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01/11/12

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DESMORONAMENTO

Manuel Joaquim


alanandtilde.travellerspoint.com


Historicamente, o período que vivemos é particularmente importante. A sociedade vive uma crise com repercussões em todas as suas estruturas. É a organização política e social do Estado que está em questão. Já não consegue resolver os seus problemas e contradições e os seus alicerces vão cedendo e acabarão por se desmoronar.

O descontentamento, os protestos, as lutas sociais, sindicais e políticas, manifestam-se diariamente e a qualquer hora. A perda de direitos pelos trabalhadores, reformados e pensionistas, conquistados em lutas passadas e recentes e pagos com as suas contribuições e impostos, o alastramento do desemprego aumentando a fome e a miséria, está a trazer para a luta sindical e política, não só a “chamada populaça”, como, preconceituosamente, alguns bem-pensantes chamam aos trabalhadores organizados, mas também um número crescente de população da classe média. Os próprios papagaios de serviço na comunicação dita social já não conseguem justificar, quanto mais defender, a política em curso. Na Assembleia da República algumas intervenções são classificadas como salazarentas. As tentativas para rasgar a Constituição da República e suspender a democracia são cada vez mais claras. O fascismo, de certa forma, aparece nas soleiras das portas das casas onde tem estado a hibernar. É bom ter presente que o fascismo em Portugal foi instituído com a publicação do Estatuto do Trabalho Nacional em 1933 e não com o golpe de estado de 1926.

Só não vê quem passa o tempo a saborear as delícias do ócio, sentado numa cadeira, em casa, de janelas fechadas, sonhando com viagens lindas pelo mundo imaginário ou com histórias lidas em livros que refletem visões pessoais de tempos de outrora. Ócio que lhes é permitido pelo desafogo económico que desfrutam e que os levam a contemplar sociedades imaginariamente assépticas à intervenção do homem. Mas, na realidade, essas sociedades não existem. Tom Hodgkinson, no seu livro “Os Prazeres do Ócio” diz que “Jesus foi um revoltoso: derrubou as mesas dos vendilhões do templo, abrindo um precedente para muitos milhões de visionários idealistas a partir desse momento”. É uma referência bíblica perfeitamente actual, justificando a violência para repôr valores para uma sociedade mais justa. Será que os valores defendidos por Jesus eram o resultado da razão ou será que Jesus pertencia já naquele tempo à maioria da Duma?

Tantas histórias se contam sobre revoluções e personalidades que de uma forma ou de outra intervieram nesses processos. Os “pensadores”, à distância do tempo (e do espaço) tomam a posição mais confortável, mais cómoda, não comprometida, alimentando-se filosoficamente dos valores das classes dominantes, muitas das vezes expelindo-os venenosamente, sem terem consciência disso. Mas a questão que se tem de colocar num processo político é sempre: de que lado se está? Do lado de Jesus ou dos vendilhões do templo?

O tempo político que vivemos vai obrigar a tomada de posições. É a hora da verdade que se aproxima.

IMPRESCINDÍVEIS

Alcino Silva
(joshbrewsterphotography.com)


“Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Escrever, por exemplo: a noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe.
O vento da noite gira no céu e canta.”



Os sons da tua música, chegaram-me numa tarde de sol em caminho de montanha, nesse tempo em que nos sentimos sós rodeados de gente, e volteavam por entre a folhagem verde e desciam até mim, procurando unir a sua melancolia à que em mim viajava. Mas esta noite neva. Por entre a escuridão do espaço, flocos de neve tombam na terra em pingos de tristeza. Pousam no chão e na minha alma, pelo que também poderia eu esta noite, escrever os versos mais tristes e silenciosos enquanto vejo os teus dedos baixar sobre as teclas e escuto a melodia assombrosa que sai do interior de ti. Vejo as tuas mãos descerem, Ludwig e os dedos quais estrelas cadentes iluminando a noite, pousarem com doçura nos pequenos rectângulos brancos e negros do piano e uma sonoridade magoada ergue-se como um pranto de silêncio.


“Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Eu amei-a e por vezes ela também me amou. 
Em noites como esta tive-a em meus braços. 
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.”




Ouço-te e lembro-a, recordo-a nesse cântico silencioso que brota, como ramos de uma árvore cansada e só, do teu génio criador, das tuas mãos que descem como um sentimento, como essa carícia que era o seu rosto quando também as minhas mãos desciam reclamando galáxias de ternura, essas infinitas constelações de estrelas que viviam nos seus olhos e enchiam o universal abraço com que a minha imaginação lhe rodeava o peito, lhe cercava a alma e tu absorto, dedilhando melodiosamente, umas vezes com os dedos constantes, outras com essa mágoa que sinto no teu pensamento com essa grandeza que inunda o meu e como lembro de a ter em meus braços nessas noites em que um cântico de silêncio planava sobre o meu sonho. Sim, sobre o céu infinito e quantas vezes a amei. Talvez também ela me tenha amado nas palavras que me escrevia como a tua música, cadente e silenciosa, escritas em brancas letras que só eu lia.

“Ela amou-me, por vezes eu também a amava. Como não ter amado os seus grandes olhos fixos. 
Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.”



Como traduzir em palavras a melodia serena, tranquila, melancólica, desgostosa que sai dos teus dedos e se espalha em mim, como traduzir esses sons de beleza que o teu prodígio produz e embalam esta minha solidão que qual mar dolente humedece a praia dos meus sonhos perdidos. Como traduzir em palavras, Ludwig o amor daquela mulher que por vezes também me amou e hoje voa em espirais de vapor lembrando as primaveras mágicas da adolescência. E por vezes, também a amei. Por vezes? Quão injusto consigo ser nesta noite de lágrimas correndo pela memória. Ela foi pretérito e futuro, foi olhares e sorrisos, foi sol e lua, mar e terra, foi nau descobridora e porto de abrigo. Os teus dedos parecem pousados sobre o mesmo espaço, subindo, descendo, acelerando, e essa carícia que me envias em música, limpa o pranto desta noite em que posso escrever os versos mais tristes e pensar que não a tenho e sentir que a perdi.




“Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela. E o verso cai na alma como nos pastos o orvalho. 
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la. 
A noite está estrelada e ela não está comigo.”



Uma e outra curva, a montanha iludindo os meus olhos e os sons procurando-me e o meu pensamento voa, inclina-se na melodia cadenciada dos teus dedos e aqui e ali paras, deténs a tua tristeza como se ficasses incapaz de andar, de prosseguir para de seguida retomares sem tropeço o teu caminho. Mas agora é noite e neva lá fora, sinto o frio percorrer as arestas dos meus sonhos onde ela vive e eu a guardo e corro com a tua música na procura do tempo que se diluiu na escuridão quando eu a amava e também ela talvez me tenha amado. Também agora sinto soçobrar a fantasia, aquela onde vivi sobre as muralhas de altos castelos de vento, em cujas ameias estendia os braços e embrulhava a planície de encontro a mim como se fosse a ela que guardava com os seus olhos mágicos e o seu rosto calado, sereno e belo como a tua música. Não, não acredito em pessoas imprescindíveis. Tudo passa e todos somos substituídos. Parece até uma verdade imutável, mas de facto, quem te substituiu a ti, Ludwig, quem foi que construiu serenidades musicais como  esta que me embala nesta noite fria, nesta noite estrelada em que ela não está comigo e me faz lembrar que não a tenho e sentir que já a perdi? Não, Ludwig na verdade não mais alguém foi capaz de construir esta beleza de sons excepcionais, este Silêncio que me faz viver. Não há pessoas imprescindíveis, mas tu e ela não podem ser substituídos. Por isso te escuto nesta noite fria, triste e nevada e a lembro, a recordo com o seu olhar de encanto e a minha alma não se contenta com havê-la perdido.


Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe. A minha alma não se contenta com havê-la perdido. 
Como para chega-la a mim o meu olhar procura-a. 
O meu coração procura-a, ela não está comigo.”

 

Lendo a poesia de Pablo Neruda e escutando o Silêncio de Beethoven

QUANTO CUSTAM OS PARTIDOS?

Mário Martins


(p3.publico.pt)



Diz-se, e compreende-se, que a democracia não existe sem partidos políticos livres e que, por essa e outras razões nem sempre bem fundamentadas (como se viu na recente polémica do uso de carros de luxo), é cara. Vejamos então quanto custam ao erário público (nomeadamente aos portugueses que pagam os impostos sobre o seu rendimento) os partidos que alimentam o regime que, em Portugal, passa por ela. Não sem antes clarificar que o autor deste texto não se conta entre os 87% dos portugueses que, segundo uma sondagem realizada no passado mês de Setembro, se afirmam desiludidos com a democracia, pela simples razão de nunca ter esperado dela justiça e prosperidade mas tão-só liberdade e cidadania. Isto sem prejuízo da indispensável reforma do “regime de direito democrático” como, em ocasiões mais solenes, lhe chamam, mas que, em todo o caso, prefere a qualquer ditadura. Em Portugal, pelo menos para as gerações adultas ao tempo do 25 de Abril, mais do que uma questão de gosto trata-se de uma questão de memória.

Destaquemos, em primeiro lugar, alguns aspectos essenciais do enquadramento legal do financiamento público dos partidos políticos (Lei 19/2003 de 20 de Junho, com a alteração introduzida pelo artigo 31º do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro):

“Artigo 4º

(Financiamento público)


Os recursos de financiamento público para a realização dos fins próprios dos partidos são:

a) As subvenções para financiamento dos partidos políticos;
b) As subvenções para as campanhas eleitorais;
c) Outras legalmente previstas.

Artigo 5º



1 - A cada partido que haja concorrido a acto eleitoral, ainda que em coligação, e que obtenha representação na Assembleia da República é concedida, nos termos dos números seguintes, uma subvenção anual, desde que a requeira ao Presidente da Assembleia da República.

2 - A subvenção consiste numa quantia em dinheiro equivalente à fracção 1/135 do salário mínimo mensal nacional (3,6 euros) por cada voto obtido na mais recente eleição de deputados à Assembleia da República.

4 - A subvenção é paga em duodécimos, por conta de dotações especiais para esse efeito inscritas no orçamento da Assembleia da República.

5 - A subvenção prevista nos números anteriores é também concedida aos partidos que, tendo concorrido à eleição para a Assembleia da República e não tendo conseguido representação parlamentar, obtenham um número de votos superior a 50.000, desde que a requeiram ao Presidente da Assembleia da República.

Artigo 17º



2 - Têm direito à subvenção os partidos que concorram ao Parlamento Europeu ou, no mínimo, a 51% dos lugares sujeitos a sufrágio para a Assembleia da República ou para as Assembleias Legislativas Regionais e que obtenham representação, bem como os candidatos à Presidência da República que obtenham pelo menos 5% dos votos.

3 - Em eleições para as autarquias locais, têm direito à subvenção os partidos, coligações e grupos de cidadãos eleitores que concorram simultaneamente aos dois órgãos municipais e obtenham representação de pelo menos um elemento directamente eleito ou, no mínimo, 2% dos votos em cada sufrágio.”

Quanto ao financiamento público anual dos partidos, a conta é fácil de fazer: 3,6 euros por cada voto arrecadado na última eleição legislativa (realizada em 5 de Junho de 2011), significa que o erário público paga actualmente aos cinco grandes partidos políticos portugueses cerca de 18 milhões e 400 mil euros por ano, com a seguinte distribuição:



Votos
Euros
PSD
2.159.181
7.773.052
PS
1.566.347
5.638.849
CDS
653.888
2.353.997
CDU
441.147
1.588.129
BE
288.923
1.040.123
Totais
5.109.486
18.394.150

No que respeita ao financiamento público das campanhas eleitorais, podemos dar o exemplo da subvenção recebida pelos partidos nas últimas eleições legislativas:

                                                          

Euros
PSD
3.187.221
PS
2.187.261
CDU
836.357
CDS
796.715
BE
653.598
Total
7.661.152


Todos estes valores estão, evidentemente, muito longe de representarem o custo financeiro do regime, mas julgo que será pertinente concluir que este suporte financeiro público dos partidos políticos mais fundamenta a necessidade de uma opinião pública cada vez mais exigente relativamente à sua acção ou falta dela.


Os valores em euros são da responsabilidade do autor do texto, com excepção dos valores da última tabela.

SOFISMA

António Mesquita

Umberto Eco



"Não há nada de relativista no defender que a realidade é sempre definida de um ponto de vista particular (o que não significa subjectivo e individual);"

(Umberto Eco)



Como se sabe, uma opinião não partilhada por mais ninguém pode ser mais objectiva do que outra, colectiva e partilhada por muitos.

A diferença é que, no primeiro caso, se parte 'dum ponto de vista particular' sobre a realidade e que, no segundo,  se parte da opinião dos outros.

Não se pode 'pensar pela própria cabeça' e 'beneficiar' do conforto intelectual que qualquer grupo nos dá em troca de afundarmos todos os pontos de interrogação em calor humano e gordura.

É também sabido que o argumento de que todas as opiniões são relativas ao 'ponto de vista' de cada um e por isso que nada há nelas de 'universal', impede o estabelecimento da verdade.

Note-se que, porém, existe um sofisma por detrás deste raciocínio. O que a maior parte das pessoas entende por 'ponto de vista' é semelhante àquilo que consideram como opinião.

No entanto, o ponto de vista de que fala Eco é mais um lugar no espaço e numa situação. Quem quer que seja que realmente pense a  partir desse lugar e dessa situação pode atingir o universal, isto é, o que é válido para todos os que fizerem como ele. Isto é quase dizer que o real  tende para o único. Quanto mais particular, mais universal.

Parece um paradoxo, é claro, que o que é válido para todos seja a sua qualidade de serem exclusivamente eles próprios.


A VIDA CONTINUA...

Mário Faria


dearscotland.com


Estou furioso. A crise não me tinha atingido em cheio, e eis que agora, me vão ao bolso, com uma enxurrada de impostos colossal : um autêntico confisco que abala os alicerces do nível de vida (relativamente) desafogado a que estava habituado, e que fora sustentado na reforma a que tenho direito, capitalizada pela via dos descontos (salariais e empresariais) sempre realizados, ao longo de mais de quarenta anos de trabalho, e apenas interrompido pelo cumprimento de mais de quatro anos de serviço militar obrigatório. 

Se sempre estive solidário com os mais expostos a esta política de austeridade que atinge com extrema violência os mais fracos, não seria sério se não reconhecesse que a solidariedade é bonita e que a caridade fica bem, mas que essa proximidade é muito semelhante à que me fica quando estou perante as notícias trágicas da devastação provocada pelos efeitos de cataclismos naturais, da guerra ou da fome. Fico perturbado, mas fecha-se o jornal, apaga-se a TV, e o choque, provocado pelo terror do testemunho das palavras e das imagens, esfuma-se suavemente no limbo da memória. Os problemas pessoais e familiares, que exponencio desmesuradamente, toma toda a minha atenção, como se a maior parte deles não fossem triviais, face às terríveis desgraças alheias. 

Vou no mesmo barco, mas ainda não viajo no porão. Apenas, estou muito mais perto. Sinto a ameaça, mas ainda não sou pobre. E, isso, ainda faz toda a diferença. Há muitos indignados, mas vamos reagir? resistindo e lutando ? esperando que os feitos “novos proletários” se rebelem e criem caminhos para uma alternativa ? ou vamos entrincheirar-nos na defesa do pouco que temos, como se fora um rico espólio a manter, ainda que se nos exija o silêncio ? Não sei. Só sei que as forças são poucas e os actores das alternativas políticas em presença, não seguem o mesmo trilho, nem apresentam soluções credíveis, ora porque foram responsáveis por parte do problema, ora porque não fazem (ou não os deixam ser) parte da solução. 

Há quem refira que a “dificuldade de controlar a dívida pública (pode bem ser) um traço estrutural português, só resolvido em ditadura (César das Neves)”, há quem pense que “a ideia de que em democracia não se pode impor a austeridade é, em si mesma, uma ideia autoritária, uma ideia que menoriza a capacidade dos eleitores, mesmo rangendo os dentes, escolherem um caminho diferente do que nos encheu de défices e dívidas (José Manuel Fernandes)”, ou quem diga que “a posse é liberdade, dá liberdade, defende as pessoas da servidão. Se se transformam homens livres em proletários, que nada têm a perder a não ser as suas grilhetas, estes começam a portar-se como proletários (Pacheco Pereira)”, mas pela parte que me toca, e porque tenho mais dúvidas que certezas, o que me constrange é constatar que os imensos progressos científicos e tecnológicos produzirem um efeito contrário, ou seja: um modelo de desenvolvimento económico que apela, nestes tempos, por mais horas de trabalho, baixos salários, menos regulamentação, mais precariedade e menos apoios sociais, o que contrasta de forma escandalosa com a sociedade aberta e democrática prometida, de pleno emprego, pão para todos, de lazer e bem estar acrescidos. O que falhou está na génese do capitalismo globalizado, tóxico, sem rosto, e que um recente artigo Ricardo Pereira sintetiza assertivamente, quando escreve sobre o Prestige - que se afundou há dez anos ao largo da Galiza deixando um enorme rasto de poluição –, concluindo assim : “o julgamento do Prestige avança com quatro réus, três dos quais são tripulantes do navio. Num petroleiro com bandeira das Bahamas, de dono liberiano, certificado nos Estados Unidos, com um armador grego e fretado por uma empresa suíça, não espanta que seja mais fácil encontrar os culpados a bordo”. Um julgamento idêntico corre por cá : os detentores do poder estão a punir os pobres, os trabalhadores e a pequena burguesia, os únicos capazes de democratizar a economia, como se fossem os únicos culpados do endividamento. Para ultrapassar a crise, o governo alia-se, de forma servil, aos poderosos que se aguentam à tona e sempre em cima, acolitados por uma legião de burocratas, técnicos e pensadores, todos juntos pelas melhores razões, na manutenção (e aprofundamento) do status quo. A maioria dos portugueses vai a bordo de um barco que navega à vista e corre o sério risco de encalhar. Se a tragédia acontecer quem vai pagar ? Os de sempre, a não ser que o saibamos evitar, o que duvido. Até lá, a vida continua e a esperança também. 



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