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02/01/19

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ANO NOVO, VIDA VELHA

Mário Martins



https://www.google.com/search?q=ano+novo+imagens

“O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol.”
Eclesiastes


Agora que, como ouvia aos velhos de outrora, vou testemunhando, até que o inverso se consume, o desaparecimento de pessoas da minha geração, ocorre-me aquela afirmação bíblica de que “nada há de novo debaixo do sol”. Num tempo em que vivemos uma acelerada bebedeira tecno-digital, que nos faz passar pela cabeça a vertigem da imortalidade e da eterna juventude, e que torna o futuro próximo cada vez mais imprevisível, podemos, paradoxalmente, dizer que tudo muda mas, afinal, nada muda? 

Quando afirmamos que tudo muda referimo-nos às condições de vida que, para não dizer desde os tempos bíblicos, tanto mudaram nas últimas cinco ou seis décadas: a tecnologia deu saltos exponenciais, a esperança média de vida em Portugal aumentou 17 anos, o trabalho alterou-se dramaticamente, o lazer e o turismo ocuparam cada vez  mais a nossa vida, o nível médio de bem estar subiu de patamar. O futuro, esse, adivinha-se vertiginoso e mais inesperado do que nunca.

No entanto, a um nível que podemos qualificar de essencial, nada mudou: continuamos a não saber o sentido da existência do todo de que fazemos parte; tal como os nossos antepassados e os outros seres vivos, todos morremos mais cedo ou mais tarde; o sofrimento continua a ser o reverso do bem estar, um e outro desigualmente repartidos; a estupidez mais insana continua a ofuscar o brilho da nossa inteligência, tão natural uma como a outra. 

É por isso que, como tudo muda e nada muda, é tão apropriado dizer “ano novo, vida nova”, como “ano novo, vida velha”…

NO CORRER DOS DIAS


Marques da Silva



Estou num desses momentos inesquecíveis em que me deixas espreitar a beleza do mundo que se esconde no interior do teu olhar. Deslumbrado, ouço-te dizer que vivemos dias de festa, de harmonia, de paz, tempo de pensar ainda mais nos outros, sobretudo naqueles que amamos e que acabam por ser o nosso amparo na rudeza agressiva dos obstáculos que a vida sempre semeia pela mão da maldade humana. Sigo o teu conselho e procuro tudo o que de positivo pode ser lembrado. Mas, diz-me, já que em ti tudo é formosura, enternecimento, delicadeza, como posso viver em harmonia, valorizar a paz se quando fecho os olhos, me aparece, como um ferro a arder, a escaldar os sentimentos, a esmagar-me a vontade, o frágil e pequeno corpo de Alan Kurdi numa praia turca. Que serenidade nos mostra a foto, quantas lágrimas correram pela face da mulher que fotografava para que o mundo não pudesse descansar, não ter tempo de festejar, enquanto aquele pequenino corpo jazia com o rosto a ser beijado pelas águas do Egeu e as sua s débeis pernas sobre a areia, num último sono, enquanto do outro lado do Atlântico, Hillary Clinton, a incendiária da destruição da Síria, ria, em riso aberto, enquanto dizia num grande contentamento, «chegamos, vimos e ele morreu». Assim, referindo-se à Líbia que sepultada numa catástrofe, deixava de ser um Estado para ser a terra de todos os crimes. Hillary, pirómana inflamada, ria, feliz, abertamente satisfeita, da morte de Kadhafi e de Alan Kurdi, enquanto este regressava à terra Síria de Kobane para jazer para todo o sempre, enquanto me incinera de impotência a consciência por não ter agido contra um mundo que impediu que aquela pequena alma chegasse a ter sonhos. Suponho que Hillary continua hoje a rir perante a morte aos milhares das crianças iemenitas que as bombas americanas enterram nas areias da milenar terra de Saná, na fronteira do Mar Vermelho e do Índico. Morrem pelo fogo das bombas assassinas e da fome impiedosa desta guerra esquecida e ignorada. Abre os teus olhos, deixa-me entrar na profundidade desse teu olhar tão puro, onde a maldade não consegue lugar, para tentar apaziguar a alma dorida, tentar apagar todo este incêndio que perturba as minhas madrugadas sem sono e me aparece, cheio do gozo, do riso da Hillary, também pelos milhões de afegãos mortos para ao fim de dezassete anos o exército milionário do seu país erguido sobre os ombros de um imenso genocídio, vir dizer que não é possível vencer a guerra contra o exército de fanáticos esfarrapados. Entretanto, quem faz renascer os milhões de mortos semeados na terra afegã? E quando tento fugir das praias turcas, aparece-me a coragem da jovem Ahed Tamimi a desafiar o exército judeu, autor do holocausto palestiniano, essa monstruosidade que, com a nossa omissão e complacência, foi sendo erguida ao longo de setenta anos. Não há exemplo de um outro Estado cuja totalidade da sua história, seja feita de guerras, de crimes, de indignidades, de campos de concentração, do incumprimento de todas as resoluções das Nações Unidas. No meio da noite chegam-me os gritos de Maria Mharta Brea a jovem médica raptada pelo estrume do exército argentino, à luz do dia, no hospital onde exercia e desaparecer para todo o sempre. Só trinta e quatro depois, soubemos que resistiu sessenta dias às torturas nesse antro de bestialidade humana que foi a Escola Mecânica da Armada e enterrada numa vala comum. Sim, desejava viver num tempo de paz e harmonia, mas diz-me como fazê-lo se quando fecho os olhos à procura de sonhos, de infinitos, da ciência à pesquisa de estrelas, só me aparece aquela face direita do menino Alan Kurdi deitada sobre a areia daquela praia que a foto imortalizou, retirou o som e lhe dá um silêncio que não consigo ouvir? Porque é que dentro da minha alma nocturna não ouço os sinos de Tchaikovski a celebrar a vitória em Borodino, mas antes o Dies Irae de Mozart a fazer-me sentir culpado por viver num mundo assim e quando tento fugir, perseguem-me os sinos que dobram, que Hemingway perpetuou, que dobram pela humanidade e por mim?

O início é sempre o mais penoso. Sabemos tudo, mas a primeira palavra não chega. O tempo, talvez o tempo. Não o que passa por nós e nos arrasta, mas o outro, o que não controlamos e chega do céu. Veio com os seus pingos minúsculos, molhados, inserindo-se no corpo e na alma, varrendo de cinzento a luz. O grito das gaivotas explode nos ouvidos e à alma dorida, junta-se a do corpo com os seus batalhões de frio e prostração. E não vi o primeiro entardecer da Primavera, penetrando pela noite. À alma derrotada juntou-se o corpo vencido.

O primeiro-ministro português, no Natal, foi visitar as tropas portuguesas no…, Afeganistão. Que pátria, estarão ali a defender os soldados a quem pagamos? O exército alemão admite a possibilidade de contratar soldados de outros países por falta de voluntários alemães! Para já, são médicos polacos. Há uns anos atrás, chamavam-se mercenários. Agora devem ter outro nome. A democracia tem tantas vitalidades!

PARA A HISTÓRIA DO FCP

Manuel Joaquim

Ao fazer arrumações encontrei entre papéis velhos diversos números do primeiro Boletim do Futebol Clube do Porto, cujo número 1 é de Outubro de 1945. 

Encontrei também a publicação do emblema do FCP, em tamanho A4, com a fotografia de Artur de Sousa, e com o pensamento “Fraquejaram os músculos, mas o meu coração continua a lutar pelo Clube, pelo Desporto e pelo Porto – Artur Souza 7-7-946”. O primeiro jornal tinha-lhe rendido uma homenagem. Quando eu era criança cheguei a ouvir conversas de muita admiração pela grande qualidade desse jogador. No seu tempo provavelmente o melhor jogador português. 

A partir do 3º número do Boletim, é contada em folhetim a História do Futebol Clube do Porto, por Camilo Moniz. O papel de José Monteiro da Costa e do seu “Grupo de Destino”, todos republicanos em tempo de monarquia, o primeiro campo de jogos na Rua de Antero de Quental, antiga Rua da Rainha, a influência dos clubes ingleses e dos seus equipamentos. 

Publico algumas páginas do Boletim para melhor apreciação.
  











SÍLVIO E OS OUTROS

António Mesquita

Sardenha, as orgias de Sérgio Morra (Riccardo Scarmacio), na vivenda em frente, com as suas raggazze dispostas a tudo, para atrair as atenções de Berlusconi. O contrato para uma escola conseguido graças a uma embuscada sexual a bordo.  Na primeira parte, algo enfadonha, ouvimos falar dessa espécie de Rei-Sol duma fauna decadente que chafurda no sexo e na droga. Os seus (loro) admiram o poder e o carisma do personagem.

Um terço do filme decorrido (esta é uma versão reduzida) surge, enfim, o ídolo tão cortejado, Sílvio Berlusconi (Toni Servillo), que nos surpreende pela complexidade do retrato. Não é a imagem do palhaço que prevalece, essa com que nos deixou a comunicação social naqueles anos. O homem na intimidade não força a admiração, mas está para além da caricatura. Não somos ingénuos para achar que esse é o Sílvio 'verdadeiro', mas ele tem o carácter e  a vitalidade duma grande figura de ficção. 

Verónica (Elena Ricci), a mulher que lê. Por fim, o assediante é convidado com as raggazze para a vivenda de Sílvio. A jovem de 17 anos que lhe diz que o seu hálito lhe lembra o do avô: nem perfumado, nem desagradável, de velho.

Para fazer cair o governo, compra seis senadores, com a mesma técnica do 'sogno e desiderio' com que vendia apartamentos. Por essas e por outras, Verónica pede o divórcio, mas confessa que esteve sempre apaixonada.

Regressa ao governo e rebenta o escândalo da corrupção dos seis.  O terramoto de Aquila (Abril de 2009) parece um castigo divino. Sílvio visita os desalojados e promete construir apartamentos para todos e pagar uma dentadura a uma anciã.

Mas o homem que 'nunca se ofende' e que crê que o melhor meio de servir o egoísmo é ser altruísta, está triste. Abandonado pela mulher, acossado pelos processos judiciais, todos o impedem de continuar a ser jovem e a fazer projectos.

Já sem convivas na sua villa, provoca mais uma erupçãozita no seu vulcão-miniatura.

Já se comparou esta abordagem ao mundo circense e às máscaras de Fellini. A personagem 'morde' pelo patético da sua situação. O vazio é o seu verdadeiro 'toque de Midas', porque cria o vácuo à sua volta. E não é esta a espécie de maldição do poder?

Enquanto o genérico se desenrola no final, assistimos às cenas de salvamento em Aquila. Cenas mudas, quase fantasmáticas. A certeira demonstração da máxima berlusconiana sobre o altruísmo. O paradoxo ilustra de facto a falência do social e o barbarismo do magnata dos mídia e do seu mundo.

Mais do que um retrato do 'Cavaliere', é a própria Itália desse período e o poder inexplicável de um tal homem que nos confronta.

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