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01/05/09

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CRISE SEM FIM À VISTA

Manuel Joaquim

Paul Krugman



As iniciativas para responder à crise sucedem-se a um ritmo acelerado, tanto a nível nacional como a nível internacional. Alguns países já vão com diversos planos pela insuficiência dos anteriores. Quase todos com ajudas financeiras e fiscais a importantes sectores da sua economia, designadamente ao sistema financeiro e à industria automóvel, intervindo claramente no funcionamento do mercado e aplicando medidas proteccionistas, contrariando as orientações das organizações internacionais que defendem o comércio internacional como é o caso da OMC.

A desregulamentação da actividade financeira permitiu o aparecimento dos chamados novos produtos financeiros, sem base material sustentável; práticas contabilísticas utilizadas pelas empresas para valorizarem os seus valores de mercado ignoraram prudentes normas contabilísticas, criaram gigantes de pés de barro; o aumento demente das despesas públicas com gastos militares e de guerra; o aumento do crédito para a habitação e para o consumo para compensar os baixos salários controlados em nome dos mercados competitivos; o aumento das taxas de juros ( que depois começaram a baixar) esganaram os orçamentos familiares, provocando uma acentuada quebra no consumo e o incumprimento das suas obrigações com reflexos directos nas empresas, nas próprias famílias e em toda a economia.

Se a livre circulação de capitais permitiu rendimentos astronómicos em aplicações especulativas e sem controlo através dos chamados paraísos fiscais, o domínio estratégico de importantes sectores económicos de muitos países, também permitiu a livre circulação dos chamados novos produtos financeiros, particularmente oriundos dos EUA, hoje chamados tóxicos ou lixo, intoxicando a banca europeia que os adquiriu.

Paul Krugman, num artigo publicado no mês de Abril, “Façam bancos tediosos”, refere que apenas algumas pessoas afirmavam que esse sistema financeiro superdimensionado poderia chegar a um fim destrutivo. Que talvez o mais notável desses profetas de dificuldades seja Raghuram Rajan, da Universidade de Chicago e ex-economista chefe do FMI. Que ele argumentou numa conferência de 2005, que o rápido crescimento do sector financeiro havia ampliado o risco de “um colapso catastrófico”

A quebra no consumo das famílias, por diminuição ou falta de rendimentos, leva as empresas a reduzir a produção de mercadorias. A redução de turnos, a deslocalização e encerramento nas grandes empresas é um processo fácil nos mercados de trabalho onde impera a precariedade, a falta de fiscalização e a desregulamentação laboral. As pequenas e médias empresas sem capacidade organizativa e financeira não sobrevivem. O desemprego alastra, os incumprimentos alastram, os dramas sociais alastram.

Muitas famílias vêem as suas pensões de reforma a diminuir ou a desaparecer pela fortíssima penalização dos sistemas de capitalização.

Uma parte muito importante do sistema financeiro dos EUA e da Europa descobriu que estava falido. Muitos bancos e seguradoras declaram falência, são encerrados ou absorvidos por outros. Muitos são capitalizados ou nacionalizados pelos estados.

Grandes grupos industriais mantêm-se em resultado de grandes injecções de capital efectuadas pelos governos, mas alguns preparam simplesmente o óbito. O comércio internacional reduz-se significativamente. A procura de novos mercados acentua-se mas as dificuldades de crédito limitam a realização de negócios.

As iniciativas para responder à crise a nível internacional são inconsequentes.

Não deixando de registar as políticas monetárias contraditórias tomadas pela FED e BCE durante o 2º semestre de 2008, e as políticas proteccionistas aplicadas por alguns governos que têm causado grande perturbação internacional, é de registar as contradições entre os resultados da reunião do G 20 de Londres e o que se declarava antes da sua realização: melhor regulamentação, mais fiscalização, fim dos offshores, etc. Acontece que nada disso foi decidido. Os bancos vão manter balanços sem correspondência com a realidade, os offshores vão manter-se. Decidiu aprovar uma verba de um bilião de dólares para reforçar o sistema de crédito, no seguimento do que vários países já tinham feito.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico – OCDE publicou em 10 de Abril indicadores com fortes declínios para as maiores economias do mundo, particularmente para EUA, Canadá e Japão.

Acontece que os EUA, sendo ainda a maior economia do mundo, é também o maior devedor do mundo. Na primeira metade do ano fiscal de 2009 o déficit orçamental triplicou em relação ao ano anterior. No mês de Março teve um déficit record, quadruplicando em relação ao mês do ano anterior. As receitas fiscais de Março caíram 28%.

Perante este quadro alguns analistas interrogam-se se o sistema monetário internacional não irá sofrer alterações a muito breve prazo, designadamente a manutenção do dólar nas transacções do comercio internacional.

No caso de acontecer a crise será longa e trágica.



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O DESTERRO DA FILOSOFIA

António Mesquita



"A teoria dos jogos e a de projecto de mecanismo imaginam as pessoas actuando pelo interesse próprio e pela manha. A ciência política constrói modelos baseados em votantes interesseiros, senadores interesseiros e congressistas interesseiros, cada um tentando compreender qual é o seu interesse. Será ser eleito outra vez? Maximizar uma posição particular? E de cada vez se constrói um sistema à volta desta ideia dos indivíduos interagindo na tentativa de maximizar o seu próprio benefício."

John Brockman ("The end of universal rationality")


Esta racionalidade egoísta não é, contudo, confirmada pelos factos. "As pessoas sistematicamente e previsivelmente comportam-se de modo muito mais cooperativo do que o previsto pela teoria dos jogos".

Dentro da mesma linha, os anos noventa conheceram a voga da agency theory (que alguns traduziram pela teoria do agente-principal), de Jensen e Murphy, implicando que toda a gente tem tendência para se "desenfiar", como se diz na tropa. A consequência desta doutrina foi a necessidade de sujeitar toda a gente à monitorização, incluindo os próprios monitores. A estes novos "olheiros" (sobretudo os do topo) foram por isso distribuídos generosos incentivos. "Quinze anos depois, vemos múltiplos de 200 e 500", em relação ao que ganha um empregado "alinhado" pelos interesses da empresa.

Esta cultura entre os executivos tornou-se tão esquizofrénica que vimos recentemente os directores duma AIG salva in extremis pelos dinheiros públicos a reclamarem o direito aos seus bónus principescos.

Temos então que todo um sistema financeiro e empresarial baseado numa teoria aparentemente realista sobre o comportamento humano e alicerçada nos mais competentes modelos matemáticos provou, pelos seus resultados catastróficos, que a misantropia e o julgamento da espécie pelo puro egoísmo tem custos tão gravosos como o idealismo mais descabelado e as engenharias do futuro a que nos iniciou o século XX.

E não parece que esta perigosa deriva se possa combater através da simples recentragem, concedendo, por exemplo, mais espaço às motivações altruístas. Se há uma conclusão a tirar deste impasse, é a de que nenhum pensamento digno desse nome preside às nossas escolhas e disso é significativo o abandono da filosofia e o descrédito a que foi votada pelas várias teorias do sucesso. Uma nova casta colonizou todo o espaço de reflexão que escapa à comunicação de massas: a dos gurus e dos spin doctors, com receitas para tudo, desde a psiquiatria à economia e à gestão de empresas.


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DEUSES...

Alcino Silva


Perseguição dos Cátaros




Vim aqui para este breve diálogo que me impõe a memória e a consciência. Haverás de me perdoar esta fala em murmúrio este sussurrar das palavras, mas é necessário, que o tempo volta a ser de medo, de receio, que as chamas das fogueiras pressentem-se no temor das noites em que o céu é iluminado por labaredas de intolerância e de ganância desmedida, também agora em nome de Deus, qualquer um, não importa qual, pois para os senhores da verdade, todos são bons, desde que triunfe a sua maldade suprema sentada numa qualquer cadeira de poder. Perguntam-me com quem dialogo neste cicio que mal se percebe e quase não se escuta. Com a história, naturalmente. Não, não com essa história, mas antes aquela que se escreve com uma letra das grandes no início da palavra. É verdade, essa que nos conta dos homens e das suas vidas pelo tempo. Por aqui me sento, a esta mesa no canto deste lugar onde se encontram as épocas, os espaços e os tempos que se foram somando. Temos um acordo. Eu relato-lhe o presente e a História me mostra o que guarda do passado nos seus arquivos. Bastas noites aqui vivemos nesta troca que nos enriquece a ambos. A história leva o presente que lhe trago e permite-me estas viagens ao passado. Por aqui, por estas terras, divaguei em tempos idos, em silêncio e em sossego, sem que se escutasse uma palavra desta boca que pasmava perante o que os olhos viam, contemplavam e admiravam. O aroma de pão quente na porta do forno e que se presumia delicioso rondava as casas das ruas estreitas de Narbonne entre a sombra do amanhecer dos pináculos da catedral e dos vastos muros da fortaleza. Sentei-me a observar e procurei afastar o sabor daquelas chamas que a todos queimava naquelas noites de dor e drama que assolava as terras da occitania na caça aos cátaros, à heresia que perturbava a marcha solene da igreja madre, senhora do verbo, rainha dos céus, dominadora da terra e dona da alma dos homens a quem condenava em vida. Olhei de longe as ainda belas, elegantes e esbeltas torres do castelo de Foix. Não cometi o atrevimento de me aproximar, pois a intolerância palmilhava ainda as ruas da pequena cidade pirenaica. Cheguei de madrugada neste regresso a um tempo que não é meu. Reconheço que vim meio escondido, em certa medida um pouco clandestino e assim percorri os acessos ao soberbo castelo de Carcassone. Que grandeza entre aquelas pedras. As luzes actuais iluminam e dão ênfase às muralhas, às ameias que albergaram aqueles que em pleno século XIII pretenderam regressar às origens, à pureza de uma religião que se perdia de si própria. A noite assustava-me e não conseguia deixar de olhar sobre o ombro e a cada rumor sentia o peso das cruzes nas capas dos cruzados que traziam os archotes das fogueiras que acendiam na negra escuridão as chamas da fé. Os primeiros alvores da manhã levaram-me pelos céus a aproximarem-me daquele conjunto montanhoso e a paisagem seduzia-me pela beleza arrebatadora do verde iluminado pelos raios solares. Os cedros, isolados, erguendo-se sobre os arbustos e o caminho quase escondido a rodear a montanha em direcção às ruínas da fortaleza de Lastours. Tantos séculos após, sinto ainda os vossos cânticos, escuto-os como se me encontrasse nesses alvoreceres em que a noite vos deixava, embalada pelos sons dos vossos louvores a Deus. Perdem-se como fios soltos entre o azul que nos serve de tecto. Cânticos? Sim, hinos que se espalham também pela manhã, outra manhã, quase ainda madrugada, mas sem verde, sem montanhas, apenas o amarelo acastanhado das areias do deserto que não permite que usufruamos do azul celeste. O pequeno grupo aguarda em silêncio e sem ruído, na expectativa tornada angústia de não saber o que vai acontecer. A viagem através do túnel durara três horas. Fora lenta, a caminhada. Curvados, sentíamos o peso da ansiedade perante o desconhecido. Partimos no interior da noite e à chegada surpreendeu-nos a madrugada. Um sinal, autoriza-nos a sair. Estamos para lá da fronteira com o mediterrâneo à esquerda. Em frente e à direita as ruínas de uma aldeia que a aviação do exército judeu arrasou na sua missão purificadora. De novo, a acção de lavagem das consciências, agora e hoje em nome de Deus, outro que não o anterior. Um veículo meio destroçado, recolhe-nos e alcança a estrada que para norte nos levará até Gaza. O exército dos judeus já não está, regressou ao outro lado da fronteira. As eleições no Estado judeu já acabaram e como a guerra, tornada chacina fazia parte da campanha eleitoral, também terminou. Hoje sente-se um silêncio de chumbo sobre os crimes. Os judeus calaram-se, escondem-se atrás desse mutismo, até à próxima guerra, ao próximo massacre. O mundo, cala-se também, impotente, passivo. O calor começa a fazer-se sentir e os nossos olhos dividem-se entre o que foi destruído e o que ainda resta. Aqui e além, uma ou outra oliveira parecem querer quebrar a solidão e mostrar sinais de vida. Ao longe, percebe-se a silhueta esbelta de um minarete e o canto que chama à oração sobrevoa-nos lento em voo rasante, agarrando-se ao nosso pensamento como a doçura daquela manhã. É outro Deus, este. Um só céu, um só universo e já vamos em três deuses, todos eles, verdadeiros, puros, vingadores. Alcanço Castelnaud a meio da manhã e a neblina que se ergue do rio ainda não se desfez realçando o ocre das cores que protegem as paredes das casas da aldeia. Em redor do povoado, como um abraço, a ternura do verde a lembrar-nos que é possível a beleza esmagar a violência, mas esta ressurge a cada noite com os seus fachos de luz e de morte. Assim, chegou aqui pelas mãos do arcebispo de Bordéus que ocupou e destruiu o castelo com as ideias que este albergava. A pedra amarela vence o tom de verdura da colina onde se instalava o castelo de Peyrepertuse, vigilante e dominador sobre o vale que se estendia no seu horizonte. Aqui chegou em 1217 Simón de Monfort com as suas fogueiras, os seus incêndios e as suas cruzes divinas, devastando essas comunidades cátaras que viviam na pobreza, na austeridade de normas de continência alimentaria e de abstinência sexual, vestindo-se com humildade. O trabalho manual que elegestes como base da vossa economia e as vossas regras de justiça e verdade, assustaram os mandadores sem lei, apesar de invocarem a de Deus. Inocêncio III, pouco quis saber se o vosso objectivo era voltar à autenticidade da mensagem evangélica, considerou-vos uma peste e criou esse Santíssimo Tribunal da Inquisição. As fogueiras acenderam-se no Languedoc e arderam em Lavour, Lastours, Peyriac, Carcassone, Preixan, Limoux, Mirepoix, Lavelanet, Montsegur, Perpignan. Ardiam os cátaros, ardiam homens e mulheres que na sinceridade da sua ignorância se atreveram a discordar e procurar outro caminho. De pouco vos valeu que no silêncio do medo que se seguiu, celebrassem os vossos ritos nas clareiras dos bosques ou nas eiras das casas de lavoura para evitar que vos demolissem os vossos lares até aos alicerces e os convertessem em depósitos de lixo, pois cem anos depois ainda Jacques Fournier, bispo de Pamiers e futuro papa de Avinhão, vasculhava a privacidade dos habitantes da aldeia de Montaillou e enviava os últimos cátaros para a fogueira sagrada. As ruas da cidade maior daquela faixa estreita entre o Neguev e o mar encontram-se ainda pejadas de destroços, de casas, de ruínas, de sonhos, de esperança, de mortos. Sim de mortos, pois os judeus deixaram 1.300 pelas ruas e entre as paredes dos edifícios que derrubaram à bomba. Esses judeus que continuam a celebrar o seu privado holocausto, tão democráticos no seu viver, tão religiosos, tão puros, com tanta sabedoria divina e milenária, utilizam o seu exército de assassinos para semear o terror indiscriminado vinte e quatro horas por dia sobre essa que é a maior prisão do mundo. Agora calam-se, refugiam-se. Não de vergonha ou de medo, porque se sentem impunes, mas preparando o próximo braseiro onde vão incinerando há sessenta anos os palestinianos. Em nome de Deus, também e naturalmente. Retorno às paisagens que se abrigam na sombra dos cumes pirenaicos. Não consigo afastar de mim, nem as luzes das chamas, nem o cheiro dos corpos acabados de assar na pira da intolerância que se estendeu pela Europa durante cinco séculos. Os senhores prosseguem como vândalos a encher as tulhas da vaidade com a cruz do fanatismo e a espada da injustiça e continuam as suas perseguições, a abarrotar as masmorras de corpos de homens livres. Cobardes, escondem-se atrás de Deus. A noite já vai longa. Eu e a História, abraçamo-nos e com passos rápidos e silenciosos desaparecemos no sossego dos tempos que hão-de chegar.

PÁGINAS LIBERTAS


Sá Pimenta
Azulejos in Casa do Barreiro, Gemieira, Viana do Castelo



(a partir de Sá de Miranda – 1481-1558)
In Rosa do Mundo – 2001 Poemas para o Futuro)

“…
Do tempo em tal sazão, que soe ser fria”
em noite de Janeiro feita sofrimento
esperando em desespero o novo dia
crendo que virá então o novo alento.

Crendo que virá então o novo alento
que abrirá e transformará teu coração.
Deixando para trás profundo tormento
recuperando forças, combatendo a exaustão.

Exaustão que te deixa vazia e dormente
levando-te a pensares no precipício
precipício que é negro e fim de linha.

Que se transfira para ti força minha
para lutares e viveres radiante Solstício
com o vale fértil de girassóis, resplandecente.


PREVER O FUTURO

Mário Martins




É entusiasmante ler Kaku*. Depois de em 1997 ter publicado “Visões”**, em 2008 deu á estampa “A física do impossível”**. O que liga os dois livros é o facto de, em ambos, o autor fazer previsões sobre o que acontecerá no futuro próximo e longínquo em termos de ciência e tecnologia. Se em “Visões” Kaku explica o modo “como a ciência irá revolucionar o século XXI”, escalonando no tempo as descobertas e as tecnologias que se desenvolverão até ao ano 2020, entre 2020 e 2050, e depois de 2050 até ao fim do século, em “A física do impossível” vai mais longe, ao distinguir as tecnologias hoje consideradas impossíveis, mas que por não violarem as leis da física, poderão ser possíveis neste século, ou talvez no próximo, das tecnologias que se situam nos limites da nossa compreensão do mundo físico, as quais se chegarem a ser possíveis, poderão ser concretizáveis num horizonte de milhares ou milhões de anos, ou daquelas que, por violarem as leis da física conhecidas, se vierem a revelar-se possíveis, representarão uma alteração fundamental da nossa actual compreensão da física.

Mas como pode Kaku atrever-se a prever o futuro sem correr o risco de passar por charlatão ou mágico? Pelo seu conhecimento e estatuto científicos, certamente, mas sobretudo pelo facto de as suas previsões se apoiarem em várias dezenas de entrevistas a cientistas de topo nas várias disciplinas, que lhe deram a conhecer o que actualmente se passa nos laboratórios de investigação e a sua própria visão dos possíveis desenvolvimentos futuros.

Espero também não passar por charlatão se afirmar que, de certo modo, não só é possível como somos capazes de prever o futuro. Afirmações comuns como “logo à noite, por volta das 8, estarei a jantar”; ou “amanhã de manhã será dia outra vez”; ou, num nível complexo, as previsões meteorológicas, podem servir de exemplos de predição do futuro. Porém, o que, em rigor, fazemos não é prever o futuro mas sim afirmar a probabilidade, maior ou menor, de esses acontecimentos previstos ocorrerem. Por exemplo, a probabilidade de “amanhã de manhã ser dia outra vez” é de praticamente 100%, mas não estamos livres de um cataclismo cósmico nos roubar a luz do Sol e, com ela, a vida.

A ciência vai um pouco mais longe na predição do futuro já que nos diz que um dado fenómeno ocorrerá com certeza em determinadas condições. Mas não nos diz se essas condições ocorrerão. Kaku explica que a possibilidade de ver o futuro violaria a lei fundamental da causalidade, a lei da causa e efeito, já que os efeitos ocorrem depois da causa e não o contrário. Por isso, a precognição é das poucas coisas que ele considera que provocaria o colapso dos fundamentos da física moderna.



* Michio Kaku é professor catedrático de Física Teórica na Universidade de Nova Iorque e, na esteira do saudoso Carl Sagan, um grande divulgador de ciência.
** Editorial Bizâncio

PROCURANDO DESREGULAR-ME

Sá Pimenta

http://www.inkcinct.com.au/Web/CARTOONS

Reclamo um regulador para controlar as minhas obrigações domésticas. E estas tais que vão desde o meu envolvimento nas actividades muitas vezes reconhecidas como atribuídas à outra parte – questão de género -, até aquelas, também muito solenes e festivas, que apelam ao plano horizontal, ou não, em superfície a gosto do par.

Quero um regulador para vigiar meus comportamentos gastronómicos. E já agora vínicos.

Exijo um outro, qual sinaleiro, para me mostrar a luz vermelha perante os péssimos resultados dos controlos laboratoriais e dos exames dos gabinetes de radiação e irradiação. Até de outros que alguém – até eu, quem sabe - inventa que tenho de fazer. Creio assim ter uma mais forte probabilidade de, quando partir desta para melhor, ir cheiinho de saúde. O que me dará um gozo que já antecipo.

Gostaria de ter um outro regulador. Forte, valente, arrojado e proactivo (palavra bonita esta, não parece?). De uma sagacidade tal que nada lhe escapará sobre o mercado financeiro, acrescido com um permanente diagnóstico do estado da economia real. Claramente alguém muito melhor que o Madoff. E de cuja acção eu não poderei deixar de prever, com segurança, sublinho, prever com segurança, como melhor poderei fazer as minhas aplicações financeiras.

Já agora, um regulador para as questões culturais. Tarefa principal e árdua. Tendo em atenção o meu orçamento familiar e ciente dos meus gostos garantir as melhoras escolhas. Reduzo-lhe as dificuldades: espectáculos de bailado podem ser as últimas opções. Só se entender que a minha presença num ou noutro em particular irá assegurar benesse futura. Não precisa ficar preocupado com acusações que tempo adiante poderá ditar. Tipo, proporcionar favorecimento pessoal e corrupção activa ou passiva. Isto de ser activa ou passiva é importantíssimo. Tanto ou mais importante do que, naquelas relações ditas contra-natura, aquela posição ou melhor disponibilidade, ser activo ou passivo, parece ser fundamental. E se isso acontecer – as acusações… , para o que vai acontecendo, já não estarei por cá para assistir. E se estiver, arco com as consequências, na certeza porém que vou de tal maneira esticar a corda que estico eu ou estica o processo ou processos. Até à prescrição. Se ainda cá estiver e a prescrição não tiver ocorrido, consiga eu e ele – que não pense que se safa – arte e engenho para ainda aguentar a magnanimidade e eficiência da nossa justiça por muito tempo, È claro que, numa situação destas, extrema como é fácil de adivinhar, o discípulo do Madoff já me tinha conseguido encaixe financeiro tal, sem qualquer sinal de enriquecimento ilícito – vade retrum – que todos argumentos, instrumentos, vírgulas e as suas ausências, seriam utilizadas em defesa da minha honra e bom nome. Isto não é cultura regional, não senhor, de todo. Muito mais pequenos focos de manifestação de poder pacóvio, só isso. Nada de novo, de resto. E neste deambular perdi-me na definição do perfil do meu regulador cultural. Decidido que, bailados, só naquela situação. Depois dos bailados e no sentido ascendente, alguma música dita erudita – teríamos que conversar caso a caso, também não. Claramente fora da lista vernissages. Alto aí, uma excepção. Só se estiver prevista a presença de uma daquelas figuras. Das tais que possam ajudar numa situação futura. Estão a ver? Já estou cansado de falar do regulador cultural.

Vamos lá ver se arranjo um outro para me pôr nos eixos. Ah! Lembrei-me. Um regulador motorizado. Não, nem vem de mota, nem de lambreta, nada disso. Este vai estar atentíssimo a gestão da minha frota automóvel e colecção de motos. Tudo que ela implique. Limpeza, manutenção, compra, venda e já agora dos seguros. E se ele quiser inventar mais uma outra tarefa que avance.

Finalmente, ia-me escapando um outro que é crucial no meu equilíbrio sistémico – esta palavra também é bonita, não é? Então este, em termos de exigências de atenção perante tudo que o rodear, terá de ser “o maior”. Irá estar, unicamente, preocupado com as situações das minhas relações familiares e de amizade. Prioritariamente, é evidente, com o imediato círculo familiar, e depois, alargando o âmbito de intervenção até reencontrar o meu velho amigo da tropa, o Antunes da Meia-Via, no Entroncamento.

Já viram a quantidade de postos de trabalho que irei criar. E tudo com pessoas que irão dar valor acrescentado ao meu ser. Isto garantidamente. Com esta equipa de notáveis poderei concretizar um velho sonho. Demitir-me da vida. Mas tenho que ter cautela, pois às tantas eles não regulam nada. E poderei ir mesmo para o outro lado ou bato com os costados numa choldra. Então a melhor solução é contratar o regulador dos reguladores. Então sim. Estava prontinho, de todo, para a desregulação.

Mas…porra. Eu quero viver. Eu quero Vida. Chatice, Vou ter de resolver este conflito existencial. Aí vem mais outro regulador. Isto não pára, é?

DAS TUAS MÃOS

Cristina Guerreiro


As tuas mãos estão tão parecidas com as do teu pai.

A partir daquele dia várias vezes ao dia olhava para elas, observava as pintas que aos poucos os anos vão salpicando pelo dorso das mãos. Tentava lembrar-se das que lhe tinham servido de original, se as pequeninas manchas também tinham procurado no mesmo sitio assento bom para ficar, por vezes fechava os olhos, via essas mãos grandes maiores ainda, as suas pareciam encolher-se e desaparecer num rolo apertado dentro daquele ninho mantendo-as quentes.

O pai tinha sempre as mãos quentes. Nunca soube como ele fazia aquele truque, mesmo com muito frio as mãos eram sempre quentes. E fortes, conseguiam abrir qualquer frasco, puxar as cordas dos baloiços, partir paus e outras coisas assim.

Grandes e fortes.

Abraçavam para dentro do peito. Por vezes doía de tanto.

A partir daquele dia e várias vezes ao dia olhava as suas mãos.

Escreveu sobre as mãos do pai, o que elas tinham feito, dessas pintas salpicadas que chamam o tempo, das funduras entre os ossos onde se contam os meses do ano.

Percebeu que as mãos eram tão parecidas com as dele porque lhe guiavam o lápis no caderno a desenhar as letras. Eram um decalque de amor.


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