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01/12/10

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COPÉRNICO, GALILEU E BELARMINO

Mário Martins


A leitura recente de um estimulante livro* deu-me a conhecer, não sem surpresa, a diferente estratégia de defesa, perante o brutal espírito censório do poder da época - sumamente representado pela Congregação do Índex (Inquisição) -, da teoria heliocêntrica, adoptada pelos seus paladinos mais famosos, o matemático, astrónomo e cónego polaco, Copérnico, e o matemático, astrónomo e homem de fé toscano, Galileu.

Com efeito, Copérnico “embrulha” a sua revolucionária obra, Acerca das Revoluções dos Orbes Celestes (cuja primeira publicação, depois de 36 anos de um constante protelamento, remonta a 1543, ano da sua morte), numa língua, o latim, não usual, prestando-se, assim, “à concretização de um velho princípio pitagórico: a praça pública, onde o vulgo domina, não constitui o lugar adequado para a divulgação das descobertas dos sábios”; “recorre às fontes da Antiguidade, (…) o seu prefácio, em particular, está enxameado de referências às opiniões heliocêntricas de pensadores pitagóricos”; usa um grande “aparato paratextual: o encómio do Cardeal de Cápua; a dedicatória a Paulo III, um pontífice com formação matemática; o prefácio do próprio Copérnico: “Ao ponderar, pois, estas razões comigo mesmo, o desprezo que eu deveria recear por causa da novidade e do absurdo da minha opinião (heliocêntrica) tinha-me levado quase a interromper por completo o trabalho começado”; por fim, o livro é publicado com uma nota introdutória do seu editor (e não de Copérnico, como se julgava ao princípio), Andreas Osiander, um pregador protestante seguidor de um Martinho Lutero que apelidava Copérnico de “louco que pretende inverter toda a ciência da astronomia”. Da introdução de Osiander destaca Eurico Carvalho: “verificarão que o autor desta obra nada fez que mereça repreensão”; “Nem tão-pouco é necessário que estas hipóteses sejam verdadeiras nem até sequer verosímeis, mas bastará apenas que conduzam a um cálculo conforme às observações”; “E se imagina algumas, pois certamente imagina muitas (causas dos movimentos aparentemente não uniformes), não o faz de maneira nenhuma com o objectivo de persuadir alguém de que as coisas são assim, mas apenas para conseguir uma base correcta de cálculo.”; “E ninguém espere da Astronomia qualquer coisa de certo no que respeita a hipóteses porque ela nada pode garantir como tal.

Em suma, a teoria heliocêntrica de Copérnico é apresentada como uma hipótese e não como um facto, colocando-se, desse modo, nos limites da interpretação protestante, que “perspectivava a hipótese heliocêntrica como uma mera, ainda que útil, ficção teórica”, e da censura católica, personificada, ao tempo de Galileu, pelo Cardeal Belarmino, que considerava que a hipótese heliocêntrica, “embora fosse mais simples do que a ptolomaica, não passava disso mesmo, uma hipótese, sendo apenas susceptível de ser ensinada como tal, ou seja, como uma proposição de que não havia provas irrefutáveis”.**

Mas Galileu, que rejeita publicamente a leitura anti-realista do heliocentrismo, envereda por outro tipo de defesa: “O motivo que (os meus adversários) apresentam, em primeiro lugar, para condenar a opinião da mobilidade da Terra e da fixidez do Sol é o de poderem ser lidas nos textos sagrados muitas passagens que afirmam mover-se o Sol e estar imóvel a Terra. (…) A propósito deste raciocínio, é preciso, antes de tudo, considerar que há, com efeito, piedade e sabedoria em dizer e sustentar que a Escritura nunca pode mentir, mas sob condição de que seja bem conhecido o seu verdadeiro sentido. Ora, não penso que seja possível contestar que o sentido da Escritura é frequentemente obscuro e muito diferente do sentido literal. (…) Parece-me por isso que, na discussão dos problemas da Física, não se deveria tomar por critério a autoridade dos textos sagrados, mas as experiências e as demonstrações matemáticas.”

Segundo Anthony Kenny***, “Há nesta troca de palavras uma agradável ironia, pois o físico se revela melhor crítico bíblico, enquanto o cardeal se revela melhor filósofo da ciência”.

Seria, aliás, contra o “frequentemente obscuro e muito diferente do sentido literal das sagradas Escrituras”, apontado por Galileu, que, quatrocentos anos depois, o nobel Saramago viria, com estrondo, embater.  






* “Porque nos interessa a Filosofia”, uma colectânea de artigos de vários autores, coordenada por Maria Manuel Araújo Jorge (em particular, do texto “Entre Eternidade e Tempo: Ciência e Narrativa. Em torno das Ideias de Cultura, Tradição e Progresso”, de Eurico Albino Gomes Martins Carvalho).

**Apesar de a teoria da gravidade, formulada por Newton menos de cinquenta anos passados sobre a morte de Galileu (ocorrida em 1642), certamente constituir uma prova irrefutável do heliocentrismo (como aponta Eurico Carvalho), só em meados do século XIX, segundo a Wikipédia, a Igreja Católica retirou da lista de livros proibidos as obras pró heliocêntricas, vindo a absolver Galileu, numa passada ainda mais lenta, já nos finais do século XX.

*** “História Concisa da Filosofia Ocidental”


UM GRANDE AMOR

Alcino Silva

Vista do Arno (http://www.sempai.org)


Desde o instante em que senti a tua existência não mais deixei de perceber o aroma da tua presença. Chega-me à noite quando o luar murmura segredos com as ondas oceânicas que desembarcam nas praias nos dias em que estou afastado dos contornos da tua beleza. Percebo-o ainda quando acordo nas encostas dessas montanhas ponteadas de verde que estremecem na serenidade de um sol que se ergue preguiçoso da terra para o céu. Vagueia também em meu redor no decorrer das tardes intermináveis em que flutuo na tua lembrança. E assim tem sido esta minha viagem por ti. Começou muito antes de chegares. Soube de ti por esses ecos que a história nos traz, por esses ventos que nos anunciam os encantos que o mundo possui e ainda não nos foi possível conhecer. E a cada notícia que de ti me chegava fui construindo o universo imaginário que nasce do sonho humano de um dia caminhar ao lado da perfeição. E eu sabia-te perfeita e assim fui idealizando este romance que não mais me separou de ti que me acompanha pelos tempos, os que foram passado, estes que são presente, ah e que belo presente que semeias em mim, e todos os outros que hão-de vir a que chamamos futuro. Por vezes, nesses instantes de devaneio que o pensamento faz nascer, nessa ânsia de querer, imagino o meu braço estendido com a mão tocando-te como se te afagasse o rosto que não se apaga desta minha memória onde guardo a beleza da tua existência como um desses momentos divinos que descem dos confins do universo em socorro das ideias que fazemos nascer como objectivos perseguidos em aventuras de inesquecíveis dias. Parecia impossível que fosse capaz de vencer a distância que me separava de ti e te pudesse contemplar na fragrância dessa formosura que os homens de ti falavam ao longo do tempo. Quis acreditar, necessitava de acreditar, para poder continuar a adormecer nesse mar manso que nos traz os sonhos que desde a infância embalamos como consolo. E a cada dia que passava, mais ouvia falar de ti, da tua excelência, do teu encanto, desse feitiço que semeavas em todos os que se aproximavam e te olhavam. Regressavam presos dessa magia que se infiltra no sangue e nos projecta chamas de oiro num fogo incendiário que não mais se apaga. A minha sedução crescia com esse fluir dos anos e fervia em mim esse amor que dedicamos às pessoas ou objectos que possuem um valor único e insubstituível. E um dia, aproximei-me, estive tão próximo que, creio, se estirasse um pouco o braço te teria tocado como no sonho, mas no derradeiro momento, no desfazer dessa curva final, o comboio que me levava, mudou de trajecto, desviou a rota e uma lágrima teimosa tombou na linha e dessa queda nasceu um rio e do leito deste brotou um mar, esse oceano interior onde ainda vive esta quimera que tenho de me sentir ao teu lado. Um dia, porém, como sempre acreditara, chegaste. Creio que não o percebi de imediato, estonteado pela tua presença, pasmado nesse olhar incrédulo, até que senti a tua mão protectora afagando-me com essa ternura que sempre colocaste nos teus gestos como consta dos registos da história. Então sim, acordei, abri os olhos e olhei-te nesse espanto da descoberta, nessa admiração de te saber ainda mais bela do que o sonho compusera. Foi daqui, deste lugar sobranceiro de onde escrevo que te contemplei nessa vez primeira e aqui volvi hoje para insistir nesse êxtase que emana desse encanto que projectas e foi destruindo os meus alados carros de combate e afundou sem remissão a minha invencível armada, deixando-me assim desarmado perante esse fulgor que tentara seduzir. Navegara no mar de espanto, desfraldadas as velas deste meu galeão aventureiro, ainda percorri as ruas do teu corpo, tacteei com esse prazer do infinitamente amado, os recantos encantados das formas que desenhas em labirintos de beleza. Admirei, prostrado a grandeza dos sentimentos que nasciam das pedras estruturais dessa geografia com que esboças o que os nossos olhos vêem, e voei como um pássaro na serenidade da tarde pelos teus membros estendidos, por esse teu peito onde nasceram e pulsam todas as histórias que arrastaram os homens em acções de sedução e de poder e quando alongavas os braços recolhias todas as ambições que transportavam no olhar e não permitias que adulterassem a pureza que vivia, e persiste viver, em ti. Debrucei-me sobre o rio que te percorre, olhei as suas águas correndo pelas tuas veias em agitação sobressaltada. Quando a noite sombreou as ruas e o azul escuro do universo cobriu o interior do teu corpo, tive então a verdadeira dimensão do teu olhar, da luz desses olhos que me visitaram em madrugadas sem sono, perseguido pelo desejo de amar o que não alcançava. Atordoado pela dimensão do belo que transportas em ti, voltei à Piazza Miguel Ângelo a partir de onde te olhei à chegada e sinto-te como uma Nefertiti ainda mais bela, única e irrepetível.

Olho a elegância da Torre de Arnolfo no Palazzo Vechio na Piazza della Signoria, tacteio nas paredes de Santa Maria del Fiore, piso a calçada da Galleria degli Uffizi, relembro pintores, condes, filósofos, o teu povo. Espreito o Arno e refugio-me entre as paredes das casas da Ponte Vecchio. Ah, Florença amada, quanto tempo te esperei e agora estás aqui no esplendor da tua beleza inigualável. Os sons de uma guitarra dedilhada numa tarde de recordações longínquas planam sobre ti como um pássaro triste, espalhando flores como palavras de um poema dedicado à mulher que sempre aguardamos e tu Florença és o símbolo dessa mulher ansiada e, tal como ela, continuarás a ser amada muito para além de mim.   


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PARA ONDE VAI ESTE PAÍS?

Manuel Joaquim
http://www.wikinoticia.com/


Conheço uma jovem que trabalhou mais de três anos num estabelecimento de um centro comercial, pertencendo a um grupo económico com outros estabelecimentos em diversos centros comerciais espalhados pelo país, que auferia, inicialmente, um salário abaixo do salário mínimo nacional que foi actualizado para o salário mínimo nacional ao fim de três anos de trabalho. Trabalhou sempre em regime de turnos, entre as 10 horas da manhã e as 24 horas da noite, não sendo respeitados fins-de-semana ou feriados e o dia de descanso não era por si determinado. O mesmo se pode dizer em relação ao período de férias a que não correspondia qualquer subsídio.

Certo dia, preparando-se para ir trabalhar, recebeu uma chamada telefónica de uma colega de um outro estabelecimento, informando-a de que os estabelecimentos da sua entidade patronal no centro comercial estavam encerrados em resultado de um processo de falência, era o que se comentava.

Chegada ao local de trabalho verificou que efectivamente o estabelecimento estava encerrado, por iniciativa da administração do centro comercial, possivelmente por falta de pagamento de rendas vencidas. Não autorizaram levantar pertences pessoais, designadamente cadernos e livros de estudo. O estabelecimento foi “tomado” pela administração do centro comercial sem a presença de qualquer representante da empresa e sem a presença de qualquer autoridade policial ou judicial.

Passados alguns dias, depois de várias diligências, realizou-se uma reunião, entre trabalhadores das várias lojas com um dos gerentes da empresa, para explicações sobre a situação da empresa, para a reclamação de salários vencidos e para a obtenção de declarações para efeitos de subsídio de desemprego. As explicações encheram os bolsos dos trabalhadores, alguns conseguiram declarações para efeitos de subsídio de desemprego, outros não conseguiram em virtude da entidade patronal não ter efectuado a sua inscrição na segurança social e na administração fiscal.

A solução para estes últimos era recorrer ao Ministério do Trabalho e ao Tribunal de Trabalho. E assim fizeram. Preenchimento de diversos inquéritos, reuniões com responsáveis, diligências diversas, etc. Entretanto, por não estarem sindicalizados, tiveram de recorrer a um advogada que foi indicada por uma colega que já tinha passado por uma situação idêntica.

A jovem que eu conheço encontra-se neste grupo de trabalhadoras.
De acordo com a orientação da advogada, apresentou o pedido de apoio judiciário na Segurança Social para o não pagamento das custas judiciais. Passados alguns dias recebeu em casa um enorme questionário para ser preenchido com todo o rigor sob pena de crime. 

A jovem, que é de maior idade e vive em casa de seus pais por não ter meios para ser independente, teve de declarar os rendimentos de todas as pessoas com quem vive, sob pena de falsas declarações, não obstante não pertencer, do ponto de vista fiscal a esse agregado familiar, pois liquida o seu próprio IRS. E os seus pais não a podem considerar para efeitos fiscais. Mas para a atribuição de apoio judiciário já teve de ser declarada a totalidade dos rendimentos.

A decisão da Segurança Social é que ela dispunha de rendimentos para pagamento das custas judiciais, apesar de estar desempregada e não ter outros rendimentos. Reclamou mas a decisão era definitiva.
 
Para o processo ter o seu curso, teve de pagar 153,00 euros de custas judiciais com dinheiro que não possuía. Os pais tiveram de pagar.

Entretanto, a advogada solicitou para preparos e honorários 350,00 euros, que terá de pagar.

Naturalmente que os pais vão ter de pagar.

Às outras trabalhadoras aconteceu exactamente o mesmo. Tiveram de pagar custas judiciais e honorárias à advogada.

Sobre a reposição da legalidade junto da Segurança Social para a obtenção de qualquer subsídio de desemprego nada se sabe. Da acção sobre a entidade patronal para recebimento de remunerações vencidas também nada se sabe.

Quantos trabalhadores se encontram nesta situação e não têm nem meios próprios nem de familiares para se dirigirem a um Tribunal a reclamar dos seus direitos?

Quanto tempo vai demorar este processo e quais os resultados finais para os trabalhadores?

Quantas entidades patronais agem assim, conhecendo os condicionalismos dos trabalhadores?

Os centros comerciais estão em actividade há vários anos. Mas as leis da selva imperam no seu seio. O Governo em conluio com os grandes grupos económicos detentores desses centros comerciais, continua a recusar-se a regulamentar a sua actividade em prejuízo de quem lá trabalha.

O PS e o PSD na legislatura anterior efectuaram um acordo na área da Justiça. Era a reforma de Justiça que tanto reclamavam e tanto aclamaram. O que se verificou é que a Justiça está cada vez mais longe dos trabalhadores e das pessoas. E está cada vez mais próxima dos interesses dos poderosos.

As custas judiciais têm sofrido agravamentos substanciais, afastando para cada vez mais longe a reposição da legalidade e da Justiça. O novo Bastonário da Ordem dos Advogados reclamou agora o fim das custas judiciais. Outros países não têm custas judiciais.

Entretanto, demitiu-se o Secretário de Estado da Justiça e agora demitiu-se também o Director-Geral da Administração da Justiça que garante o funcionamento dos Tribunais.

Para onde vai este País?

UMA QUESTÃO DE CONFIANÇA

António Mesquita
http://deathby1000papercuts.com


“Tanto nas áreas sociais como nos seus domínios tradicionais de acção, é necessário ultrapassar o Estado que temos, que desconfia dos cidadãos e que quer fazer tudo porque acha que só assim tudo é bem feito, e para isso cria normas infindáveis e serviços imensos, e evoluir para um modelo de Administração Pública que confia nos cidadãos e se preocupa sobretudo com assegurar que lhes são prestados os serviços de que necessitam.”

“José Manuel Fernandes” (“O Público” de 12/11/2010)



Foi a este monstro burocrático e frio, que não confia nos cidadãos (mas para que é que as vontades de facto precisam da confiança do Estado?) que teve de socorrer os desmandos dos Madoff nacionais, para agora ser castigado (não ele, verdadeiramente, mas os contribuintes e todos aqueles que têm de confiar no Estado), com os insuportáveis  juros da dívida pública.

Mais uma vez se verifica que as crises, tal como as guerras, não são uma desgraça para todos, pois para os “negociantes de canhões”, como para este tipo de finança, são sempre uma oportunidade de negócio. Se estivéssemos a lidar com super-homens, era até legítimo conjecturar que a crise internacional a que nós, como tantos países estamos expostos, não resulta da ganância cega, mas duma ganância lucidamente maquiavélica que apostou na déblacle para o seu jackpot privado. Mas se são cegos a conduzir outros cegos, eles pelo menos não caíram no precipício, e podem proclamar que o crime deveras compensa, pois não perderam os bónus nem as indemnizações milionárias.

A ideologia da desregulação, introduzida nos anos 80 pela equipa de Reagan e justificada pelos cérebros de Harvard (ver o filme “Inside Job”, de Charles Ferguson), ao serviço dos grandes negócios, levou a este final anunciado. 

Ora, este artigo do “Público”, vem confirmar que as ondas de choque dessa crise mal se fazem sentir ao nível dos neurónios dos que continuam, entre nós,  a defender a libertação do “monstro”, como se a moda da desregulação ainda estivesse em alta ( é verdade que está muito viva, visto que a capital dos negócios, Wall Street, impediu a alteração das leis e os assessores, nomeados por Obama, são “desreguladores” reincidentes). É assim  que JMF protesta quando as horrendas patas do dito libertam os cidadãos, as empresas ou os serviços da sua “dependência”. Por isso clama contra “o fim dos contratos de associação com escolas privadas” e as “medidas anunciadas relativamente à ADSE”, porque “limita a liberdade de escolha dos funcionários públicos.

Donde se verifica que alguns liberais do nosso torrão pátrio são mais inconsequentes do que intratáveis ideólogos, pois acusando o Estado de atrofiar a iniciativa dos cidadãos, contam com o mesmo Estado para quase tudo. Até, quem sabe, para inspirar a falhada iniciativa com mais algum subsídio.

E é certo que o Estado tem, evidentemente, de ser curado das suas “sanguessugas” e moderado na sua incorrigível inércia. Mas não lhe peçam para inventar a iniciativa privada.



O SISTEMA E OS MONSTROS QUE GERA

Mário Faria
Goya:Capricho 43: "El sueño de la razon produce monstruos"




A joint venture entre o FMI e o BCE favoreceu o  “terrorismo financeiro”  que caiu sobre alguns  países (da periferia) da Europa. O ADN do capital  não contempla  a regulação e o estado social. Nesses (breves) momentos em que os aceitou como parceiros, adaptou-se com facilidade. O capitalismo opera como os camaleões. Mestre na camuflagem, espera pacientemente pelas presas que  aniquila sem piedade. 

Essa “fragilidade” que  criou a  “necessidade”  do capitalismo apresentar-se de forma light  e menos indigesta.  Foi sol de pouca dura. Deu alguns passos  atrás, esperou, criou as bolhas e os produtos tóxicos que infectaram mortalmente muitas economias,  e hoje, apresenta-se como vítima do monstro que criou e algoz dos que não resistiram  a tanta malvadez. 

O Sócrates dá jeito (e pôs-se a jeito) e serve para escamotear essa evidência. O que se trata,  neste momento,  é que os trabalhadores  estão absolutamente indefesos,  face à globalização e à explosão do modelo capitalista  na China  que veio mudar o equilíbrio de forças e “subverter” as regras da concorrência, numa Europa demasiado dividida e  dominada pelo capital financeiro.  O capitalismo sofre de doença crónica, a UE vai a caminho da implosão e o Euro é uma moeda a caminho da extinção.

O Estado Social vai ser posto em causa e os trabalhadores vão pagar a factura. Conformismo ou luta ? O capitalismo só cede perante a concorrência de uma alternativa credível ou pela luta. O futuro é  incerto e pode degenerar em violência.  A violência gera violência, e os detentores do capital não têm feito outra coisa senão apelar a esse instinto de guerrilha (e de vingança)  que quase apenas sobra para combater os que ofendem, humilham e nos reduzem a meros servidores e nos suportam (apenas)  na qualidade de consumidores. 

“ O verdadeiro protagonista do actual palco da grande política é hoje, como se sabe, esse (cada vez mais) antagonista do político que dá pelo nome de grande agente económico financeiro. Contrariamente aos príncipes de hoje, que só têm vontade, mas não saber do mundo, o intriguista é o “senhor das significações” e o verdadeiro contra-regra no palco do mundo. O intriguista de hoje trabalha com números, taxas, índices, operações de bolsa o que não deixa de ter as suas vantagens, já que o “saber do mundo” passa hoje essencialmente por aí. Por isso, enquanto o intriguista de outrora levava  três actos, ou investia anos de vida para alcançar os seus objectivos, os de hoje passam a perna ao parceiro em dois tempos. E esse parceiro é muitas vezes o “homo politicus”.

O sistema constrói as ruínas do futuro : tudo o que toca se transforma, não em ouro, mas em sucata. É isso o progresso que só conhece uma direcção. Tal como as vanguardas preparam inexoravelmente a sua condição de retaguardas,  também o progresso, com as suas novas vestes, deixa atrás de si um campo de ruínas e avança em direcção à sua própria implosão. Nós, apesar de tudo ainda animais de memória, só tarde de mais lhe conheceremos os efeitos. Alguns, em vão, tentarão fugir, mas o sistema continuará a gerar os seus monstros. ”. (João Barrento)


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