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01/07/08

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APONTAR A MÁSCARA

António Mesquita

Charles Baudelaire por Courbet



"Prefiro contemplar alguns cenários de teatro onde encontro, artisticamente tratados numa trágica concisão, os sonhos que me são mais caros. Estas coisas, por serem falsas, estão infinitamente mais próximas do verdadeiro, enquanto a maior parte dos nossos paisagistas são mentirosos, precisamente porque descuram a mentira."

Charles Baudelaire (citado por Walter Benjamin in "A Modernidade")



Como deveríamos chamar a este efeito da mentira ou do artifício que se nos apresenta como tal, desistindo de se introduzir de contrabando como verdade, verdade a que não pode aspirar por prescindir à partida de quem o leia e o interprete?

Isto tem, sem dúvida, algo do "larvatus prodeo" de Descartes. Eu avanço mascarado e apontando para a máscara, como se dissesse: este não sou eu. Nenhuma aparência pode pretender representar a realidade, e é por isso que a máscara diz a verdade, mentindo.

Ou então é o efeito de distanciamento concebido pelo teatro de Brecht. A empatia com o público deve ser a todo o momento interrompida, com o dedo que aponta a máscara: cartazes com legendas, infracções ao ritmo dramático ou inversão da relação do público e da cena. É a ética da vigilância crítica e do didactismo revolucionário que estende ao público burguês a sua teia de má consciência e, no fundo, fazendo-o pagar duas vezes pelo espectáculo.

A verdade na arte nunca se pode, pois, atingir directamente e, de resto, a ética não tem aqui sentido.

A verdade a que a arte pode aspirar é a da percepção individual dos limites, essa fronteira entre o que sentimos como um acréscimo de mundo e de inteligência para o compreendermos e a experiência do continuum, do que já, por assim dizer, passou à história.


Início

OS CAVALEIROS DO ASFALTO

Mário Faria
A greve dos camionistas


A paralisação dos camionistas, sob o alto patrocínio de uma auto-proclamada comissão organizadora, incomodou-me e fez-me recordar o Chile, a CIA e Pinochet. Incomodou-me o silêncio dos Sindicatos (salvo do Carvalho da Silva que tomou uma posição correcta, como sindicalista esclarecido que é) e o apoio (ainda que silencioso nalguns casos) de todo o espectro partidário, à luta dos valorosos cavaleiros do asfalto.

Dizia um entrevistado, muito revoltado : “… como vamos trabalhar ? Com café, leite e pão, ainda andamos, mas sem carro, não vamos a lado nenhum…”, enquanto uma senhora com o carrinho cheio de compras, exaltada comentava: “…eles estão a lutar por nós…a maioria está adormecida, mas estes estão a revoltar-se e fazem bem…“ .

Incomoda-me este tipo de argumentos e incomoda-me que a comunicação social desvalorize sistematicamente o trabalho dos partidos e dos políticos e valorize este tipo de “reality show” em directo, com os cromos mais à mão.

Com o apoio mais que suspeito de quase toda a opinião publicada, incomoda-me que dois ou três arrivistas tenham conseguido organizar uma paralisação, imposto a sua vontade de forma arrogante e tenham parado o país, o que conseguiram parcialmente. Ou será que estou enganado e devo conformar-me, uma vez que esta classe política, que nos governa e que apenas admite os incapazes e os capazes de tudo, estava mesmo a pedi-las ?

Mas, afinal, para além do sucesso mediático, que mais conseguiram os camionistas ? Nada de particularmente relevante, pelo que li. Os meios, terão sido, afinal, os fins que os promotores tinham em vista. Uma manifestação de força, a ameaça de poder parar o país e, pelo caminho, pesar a capacidade de resposta do Governo e aproveitar a vaga de fundo para humilhar o executivo e fragilizar o PM, que vai perdendo o brilho e a vantagem para a concorrência.

Coincidência ou não, a esta paralisação que foi o auge da crise petrolífera, antes da silly season, sucedeu o Congresso do PSD/PPD. Manuela Ferreira Leite, com meia dúzia de chavões, viu a sua figura fortemente revigorada, em função do da boa imprensa que tem e da forte propaganda que a SIC lhe concedeu. O PSD corre mais forte para suceder ao PS.

Não é, todavia, o menor brilho do PM e a notoriedade de Manuela Ferreira Leite que me tiram o sono. Incomoda-me esta incapacidade do Governo de saber usar a autoridade que lhe é conferida democraticamente. Incomoda-me esta incapacidade de saber separar as águas, por parte da oposição de esquerda.

Habituei-me a ouvir o apelo à unidade na acção entre trabalhadores, intelectuais e pequenos e médios empresários, contra o capitalismo monopolista e a exploração, mas incomoda-me que não houvesse uma descolagem clara da esquerda em relação a este movimento, porque concordo, inteiramente, com José Miguel Júdice quando escreve: “… a acção dos camionistas é protofascista …. os movimentos de pequenos patrões em cólera, liderando os seus trabalhadores numa espécie de corporativismo de base, habitados por violência e sem enquadramento ideológico e estratégico, nunca se traduzem num avanço do “proletariado”, mas numa futura instrumentalização – quiçá paradoxal – por uma liderança autoritária e populista, que acaba por fazer recuar o processo de emancipação social…”


LUGARES

Alcino Silva

Miguel Torga (1907/1995)

Há lugares que não conhecemos, mas conseguimos que a imaginação os construa à medida do que supomos. Há outros lugares que quando os conhecemos superam as nossas expectativas. Há ainda lugares que não os conhecemos, mas que nos seduzem no primeiro momento da chegada e essa sedução mantém-se de forma crescente para o resto do tempo que vivemos.
Pitões das Júnias é uma aldeia que fica em plena montanha, ligeiramente protegida, mas praticamente aberta, ao vento, ao frio e à inclemência do sol no Verão. Povoado fronteiriço nas agruras dos picos mais agrestes do Gerês, esteve sempre afastado da vida e dos homens. Se sobreviveu aos séculos, não deixou de pagar o preço de um isolamento que a deixava a muitas horas de marcha da vila sede de concelho. Esse isolamento acabou por a preservar dos olhares e da maldade do progresso, oferecendo-nos hoje ao olhar a beleza e o passado de aldeia comunal.
Caminhando nas suas imediações, encontramos a cerca de 20 minutos uma garganta estreita ainda mais isolada e que apesar do seu aspecto idílico não engana quanto à dureza de se ali viver. O ribeiro corre por entre as pedras em saltos de divertimento mas apressados adivinhando já um pouco abaixo a queda através da qual se precipita em enxurrada destruidora. Na margem esquerda a terra ergue-se, em espaço dividido com as pedras, montanha acima, não deixando que a cultivem. Na margem direita um espaço mais amplo parece atrair os homens para o cultivo ou para a pastagem do gado. Contudo, longe da aldeia não se pode dizer que é um lugar acolhedor e cativante para além do romantismo que carrega a beleza da paisagem. Se é assim hoje, suponha-se há mil anos atrás quando a própria aldeia se presume misérrima e tudo à volta devia acumular solidão e mais solidão.
Pois foi neste cenário que em 1147 terá nascido em pedra dura e áspera o mosteiro beneditino de Santa Maria das Júnias. Oito séculos passados ali encontramos em ruínas que nos sangram a alma, a igreja com a traça românica de então e riscos góticos posteriores, e o edifício monástico onde ainda se consegue perceber o claustro, com os seus quatro lados que, segundo um Guia do Mosteiro das edições Die Apfel, representavam os momentos da «leitura divina», a leitura, a meditação, a oração e a contemplação. Visíveis são também as ruínas da sala do capítulo, da sacristia, das celas, das dependências e da cozinha. No exterior e na margem esquerda, o moinho dava consistência a uma parte da alimentação dos monges. Diz-se também no Guia citado que este lugar “reunia as condições necessárias à vida cenobítica no rigor de Cister: Silêncio, afastamento de povoados, proximidade de um fio de água e terra suficiente para ser trabalhada para o alimento da própria comunidade. O Mosteiro tinha condições de auto-suficiência na pobreza e na simplicidade da vida. Até a produção de lã, que não era tingida em sinal de pobreza e se usava para tecer e fazer os hábitos brancos dos Monges, era proveniente da criação de carneiros dentro da propriedade”.
A visita ao lugar faz-nos parar e viajar no tempo. Ali em contemplação percebemos que toda a grandeza do presente perde sentido face à vida que se pode imaginar dos monges nos séculos que ali passaram até ao fim da época feudal. O silêncio, a solidão e uma vivência quotidiana de trabalho carregado pelo isolamento, só podia encontrar repouso na contemplação da paisagem terrena e celestial. O olhar dos que ali viviam dividia-se entre o verde da terra e o azul do céu e num espaço com esta dimensão o seu pensamento só podia de facto encontrar consolo em Deus que se estendia, certamente poderoso e divino sobre as suas cabeças e as suas vidas. Pensarmos no êxtase que seria no amanhecer da montanha escutar os cânticos gregorianos dos monges a domar as pedras e a abraçar as árvores, deixa-nos por completo presos na alegria de perceber a vida.
Miguel Torga visitou o lugar em 1983 e na grandeza das suas palavras deixou-nos uma mensagem, ao mesmo tempo real e bela, da terra e dos homens. “Só vistas, a aspereza deste ermo e a pobreza do mosteiro desmantelado”. De facto, só uma visita sem tempo marcado ao local nos permite, mais que ver, sentir, a dimensão da vida no esforço para a tornar sem mácula, ou pelo menos, mais pura, na prevenção de um lugar na eternidade. Continuou Torga: “Mas canta dia e noite, a correr encostado às fundações do velho cenóbio beneditino, um ribeiro lustral”. Esta persistência do ribeiro apesar das ruínas que foram crescendo em torno de si, este cantar eterno, como um galope de alegria pela vida. Como escreve o poeta, «dia e noite». De seguida, certamente arrastado pela contemplação extrema que o lugar oferece, o poeta fala de si integrando-se no conjunto, fazendo também ele parte viva de algo que se reconstrói na memória do presente mas já não existe: “E o asceta e o poeta que se digladiam em mim, de há muito peregrinos desta solidão, mais uma vez se conciliam no mesmo impulso purificador, “. É verdade, a permanência naquele estreito de terra entre dois pedaços da montanha arrastam-nos para essa sensação de purificação da alma, de um bem-estar que só pode ser alcançado num território onde o ermamento nos permita esse diálogo com o mais profundo dos nossos sentimentos. E continua ainda: “a invejar os monges felizes que aqui humildemente penitenciaram o corpo rebelde e pacificaram a alma atormentada”. Que acrescentar à beleza desta descrição de um passado, de um tempo que ali nos é possível reconstruir e deixar que a imaginação viaje? Penitenciar o corpo e pacificar a alma era certamente o que se alcançava entre o verde e o azul, entre olhar para o chão ou olhar para o espaço e mais que olhar, sentir a terra e ver o céu. Miguel Torga termina este seu pequeno texto inserido na pág. 62 do Diário XIV com palavras que explicam o que acaba de nos dizer: “O corpo a magoar-se contrito no cilício quotidiano da realidade e a alma a ouvir de antemão, enlevada, a música da eternidade”. Este é o momento em que nos rendemos à extraordinária beleza da descrição do poeta que nos deixa num voo, leve e voluptuoso por entre a penedia da cascata que adiante se lança em voo largo sobre o carvalhal que abaixo a aguarda.

A PROPÓSITO DA NOVA CRISE PETROLÍFERA

Mário Martins

http://www.edinphoto.org.uk/

A dependência
Portugal importa, pelos indicadores de 2005, cerca de 85% de toda a energia primária que consome, representando o petróleo quase 60%.
As soluções não são óbvias. Para além do desenvolvimento necessário da energia da água, do sol e do vento, e dessa “nova energia” chamada eficiência energética, resta a aposta na energia nuclear (que abordarei no próximo número). No entanto, todas estas fontes de energia, a água, o sol, o vento e a nuclear, destinam-se, basicamente, a produzir electricidade, não se aplicando, na época actual, à generalidade dos transportes e a diversas actividades industriais (plásticos, p. ex.). Pode-se, também, investir mais no gás natural para produção de electricidade, mas isso apenas diversifica e não diminui a dependência.
A eficiência
Embora, pelos indicadores de 2004, Portugal consuma menos energia por habitante (0,106) do que a União Europeia (0,165) e do que, por exemplo, a Espanha (0,159) ou a Grécia (0,136), a verdade é que tem um problema de “intensidade energética”, factor que estabelece a relação entre a energia dispendida e a produção nacional (PIB): nos últimos 20 anos o aumento médio do consumo de energia foi superior a 4% ao ano, ou seja, aumentou sistematicamente a um ritmo superior ao crescimento da economia. Em 2005, apesar do crescimento do PIB ter ficado abaixo de 1%, o consumo de electricidade cresceu quase 6%.
Para além, naturalmente, de maior crescimento económico, a primeira coisa que Portugal tem que fazer é apostar na eficiência energética, a qual, segundo os especialistas, pode levar à redução de cerca de 20% da energia utilizada no país.
Em primeiro plano têm que estar medidas de poupança de energia não só ao nível da construção, restauro e utilização de edifícios, como ao nível dos transportes. Em Portugal tem imperado a lógica do transporte rodoviário e individual. É preciso agora investir no transporte público, privilegiando o movido a electricidade, e distinguir o que é efectuado ao serviço da economia, do transporte particular. E é preciso, também, investir na investigação e inovação.
O ambiente
Portugal não conta para a solução ambiental do planeta. Pelo último indicador conhecido (2006), emite uns insignificantes 0,2% do dióxido de carbono mundial. Em 2004, só os EUA e a China emitiram, juntos, cerca de 40%. Somando a Rússia, Japão e Índia, emitiram cerca de 55%. A União Europeia (2006) emite cerca de 16%. Em 2004, o país da UE com maior emissão foi a Alemanha (3,2%). Mesmo a França, que é o 2º. maior produtor de energia nuclear, a seguir aos EUA, emitiu 1,5%. Em conjunto, 23 países emitiram 82% e os restantes 192 países emitiram 18%. Em termos de emissão de CO2 por habitante, Portugal tinha, em 2004, um rácio (6,0) claramente inferior ao da Grécia (10,0), de Espanha (9,0) e, em 2003, da União Europeia (9,0). O país da UE com pior índice, em 2004, é a Holanda (16,4).
Isto não quer dizer que Portugal não deva procurar cumprir os seus compromissos e os objectivos de melhoria ambiental, quanto mais não seja porque isso implicará menor dependência, maior eficiência e melhor educação.
FONTES: - Estatísticas oficiais do governo americano.
- “NUCLEAR-O debate sobre o novo modelo energético em Portugal”, de Jorge Nascimento Rodrigues e Virgílio Azevedo, Ed. Centro Atlântico – Nov2006.

TEMPOS DIFÍCEIS

Manuel Joaquim

José de Almada Negreiros


As primeiras cinco décadas do século passado foram muito difíceis para a maioria da população portuguesa por falta de trabalho, de alimentação, de habitação, de saúde e de tudo o resto.

No período da 2ª guerra mundial, alguns produtos alimentares, como as farinhas, o azeite e o açúcar, eram racionados, através da atribuição de cadernetas e de senhas de racionamento. Os combustíveis também eram racionados. As pessoas com mais dificuldades vendiam os produtos comprados com as senhas de racionamento para comprar, com o dinheiro conseguido, outros produtos alimentares mais necessários para as suas famílias. Alimentavam e alimentavam-se do mercado negro. Em muitas casas foi o tempo em que uma sardinha era para três pessoas. A carne estava praticamente ausente das refeições. Comia-se o caldo de unto, com couves do quintal, produtos duma produção doméstica. Uma parte significativa da população andava descalça, especialmente as crianças e as mulheres. Os socos, as chancas e as alpercatas passaram a ser usadas com a proibição de andar descalço na via pública, sendo a infracção sujeita a aplicação de multa pela polícia.

Com a instauração da república o ensino em Portugal evoluiu significativamente. Mas com a instauração do fascismo o ensino obrigatório não era tão obrigatório quanto isso. Nos primeiros tempos a grande maioria da população trabalhadora era analfabeta e quando os seus filhos frequentavam a escola não passavam do 1º grau da instrução primária que correspondia à 1ª e 2ª classes, primeira fase do ensino obrigatório, ensinada em grande parte do território por regentes escolares. Os portugueses só precisavam de saber ler, escrever e contar….

Com oito e nove anos e às vezes com menos idade, muitas crianças entravam no mercado de trabalho, abandonando a escola e às vezes a própria família, pois tinham de produzir para o seu próprio sustento. Enveredavam pelas profissões dos pais e de outros familiares por ser mais fácil. Quando havia um pouco mais de desafogo financeiro da família e alguns conhecimentos, procuravam uma profissão de maior qualificação mas não raras vezes tinham de pagar para aprender.

Os rapazes quando pretendiam uma féria para entregar à mãe para governar a casa, o mais certo era irem para moços de trolha. Começavam por carregar tijolos e a gamela da massa à cabeça. Os que eram oriundos das zonas da Maia, dos Carvalhos, Avintes, Perosinho e Sandim vinham muitas vezes a pé trabalhar para a cidade do Porto e regressavam a casa ao fim do dia pela mesma forma, com bom ou mau tempo.

Nos anos 50, muitas semanas só tinham três dias de trabalho em consequência da crise que se vivia e os operários só recebiam os dias que trabalhavam pois não beneficiavam de subsídio de desemprego, apesar de já estar institucionalizado e existir a respectiva tributação a que estavam sujeitos os trabalhadores e os patrões.

É evidente que com os filhos das classes abastadas nada disto se passava. Os grandes colégios internos e externos floresciam. O ensino primário era ministrado particularmente no próprio domicilio dos alunos. Tocar piano e falar francês ou alemão era sinal de classe social.

A existência, hoje, de concorridas escolas estrangeiras, evidencia condições de aprendizagem e de educação muito diferentes para as nossas crianças e jovens.

Uma parte significativa da actual população activa portuguesa conheceu directa e indirectamente estas condições de vida. São estas camadas sociais que estão agora a sofrer as consequências da crise que presentemente estamos a viver, que não é só económica e financeira.

Em que condições são instruídos e educados os seus filhos? Qual será o seu futuro?


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