StatCounter

View My Stats

01/04/11

45


ESCUTANDO

Alcino Silva




Nos leves traços do dia que se esvai, surge do fundo da imensidão do tempo, uma voz doce, como uma ligeira brisa empurrando o ar, como um lamento que ecoa por esta planície de luz onde se estendem os meus olhos e sinto no pulsar do poema que solta angustioso pela garganta, o grito longínquo da história, com os seus horrores e as suas belezas, enquanto o som dolente prossegue como se eu não estivesse, não caminhasse em direcção ao sol que se agiganta nesse avermelhar que se espalha pelos desertos da vida. Sinto estremecer a tarde na serenidade deste cântico que solta lágrimas por todas as vivências tombadas ao longo desse rio milenar que os seres humanos percorreram em busca de si próprios. Este pranto só podia chegar soprado pela feminilidade de uns lábios que irradiam beleza e o seu timbre toca-nos, provocando uma explosão nos pulmões, um rebentar do sangue, que irreverente, se estende pelos leitos que ansiosamente procuram o mar. Ouço-te ainda, sinto-te chegar, nesse cansaço de tantas lágrimas derramadas pela humanidade, nessa tentativa de impedir que a noite cubra com o seu manto negro, a vida que irradia do castanho desses teus olhos que fazem renascer o tempo. Caminho, procuro oásis na solidão manancial dos sentidos, o silêncio humano rompe-se com o teu grito contido que projecta a musicalidade da melancolia e acende em tons de angústia as planícies sonhadas em alvoradas de desassossego. Há um torpor tardio que se levanta da poeira do caminho e a dança do teu clamor, cerca o horizonte que procuro. Por vezes, eleva-se esse grito humano no sentir a angústia do longe, da perda irremediável, do afastamento consumado do que amamos. As mãos estendem-se carentes pelo infinito espaço da memória e da tua garganta saem tecidos os sons do lamento que me encobre o olhar e sinto a vida presa nas horas tardias de um dia que acaba. Como um rio, procuro estrada e as lágrimas do teu canto inundam-me os olhos como um mar imenso, como essa extensão líquida de azul que alimenta sem descanso o sonho humano de chegar ao outro lado da terra. Não resisto, deixo-me ir e os sons tristes do teu cântico são agora a barca que desliza em mim por estes desertos estrelados. Remo, ou tento remar, já não sei. Sinto o peso da madeira fender a água num marulhar surdo de procurar o espaço de impulso e a cada intervalo, chegas de novo ao ouvido. Imobilizado demando as aldeias perdidas onde possa encontrar esse rosto no qual repousa a voz que me envolve que me retém nessa música que me chega como fiapos de desejo e desse amar que a alma já não pode reter. O teu lamento parece encher o ar de uma poesia que não sei traduzir e deixo-me sucumbir nessa magia de um porvir sonhado, mas sem existência. Como as cordas de uma harpa os teus dedos alongam as mãos na procura do amanhã e também eles contêm a musicalidade da ternura que se alberga no mais fundo da vida humana. Escuto a tua dor adormecida nessas notas melodiosas que se espalham, incendiando os ventos da alma dos seres que habitam apenas no meu imaginário. Chamas de rebeldia, estendem-se ao longo de vales e lagos de resistência enchem-se de labaredas fumegantes de amanheceres intranquilos. Prossigo ouvindo, essa tua súplica, soletrando as palavras, e os segredos ocultos nos tesouros sofregamente escondidos, envolvem-me como uma carícia, um gesto há muito aguardado. O cansaço, adormece a vontade que trago e pela escassa abertura dos olhos, procuro ainda a doce cor do teu lamento cantado e murmurado nesta hora tardia. A luz tende a desaparecer e as sombras do dia deambulam como fantasmas atordoados pela ansiedade dos sons que soltaste. Arrastado por essa energia interior que esmorece, alongo ainda os braços, mas já a tua voz se perde nessa distância que tudo nos nega, nessa privação do impossível. E vou ouvindo, escutando, até esse derreter das coisas nos verdes mares da eternidade.    

  
(1) escutando La Rosa Enflorece de um anónimo sefardita em gravação pela Capella Reial de Catalunya sob a direcção de Jordi Savall num álbum intitulado, Dinastia Bórgia: Igreja e Poder no Renascimento.


A FOME, A MORTE E A GUERRA

Mário Faria
Four_Horsemen_of_Apocalypse_by_bigTaki


Depois de três Pec’s (do orçamento)  e antes do quarto, José  Sócrates demitiu-se. Consumou-se o fim  do caminho há muito anunciado : um governo desgastado e um líder aparentemente sem qualquer apoio fora do partido, incluindo a comunicação social, a igreja, as associações  empresariais, os sindicatos, os tudólogos (os tais que sabem tudo de tudo ) e cujo habitat preferencial é a TV.

Sócrates, ao não cumprir os formalismos a que deveria obrigar-se antes da apresentação  do PEC 4, accionou os mecanismos da demissão que tinha anunciado, em forma de ameaça. A passadeira tinha sido estendida pelo Presidente da República na tomada de posse e Passos Coelho aproveitou a boleia do grande-chefe e não deixou escapar a oportunidade. Não esteve sozinho,  pois toda a oposição rejeitou mais austeridade, uns pela forma, outros pelo conteúdo, todos porque consideram o primeiro-ministro o mal maior e o principal responsável da grave crise que atravessamos.

Seja como for, vamos ter um governo de direita, saído das próximas eleições: menos Estado, mais privatizações, menos direitos, mais precarização, menos subsídios (aos carenciados), mais ajudas (às empresas), menos maçonaria e  mais oppus dei.  De resto, cumpriremos as ordens de Merkel que agirá  em função da vontade dos mercados.  Ela sabe que os mercados pensam e agem, castigam e premeiam,  segundo o mérito e o tamanho.  São virtuosos, como disse o patrão do Banco de Portugal. A nossa dívida é um pecado mortal. Vamos ser castigados, sem dó nem piedade.  Somos pequeninos e pusemo-nos a jeito. Que interessa que haja mais fome : apenas estão a dar cumprimento às regras. São temidos e não têm rosto, os vampiros !
Já não sei o que pensar, só sei que não quero ir por aí (para onde me querem levar) e que  são quase todas as vias que me apontam, diga-se em abono da verdade. Temos eleições para decidir o que está decidido.  Temos a liberdade de escolher. Será ?

Os japoneses depois do sismo e do tsunami que lhe seguiu, vive o espectro de um gravíssimo desastre ambiental.  A situação na central nuclear japonesa de Fukushima está completamente fora de controlo, e os danos serão mais graves que os ocorridos em  Hiroshima e Nagasaki,  apontam alguns cientistas. Entretanto, os japoneses vivem sob essa ameaça, aparentemente com uma grande paciência e muita ordem. Não estou habituado a que se aja assim e o conformismo não é uma arma  de combate.  Apesar da tragédia, prefiro a ordem ao caos. Os japoneses, apesar dos elevados riscos que correm, têm tido um comportamento muito próximo do exemplar. A energia nuclear, está em debate por esse mundo fora. Fica esse pequeno bónus para os vindouros. Será ?

Alguns países ocidentais resolveram  atacar a Líbia. Hoje, a coordenação da acção militar  já compete à NATO. Não houve votos contra no Conselho de Segurança. Detesto ditadores e odeio guerras. Khadafi, um déspota,  nestes últimos anos do seu mandato, como que legitimou o sua governação em função da condenação que assumiu por palavras (e actos?) contra o terrorismo islâmico. “Em 2003 Khadafi anunciou que desistira das armas de destruição em massa e que pretendia juntar-se à guerra ao terror, eixo da política externa americana durante o governo Bush. Logo depois George W. Bush suspendeu as sanções contra a Líbia. Em seguida, os produtores de petróleo dos EUA e da Grã-Bretanha expandiram suas actividades no país. Empresas como BP, Exxon, Halliburton, Chevron, Conoco e Marathon Oil juntaram-se a gigantes da indústria bélica, como Raytheon e Northrop Grumman, e a multinacionais como Dow Chemical e Fluor bem como à poderosa firma de advocacia White & Case para formar a US-Libia Business Association, em 2005” (Wikipedia)

Tenho alguma dificuldade em perceber esta intervenção e estou em grande parte de acordo com o que Valerice Brune (ouvida pelo Público)   declarou a propósito : “senti um grande nervosismo com a intervenção americana na Líbia, em parte porque é difícil distinguir entre civis e pessoas empenhadas em derrubar o regime; pelo conhecimento limitado de quem é a oposição, qual é a sua agenda e que apoio popular tem, sobretudo para lá da zona oriental do país; e pela dificuldade de definir a missão como uma que vai clarificar o plano político da Líbia, acabar com as violações dos direitos humanos em larga escala e apoiar uma mudança de regime”.

Em Portugal pouco se tem discutido a bondade desta intervenção militar. A esquerda, então, tem estado bastante calada, será porque como declarou Sócrates, representantes do Bloco no Parlamento Europeu votaram a favor da dita intervenção militar ? 

A fome, a morte e a guerra continuam,  sejam os seus actores o vampirismo financeiro, o desastre ambiental ou a guerra. A luta dos justos tem de continuar. Será que ainda vamos a tempo de o fazer pela via de métodos pacíficos ?


O HUMOR COLECTIVO


António Mesquita


“Aquilo que começou por um movimento de trabalhadores precários começa a parecer-se com um Tea Party.”

(Vitor Malheiros no “Público” de 15/3/2011)



Serão as manifestações espontâneas que podem ser, de facto, enormes, como se viu, um movimento de humor colectivo, sem ideias e por isso sem futuro?

A imagem do colectivo como um Grande Animal, mais movido pelo ventre do que pela cabeça (ou não fosse filha desta teoria a da hidra de mil cabeças) vem de Platão.

Não podemos ficar indiferentes a estes movimentos (que podem representar uma ameaça para todos quando um demagogo se põe à frente do cortejo), mas estamos habituados aos canais habituais para a transmissão de ideias e  nunca vimos uma multidão pensar. É sintomático do vazio ideológico propor a substituição dos partidos por coisa nenhuma e reivindicar um modelo económico alternativo sem ter ideia do que isso possa ser.

O movimento revela uma atitude singularmente acrítica em relação ao funcionamento do capital, dos mercados financeiros e das empresas em geral. E a defesa dos trabalhadores aparece mais associada a ataques aos políticos e ao Estado que a críticas aos patrões.” (ibidem)

Como expressão do descontentamento é evidente que o movimento “Facebook” de 12 de Março é um fenómeno novo e nenhum governante o pode deixar de ter em conta. Os partidos, de resto, procuraram “puxar a brasa para a sua sardinha” e ampliar o fundado das suas críticas de oposição. Mas o que isso representa em termos de acção política é pouco mais que atmosférico. É natural que ninguém goste de fazer sacrifícios, a não ser os masoquistas. E esses sacrifícios parecerão necessários enquanto alguém não disser como poderão ser evitados, dentro ou fora do quadro político-económico actual. Além disso, é sabido que, numa sociedade desigual, os sacrifícios nunca representarão o mesmo para todos e que uma revolução (se se soubesse em que direcção) poderia ser o caminho mais curto para diminuir as desigualdades, mas seria o mais doloroso em termos de sacrifícios.

É assim que o 12 de Março surge como um fenómeno conjuntural, inspirado nas revoltas árabes contra a ditadura e nos seus novos métodos  e numa espécie de hino lançado nem há dois meses por um grupo musical de segunda ordem. Fenómeno que anuncia, talvez, o que pode significar uma “democracia” electrónica com testes imediatos à popularidade das políticas e dos políticos e que não se compadece com os prazos constitucionais, nem com quaisquer direitos de representação, para exigir mudanças.

Ficamos com uma ideia, depois do incrível sucesso do 12 de Março, do que pode o humor do colectivo, mesmo se não há uma ditadura para derrubar, nem existe a sombra duma ideia política. 


O IRAQUE OCUPADO

Manuel Joaquim 

http://pekingduck.org/archives/iraq

Faz este mês de Março 8 anos que os EUA mais a Inglaterra iniciaram o bombardeamento do Iraque e a sua ocupação em nome da luta contra o terrorismo e as armas de destruição em massa, sem que nenhuma resolução da ONU tenha sido tomada nesse sentido.

Mais tarde, verificou-se que todos os argumentos justificativos para a intervenção militar eram falsos. As verdadeiras justificações estavam nos interesses económicos e financeiros, particularmente no controlo do petróleo. Na altura, muita gente, ingenuamente, não acreditava que fossem estes os objectivos. Para isso, contribuiu uma poderosa máquina de propaganda a favor da guerra, eficientemente montada, que teve como instrumentos praticamente todos os jornais, rádios e televisões, quer nacionais quer internacionais. Hoje, é claro que a guerra teve como objectivo o domínio daquele país e o controlo das suas riquezas, designadamente do petróleo. É o colonialismo puro e duro, em prática há centenas de anos. No Iraque, o neocolonialismo já não satisfazia.  

No passado dia 26 de Março corrente, realizou-se na Associação 25 de Abril, em Lisboa, a 3ª Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque, onde foi feito, perante os jurados presentes – magistrados, juristas, advogados, professores, jornalistas, arquitectos, economistas, deputados, etc. - Um depoimento, por uma cidadã iraquiana, Haifa Zangana, nascida em 1950 em Bagdad, escritora, artista e activista política iraquiana, prisioneira política no regime de Saddam Husseim, sobre “A situação das mulheres e das crianças no Iraque ocupado.”

Através desse depoimento escrito verifica-se que foi nomeado pelos ocupantes um ministério de Direitos Humanos em 3 de Setembro de 2003 mas que nunca teve qualquer acção credível na defesa dos direitos humanos, mesmo durante operações militares que eram acompanhadas por prisões em massa em todo o país.
Após as “eleições” de 2005, foi criada uma comissão para os Direitos Humanos no parlamento iraquiano. O vice-presidente dessa comissão foi assassinado depois de ter acusado os ministros do Interior e da Defesa de violações brutais dos direitos humanos nos centros de detenção sob as suas alçadas. 

Houve um ministério para os Assuntos das Mulheres mas nunca passou de uma fachada de loja de interesses da própria ministra.

Estas e outras instituições nunca agiram no sentido de pôr fim à tortura que é praticada com a maior impunidade pelas forças de segurança e de defesa, apesar de os responsáveis e torturadores serem conhecidos pela opinião pública.

No quadro do actual processo político, onde se verifica um domínio cada vez mais acentuado da política confessional, que não existia no Iraque, com violentas lutas entre milícias dos diversos partidos políticos, muitos deles desligados da população, onde cada ministério tem as suas forças de segurança desligadas das forças de segurança nacionais, com o primeiro-ministro a ter forças especiais de segurança que respondem apenas a ele, com uma força ocupante de mais de 50.000 militares dos EUA, não contando com os militares ocupantes de outros países, e mais de 65.000 membros das milícias armadas e dos grupos de segurança privados, isto é, mercenários ao serviço das forças de ocupação, todos imunes às leis iraquianas, a situação dos direitos humanos é absolutamente catastrófica. 

A corrupção assentou arraiais em todo o aparelho de estado, com os senhores da guerra a comandar todas as operações. O actual ministro das finanças é um exemplo dessa situação.

As mulheres iraquianas, antes da ocupação militar, tinham alcançado um elevado nível de educação, estavam em todas as áreas da vida profissional, destacavam-se na vida social do país. Eram das mais emancipadas da região. Com a guerra iniciada em 2003 pelos EUA, Inglaterra e outros, as mulheres iraquianas estão cada vez mais relegadas, lutam pela sobrevivência face à destruição e às políticas feudais e sectárias impostas em nome da religião pela classe política instalada no poder desde o início da guerra.

O Iraque era conhecido por ter tido um dos mais avançados regimes de direito da família da região, desenvolvido ao longo dos últimos 50 anos. O novo poder tentou em 2004 a introdução de uma versão deformada e sectária da lei islâmica Sharia. Não conseguiu. Mas a realidade política presente onde a lei é a espingarda, o direito civil iraquiano não é respeitado.
Passou a existir uma situação nova no Iraque, importada de outros países da região, que é o Mut’ah. É o casamento temporário, com intervenção de religiosos, que pode ter a duração de …horas. É uma forma de legalizar a prostituição e de alguma entidade receber emolumentos para os seus cofres.
Outra situação em desenvolvimento é a poligamia, estimulada por autoridades e pelo partido islâmico, que oferece dinheiro, de forma a responder ao número crescente de mulheres viúvas e solteiras. De acordo com o Comité Internacional da Cruz Vermelha, estima-se que em todo o Iraque se encontrem um milhão de mulheres nessa situação.


As mulheres e as crianças são as primeiras vítimas da guerra e encontram-se em situações cada vez mais vulneráveis. Mulheres e crianças são muitas vezes presas em virtude de homens da família serem considerados suspeitos pelas forças de segurança. São sujeitas a actos humilhantes que calcam todos os direitos humanos. Estas situações são sistematicamente denunciadas pela UNICEF, pela Human Rights Watch e pela Amnistia Internacional mas sem qualquer resultado.

A morte de centenas de milhares de civis, homens, mulheres e crianças, a privação de direitos básicos, a ruptura do sistema de educação, crianças deficientes sem qualquer apoio, os sistemas de saúde, da água e de saneamento destruídos, as habitações destruídas, as minas disseminadas pelas terras, milhões de pessoas deslocadas das suas terras, são consequências de decisões de mentes dementes de muitos senhores que nos entram diariamente em nossas casas através de terríveis instrumentos bélicos que nós próprios pagamos e que deformam as nossas mentes, sem darmos por isso. A guerra foi-nos transmitida em directo pelas TVs. Agora, informações sobre o Iraque deixaram praticamente de aparecer. As que aparecem são oriundas dos ocupantes. É preciso esconder a realidade.

Neste momento, está em curso a aplicação de processo idêntico noutro país. Os motivos são os mesmos, as consequências serão igualmente trágicas.

 Será que se vai manter por muito mais tempo o quadro político que tem permitido semelhantes situações?   


Início    

O TRIUNFO DA FORMA

Mário Martins


“Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar”

Os Deolinda


Há muito que a esquerda político-partidária e sindical vinha denunciando a precariedade do emprego, quer dizer, em primeiro lugar, a falta dele, e depois, como vem nos livros, a desvalorização do factor trabalho, seja em termos remuneratórios, seja em termos de protecção jurídica. Dizer emprego precário é dizer vida precária e sociedade desagregada e esta situação configura, sejam lá quais forem as razões, um claro recuo civilizacional em termos portugueses e europeus.

Mas foi preciso que um grupo musical, para mim desconhecido, estrear no Coliseu do Porto a canção “Que parva que eu sou”, que muito boa gente, aliás, considera de fraca qualidade, para todo o mundo falar na precariedade como se fosse pela primeira vez e a situação fosse nova. Parafraseando um conhecido teórico dos meios de comunicação, Marshall McLuhan, o meio foi a mensagem.

A surpresa não terminaria aí, porque da forja do facebook emergiria, plena de força, uma geração “rasca”, agora “à rasca”, num movimento do contra, à margem dos partidos e sindicatos, sem dúvida muito menos intelectual mas, para meu gosto, mais pacífico do que o famoso Maio de 68, cujos efeitos, que uns aplaudem e outros lamentam, ainda perduram.

Aqui, mais uma vez, a novidade foi a forma. Este fogoso e travesso exercício da liberdade de expressão, precisa agora de encontrar meios de participação e representação políticas. Como explicava há dias um politólogo na TV, entrámos numa nova fase da vida política nacional, em que há uma função (o movimento da geração “à rasca” ou dos facebooks) mas não há órgão, e sem juntar uma coisa à outra não há poder.

Finalmente, é a forma que está na origem da actual crise política. É verdade que, quanto ao conteúdo, estamos na mão dos credores e da União Europeia e que não sabemos (no momento em que escrevo, 16 de Março) qual é o PEC do PSD, mas como não compreender a reacção de toda a oposição e do patriarca Mário Soares ao comportamento errático e sobranceiro do Primeiro Ministro?

Talvez que as prováveis eleições que se avizinham sejam a oportunidade necessária para o Presidente da República patrocinar um governo com condições para fazer o que é preciso, em termos financeiros, económicos e sociais.
View My Stats