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01/12/15

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A ÁRVORE

Manuel Joaquim



Há uns dias atrás, um Amigo meu, sabendo da minha curiosidade por plantas e árvores, procurou-me para me dizer que no horto das Virtudes,  nas traseiras da Cooperativa Árvore, tinha descoberto uma árvore, que neste momento estava a florescer, que valia a pena ir observá-la. No Porto, só conhecia mais um exemplar,  no jardim dum prédio que fica junto à esquina da Rua Oliveira Monteiro com a Rua Senhora de Fátima. 

A árvore,  originária da América do Sul, mais propriamente do Brasil, é conhecida pelo nome de Chorisia Speciosa, os ingleses chamam-lhe  Silk Floss Tree,  árvore de fio de seda, e os mexicanos Ceiba Palo Borracho.
É, na verdade, uma árvore muito bonita, localizada no Jardim Municipal Horto das Virtudes,  sítio maravilhoso para descansar, para ler  e apreciar algumas esculturas, a paisagem, o rio e uma outra árvore, muito especial,  que é uma Gingko Biloba. 

No caminho, eu e o meu Amigo, conversámos sobre diversas coisas, pois, palavras puxam palavras. Ao passarmos em frente a determinado prédio da rua que percorríamos, ele parou,  e disse que, quando jovem, quando veio para o Porto, muito antes do 25 de Abril,  para trabalhar e estudar, tinha alugado ali um quarto para morar. 

Recordando esses tempos, referiu que a senhora da casa vivia com uma filha, adolescente,  e com o  pai, senhor de idade avançada. Que o marido tinha emigrado para a Alemanha e  nunca mais deu notícias. As  dificuldades em sustentar a casa eram visíveis e  educar a filha, já   espigadote e atrevida,  reclamando  liberdade e independência, não era fácil. O pai da senhora e avô da jovem, apesar de ter  trabalhado na cidade durante muitos anos num café a atender clientes, manifestava valores muito retrógrados mesmo para a época, chegando a considerar  que dar colo ou tratar de crianças era assunto só para as mulheres.  O meu Amigo lembra-se que na altura pensava, de acordo com os seus valores,  que o futuro daquela jovem não seria lá muito bom.

Passados largos anos, o meu Amigo, certo dia, teve de ir à escola do seu filho  para falar com a professora de História para saber da sua situação escolar. Para seu espanto, a professora de História era aquela jovem que ele conheceu em tempos na casa onde viveu num quarto alugado. Como foi possível aquela jovem,  a quem ele não previa grande futuro,  formar-se e pelas circunstâncias da vida, vir a ser professora do seu filho. 

Depois de várias considerações, concluiu que a falta de confiança na juventude, acarreta,  muitas vezes, julgamentos precipitados. 

BUCÓLICA


Mário Martins







Neste tempo de Outono as folhas caducas das árvores tingem-se de vermelho e amarelo 
antes de entretecerem tapetes nas cidades do ruído ou o húmus no silêncio dos bosques 
e descobrirem frutos acesos
As luzes da cidade calada ao longe disputam com as cores do crepúsculo e o latido dos cães a atenção do observador no horizonte desimpedido
Não tardará que Orionte domine os céus iluminados por súbitos fogachos 
Um nocturno de Chopin fecha a abóbada celeste


  
  

CARTA DE NATAL


www.flashmint.com


Esta carta é para ti, pequenina Beatriz. Talvez um dia, a possas ler, ou talvez imaginá-la quando souberes juntar as letras que formam palavras. Todos os dias me acode, do fundo da memória, esse lugar onde guardamos os instantes, os mais felizes e os mais trágicos, e por vezes, até os amores perdidos, mas escrevia eu, que todos os dias me visita aquele momento em que nos conhecemos, para ser mais preciso, em que te olhei, pois tu, minha pequenina, nada podias ver. Quando chega esse convívio da memória, contigo, o que sobressai sempre, é o silêncio, o grande silêncio que senti, como se estivesse no palco de um teatro perante uma peça encenada. A ausência de sons e algumas pessoas vagueando incrédulas perante o acontecimento. Lembro-me de caminhar, devagar, suspenso, ainda sem acreditar no que os olhos identificavam e, foi a ti, pequenina Beatriz que primeiro vi. Seis mãos seguravam trémulas o teu pequenino corpo, o que significava que te amparavam como se estivesses deitada. Cruzamo-nos e contornei o primeiro destroço e foi então que vi a mãe, mas compreendi que já não estava, os seus sonhos tinham acabado de nos deixar, viajavam talvez num daqueles grandes navios que tão perto nos olhavam. Não, ainda não sabia que era a mãe, só mais tarde vim a conhecer esse laço que vos unia. O olhar encontrou então a avó e de novo me deparei com outra viagem, outro adeus, alguém que estava prestes a deixar-nos. O que se passou a seguir, a memória já tem alguma névoa, alguém gritava nas minhas mãos e voltamo-nos a encontrar. Ajoelhado, os meus olhos encontraram os teus, azuis, como o mar ali tão perto, ou como o infinito céu daquela tarde de estio acalentador, os olhos azuis, quietos e longínquos e os pequenos novelos aloirados do teu cabelo. Estavas serena, muito direita, como se dormisses um sono longo e terno. O tempo passava, olhava-te e nada compreendia. Falei, lembro-me que falei, entre os gritos de quem permanecia nas minhas mãos, mas continuava a ser o silêncio a rondar-me, a ocupar todo aquele espaço e o movimento sonâmbulo das pessoas, e os automóveis, centenas, mas não se escutava o seu ruído. Quantos minutos passaram não consigo recordar. Por fim, o silêncio parou, e a vida pareceu recomeçar, as sirenes bombardeando o sossego, uma a chegar atrás da outra, e foi para ti, pequenina Beatriz que primeiro correram. Um olhar bastou para compreenderem que toda a atenção deveria recair em ti. O que ocorreu depois, não sei, porque os meus passos me levaram de saída e ainda agora me pergunto, se vim embora ou fugi.

O tempo vai passando e vai deixando essas marcas ponteadas que tendem a encobrir a realidade. Continuo a passar ao quilómetro sete mil e trezentos e de todas as ocasiões em que atravesso aquele espaço, é o silêncio que ouço, aquele grande silêncio, como se olhasse o mundo através de uma campânula. Os aviões continuam a cruzar o céu, descendo vagarosamente. Os navios, outros, permanecem acostados, como se ainda fossem os mesmos, e ao fundo, o mar, o infinito espaço de água. Contudo, desde aquele dia, é como se não encontrasse ali os aviões e os navios, apenas vejo aquele silêncio e os teus olhos azuis, serenos, olhando, interrogando o nada.

Para ti, também o tempo foi caminhando e aos pouquinhos alguma normalidade foi certamente regressando. Voltaste à escola, mas falta algo, só não compreendes ainda com exactidão o quê. Em breve, será Natal e por isso te escrevo esta carta. O velhinho de barbas brancas irá trazer-te muitas prendas, a mesa estará repleta de pessoas que te vão sorrir e cobrir-te de afectos. Ao canto da sala, a árvore coberta de luzes, e o presépio, com muitas personagens, mas este ano e para todo sempre, no teu presépio vão faltar duas rainhas. Ficaram presas naquele silêncio que desde aquele dia viaja comigo.
  

Afonso Anes Penedo



CAUSAS DA DECADÊNCIA E QUEDA

António Mesquita




Job e os seus amigos



"A palavra era acção. Levantar-se numa reunião e falar verdade era acção, porque era perigoso. Sair para a praça...era formidável, uma descarga de adrenalina, uma golfada de ar. Extravasa-se tudo nas palavras...Hoje, isso é já inverosímil, hoje é necessário fazer alguma coisa, e não dizer. Pode-se dizer absolutamente tudo, mas a palavra já não tem nenhum poder. Gostaríamos de acreditar, mas não podemos. Todos se estão nas tintas para tudo, e o futuro é uma porcaria."

("O Fim do Homem Soviético" de Svetlana Aleksievitch)

O prémio Nobel da Literatura deste ano é uma formidável recolha de testemunhos vivos. Do 'apparatchik' mais fidelizado ao entusiasta da 'perestroika'. Como eles viveram o passado antes e depois da 'Queda do Império'. De um império que não apresentava, aos olhos dos Ocidentais, os sinais explícitos de uma decadência como a da Antiga Roma. Mas se as religiões orientais tinham dissolvido o paganismo romano e o culto do imperador e das virtudes militares, se a influência dos costumes estrangeiros através da expansão do império enfraquecera o carácter dos cidadãos e apagara a imagem dos antepassados, coisas que nunca poderiam confundir-se com um 'cerco bárbaro', como o 'cerco capitalista' com que os mais doutrinários pretendem explicar a Queda da URSS, há mais do que um paralelo a tirar desta comparação histórica.

Porque há de facto um auto-isolamento e um movimento de auto-preservação num ambiente objectivamente hostil, com recurso à linguagem dupla e à ocultação da realidade que faltam ao modelo romano, talvez por este ser, sem qualquer ambiguidade, o único super-poder do planeta, mas a 'decadência' fez o seu trabalho de destruição nos dois casos e por fim ocorreu o desmoronamento, de uma forma mais ou menos caótica, mas não menos simbólica, com a tomada de Constantinopla, ou, como que auto-programada, pela implosão do sistema.

Contudo, toda a reflexão sobre o fim da URSS do ponto de vista dos historiadores, confronta-se com a experiência humana que, essa, não se deixa interpretar como objecto da história ou de qualquer ciência.

É o mérito maior deste trabalho de Svetlana Aleksievitch o de nos permitir perscrutar essa dimensão 'invisível', mas a mais fundamental.

Como o relato desse membro do partido, empenhado nos grandes ideais da Revolução e fiel ao partido para lá da razão, que foi vítima  das purgas de Estaline, nos anos trinta, sem qualquer justificação, que sofreu a prisão e a tortura e que só muito mais tarde foi reabilitado. Afinal, tinha sido um 'erro'. Perdoou ao ditador, viveu o tempo suficiente para assistir à reviravolta de Gorby e de Eltsin, e à anulação de tudo em que acreditava. O seu neto, que assistia à entrevista, calado por respeito ao ancião, quando lhe foi pedida a sua opinião contou algumas anedotas conhecidas sobre os dinossauros como o seu avô. Depois da morte, conta-nos Svetlana, o velho deixou o seu apartamento de três assoalhadas, em Moscovo, não à família, mas ao seu querido partido.

Esta história tem o mesmo significado do Livro de Job. E não é a política que a pode explicar, mas a religião.

TERRORISMO - PARTE I

Mário Faria



Os Estados Unidos iniciarão as operações militares no Golfo nos primeiros dias de Março, tudo estará terminado menos de uma semana depois, e então começará o processo de divisão do Iraque. É esta a previsão de Ali Abdulla Al-Khayat, analista político kuwaitiano, com ascendência iraquiana."Não há um único kuwaitiano que não queira ver Saddam derrubado", diz Al-Khayat, que viveu no país durante a ocupação iraquiana. "Nós só tivemos aqui as forças iraquianas durante nove meses. Imagine no Iraque propriamente dito. Os iraquianos vivem sob aquele regime há décadas. Também lá, não haverá ninguém que defenda Saddam Hussein. Mal comece a guerra, ele estará sozinho com algumas centenas de guardas pessoais". Ali Abdulla Al-Khayat, que estudou em Oxford e é hoje proprietário e gerente de uma empresa de consultadoria e que edita livros sobre o Kuwait, tem uma visão precisa sobre o que vai acontecer. "No Iraque, já ninguém tem dúvidas de que haverá guerra e qual será o resultado", diz ele, que se mantém em contacto com fontes iraquianas dentro e fora do país. "Neste momento, Saddam está num dilema: ou se recusa a destruir os mísseis Al Samoud, e haverá guerra, ou os destrói, e não terá com que se defender, se houver guerra. Mas ele acredita que os americanos farão a guerra em qualquer caso e por isso não destruirá os mísseis". O ataque começará a partir de 3 de Março, mas nessa altura Saddam já não estará em Bagdad. Estará escondido algures onde ninguém saberá, nem mesmo o filho Uday, em quem não confia. Kusay, o outro filho do Presidente, conhecerá o esconderijo, e será ele a conduzir as operações militares. O que é mais uma garantia de que a defesa será desastrosa, continua a previsão de Al-Khayat. Mal as bombas americanas comecem a cair, rebentará uma insurreição geral no Iraque. Vários grupos organizar-se-ão rapidamente para neutralizar as forças fieis ao regime. Em poucos dias, o comandante americano estará no poder em Bagdad e as várias milícias populares ter-se-ão colocado sob as suas ordens. O passo seguinte será a divisão do Iraque. Quando, no início do século XX, as potências coloniais conceberam os futuros países da região, tiveram em conta o potencial perigo do comunismo, que então começava. "Para conter a União Soviética, os estrategos da época acharam que seria conveniente ter grandes países a funcionar como tampão, a que chamaram mesmo cordão de segurança - o Irão, o Iraque, a Turquia", explica Al-Khayat. Segundo a sua teoria, a realidade hoje é diferente, a URSS desapareceu e os grandes países da região tornaram-se, eles mesmos, a ameaça." O Iraque não tem, hoje, armas de destruição maciça nem é um perigo para ninguém. Toda a gente sabe isso. Até nós, no Kuwait, que seríamos as suas principais vítimas. Mas é, mesmo assim, um perigo potencial. Principalmente, e mais directamente, para Israel". A razão é simples de compreender, segundo o analista. O Iraque é o único país árabe que reúne os três factores necessários para se tornar uma potência. "Tem em abundancia território, população e recursos. A Arábia saudita tem território e recursos. O Egipto tem população. Mas os três factores, só o Iraque". Por isso é necessário neutraliza-lo enquanto é tempo. Depor Saddam e dividir o país. Os curdos, acredita Ali Abdulla Al-Khayat, estão cada vez mais fortes, e não se contentarão com nenhuma espécie de federalismo. Se não for imediata, por causa da pressão da Turquia, a divisão do Iraque ocorrerá em breve, com a criação de um estado curdo e o resto dividido entre sunitas e xiitas. "Tudo isto com a 'ajuda' dos EUA, que se terão então posicionado para aquele que é o seu verdadeiro objectivo, na sua autodesignada guerra contra o terrorismo: o Irão". O país dos mullahs está prestes a possuir poder nuclear, acredita Al-Khayat. "Os reactores que está a construir para produzir energia facilmente se poderão converter em bombas atómicas. E se um dia o Hezbollah tiver acesso a essas bombas, vai usá-las, sem hesitação, mesmo sabendo que matará milhões de civis". O Irão é o verdadeiro ponto de encontro entre armas de destruição maciça e terrorismo. Pelo menos na perspectiva de Israel, que, segundo Al-Khayat, domina, com o seu poder financeiro, a política americana. "Esta é a verdadeira motivação dos americanos. Não o petróleo. Porque esse, os iraquianos forneciam-no de bom grado. Mesmo que os tivesse  de o comprar. Ora isso é precisamente o que Saddam Hussein mais gostaria de fazer: vender o petróleo, para ganhar dinheiro. Não é preciso uma guerra para isso". Depois do Afeganistão, o Irão é então o verdadeiro objectivo militar dos EUA. O Iraque é apenas um meio. "Se observarmos o mapa, é fácil compreender que o Irão ficará completamente cercado. A Leste tem o Afeganistão e o Paquistão, que os americanos já controlam. A Norte, as repúblicas da Ásia Central, também cada vez mais dependentes dos EUA. A Oeste a Turquia e o único elo que falta... o Iraque". 

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