital é cada vez mais verdade.

A solidariedade também se manifestou nesta crise do vírus. A China enviou para Itália toneladas de material sanitário e largas dezenas de médicos e técnicos para apoio nas zonas mais difíceis. Cuba enviou especialistas para a China, Itália, Espanha, e para mais de uma dezena de países e medicamentos de sua produção que funcionam no combate ao vírus. É bom lembrar que Cuba tem uma grande experiencia no combate a vírus. Em 1981 teve que combater a febre hemorrágica do dengue que matou muitas pessoas, incluindo crianças, vírus lançado pelos EUA sobre o seu território. A Rússia enviou 13 aviões de transporte militar com tropas, equipamentos e especialistas russos. A França a enviou doentes para hospitais na Alemanha, por já não ter condições para os tratar.

Em 11 de Março passado, Trump anunciou numa comunicação ao país que o problema seria resolvido com um medicamento contra a malária, mas foi desmentido publicamente, na altura, por Anthony Fauci, director do Instituto Nacional de Alergia e Doenças infeciosas dos EUA, que o medicamento ainda não tinha sido aprovado e que não havia provas de que funcionaria. O que Trump não disse é que 10 milhões de embalagens do suposto medicamento lhe tinham sido vendidas por Israel.

A nível da EU não se conhece nenhuma iniciativa, salvo alguns países, nomeadamente a Alemanha, terem proibido a exportação de material médico. A solidariedade do país mais rico do mundo, os USA, manifestou-se enviando dois aviões nucleares que estão neste momento nos Açores. Enviando cerca de 20.000 militares, fortemente armados, para a Europa, onde se encontram mais 15.000 militares para se juntarem aos militares dos países europeus, para realização de exercícios militares nas fronteiras da Rússia, sob a bandeira da NATO. Muitos militares estão contagiados. Um bom acontecimento. Portugal vai aumentar os seus gastos com a Nato este ano.

Ontem morreram dois jovens nos EUA com vírus. O hospital recusou-se a efectuar tratamentos por não terem seguro de saúde. Entretanto, amanhã, vai aterrar um avião da Rússia nos EUA com ajuda médica a pedido de Trump a Putin. Já tinha pedido ajuda à Coreia do Sul às escondidas. Grande país.


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