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01/07/10

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A COESÃO SOCIAL E A SOCIEDADE

Mário Faria

Cavaco Silva


Fala-se sempre muito do sector público, e normalmente para minimizar o profissionalismo e a competência de quem nele trabalha, sem cuidar que há muita injustiça nesses juízos definitivos, generalizados e sem direito a recurso. É a obsessão pela contenção da despesa pública, cega e sejam quais forem os custos sociais a suportar.

Todos clamam por reformas. Reformas, talvez ? Mas reformas de quê ? No sector da saúde, da justiça ou do ensino, talvez ? Qualquer organização pública é passível de ser melhorada. É desejável que o seja e que o laxismo e os excessos corporativos não o impeçam.

E sobre a dívida da banca, os maus investimentos no estrangeiro, a desvalorização das empresas na bolsa, a falta de notoriedade das marcas e de qualidade dos serviços nacionais, mais as bolhas e os produtos tóxicos que infectaram as finanças e a economia, que fazer ? Reformar ? O capitalismo ? Como e com quem ? Bem os técnicos do costume, não têm dúvidas : basta uma maior intervenção e controlo do Banco Central e, depois, é só rever o código laboral, aumentar a precariedade, liberalizar os despedimentos e baixar os salários até onde for necessário para se poder concorrer com o dumping social que domina nalguns mercados emergentes ?

O défice que em 2008 o governo conseguiu baixar (meritoriamente?) para 2,4% - parecendo que tinha resolvido o principal problema das nossas contas públicas - subiu vertiginosamente em 2009, atingido os 9,4%, demonstrando a fragilidade das soluções anteriores e da vulnerabilidade das instituições nacionais (públicas e privadas) para gerir uma crise que teve o seu epicentro na bolha imobiliária americana, dada a extrema dependência da economia portuguesa ao exterior.

O efeito borboleta que se lhe seguiu, criou um tsunami nos países do sul da Europa. A dívida externa é superior a 100% do PIB, como o quadro abaixo reproduz.


Cavaco Silva considera a situação presente insustentável, baseado no monopólio da verdade e da honestidade que detém. Como duvidar de um homem que nunca erra e raramente se engana ?

Como se constata da Dívida Externa 59% é da responsabilidade dos Bancos e Empresas (47%+12%) e 49,6% do Estado (52,0% – 2,4 %).

Alguns economistas consideram que a situação, sendo complicada, não deve evitar que haja vida para além da dívida, porque :

1) a dívida pública, afinal, é inferior à dívida privada;

2) o país, as empresas e as famílias dispõem de activos que "suportam" uma parte significativa da dívida.

Entendendo esta argumentação e a sua motivação, considero que a actual situação é deveras preocupante, pelo montante da dívida e pelos constrangimentos económicos e sociais que vai provocar, e que são impostos de forma dura e sem concessões pelos parceiros europeus.

Nada mais será como dantes. Será ? Manterá a UE a coesão ou tenderá a funcionar como um conjunto de países orientados segundo interesses meramente económicos e, sendo assim, segundo as regras e a lei dos mais fortes.

Para terminar este longo artigo, subscrevo a pergunta com que José Vítor Malheiros remata o seu artigo no Público : " Este estado de espírito não nasceu por acaso : ele foi meticulosamente esculpido por uma ideologia que aproveitou a descolectivização da economia pós-industrial para vender a competição individual e o fim da solidariedade como as receitas do progresso. A pergunta é : quando não há coesão social ainda teremos uma sociedade ?


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A DOUTRINA DO VÁCUO

António Mesquita

Joseph McCarthy (1908/1957)


No âmbito da cruzada McCarthista dos anos cinquenta, foi criado um comité de investigação especificamente dirigido às "histórias aos quadradinhos" ("comic books"), para supostamente prevenir o comportamento violento ou criminoso entre a juventude.

Este período negro da história dos EUA oferece-nos, com a censura dos "comic books", um exemplo quase irreal de supressão da liberdade em nome dos bons costumes ou da segurança. Na altura foi chamado a testemunhar um psiquiatra nascido na Alemanha, chamado Frederic Wertham que, além de ganhar publicidade para o seu livro "Seduction of the Innocent", culpou as "histórias aos quadradinhos" de "encorajar o crime, a licenciosidade e o comportamento violento" nas crianças americanas (William Earnest), chegando ao ponto de ver nelas uma instigação à homossexualidade através da aparência e do comportamento dos seus heróis.

O perigo comunista, como se vê, abriu a porta a outros fantasmas, mas não nos podemos admirar que a formação das crianças e o seu doutrinamento sejam considerados cruciais em qualquer utopia política ou demência do poder.

Contrasta esta preocupação pelo futuro, mesmo se justifica tantas vezes os meios mais condenáveis, com o estado da educação nalguns países desenvolvidos e, sobretudo, naqueles onde grassa o famigerado "eduquês". Porque as crianças, na ausência de qualquer ideia positiva sobre a tarefa de educá-las, são simplesmente entretidas e convidadas a exprimir o que ainda não podem ser.

Não é, talvez, por maquiavelismo que esses pedagogos preparam, de facto, um futuro de consumidores sem outros problemas que não os de escolher entre marcas e modelos, como num teste americano.

Comparados com esta indústria de jogos em que se converteu o ensino, qualquer doutrina parece um progresso. Sobretudo, como disse Guilherme Martins no outro dia na televisão, quando com a doutrina (que sempre se pode deitar fora) se oferece a ferramenta para pensar.

JUNHO

Mário Martins


Em Junho as casas crescem como os dias, temperatura e luz esbatem a antinomia entre dentro e fora, tem início o esplendor dos pátios, a porta de casa é uma fronteira menos nítida, a Afurada parece uma ilha quando desembarcamos do Flor do Gás após uma travessia rápida e certeira, guiada a 1 euro por mão experiente e rosto tisnado, a unir as duas margens ali onde o rio acaba e o mar começa e o Porto de vista não parece o mesmo, o eventual fado dos gloriosos discos pedidos pelos senhores ouvintes para a minha querida esposa ou marido que faz anos hoje filhos e netinhos às vezes noras e genros e até sogros dá um toque nostálgico ao voo das gaivotas, os fogareiros a carvão nos passeios das ruas e os sapatos ou chinelos nas soleiras das portas confundem público e privado e o penetrante odor da sardinha assada invade o olfacto e torna incontornável o banco da taberna, de regresso ao velho burgo às tardinhas os cheiros do estio marcam muros antigos e anunciam os santos populares que recobrem primordiais ritos pagãos fazendo lembrar os tempos menineiros das cascatas e da noite de S. João onde todos os caminhos iam dar à baixa e às Fontainhas e imperava o alho-porro na corte de aromas da alfazema da cidreira do manjerico, ainda agora nessa noite única se podem ver moradores da Vitória ali à beira da soberba vista sobre o bairro da Sé a jantarem ou petiscarem na rua às portas das suas casas sob um céu sãojoanino, parafraseando Jorge de Sena o sentimento de Junho não consome não custa dinheiro, é o Princípio de Verão cantado por Sofia Largos longos doces horizontes/A desdobrada luz ao fim da tarde/Um ar de praia nas ruas da cidade/Secreto sabor a rosa e nardo arde.



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