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01/05/11

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ENTREVISTAS

Alcino Silva
Roberto Bolaño

Recentemente fui entrevistado por uma revista mexicana sobre a minha obra literária. Sobre os meus livros, naturalmente que disse o melhor que podia. Depois da obra chegaram as perguntas sobre a vida e o que penso dela. Como nem uma nem outra das partes foram publicadas, deixo aqui a melhor parte da entrevista.

JI: Feche os olhos. De todas as paisagens que percorreu, qual é a primeira que lhe vem à memória?

EI: O olhar. Atravessávamos as montanhas do Nepal e de súbito surgiu uma recta extensa, com as encostas laterais afastadas. A meio existia um posto de abastecimento e um bar. Paramos e saíram todos. A Elsa, a Célia, a Susana e o Rui. Já não me recordo se a Célia estava, creio que sim. Fui o último e fiquei a usufruir do silêncio que tombava sobre a aridez do planalto. De seguida entrei e foi então que senti aquele olhar. Senti-o antes de o ver. Era uma mistura de mel e amêndoa. Estava parado junto ao balcão e voltado para mim. Não sei quanto tempo me imobilizou. Tinha a pele entre o branco e o moreno, o cabelo comprido, caindo para além dos ombros, uma beleza intemporal, quase perfeita. Lembrei-me de Nefertiti, pois certamente seria uma princesa e ocorreram-me as palavras de Felipe II ao receber Ana de Áustria: “Sede bem-vinda, e ao meu coração também, que a partir de hoje é vosso”. Desde então, sempre que fecho os olhos, encontro aquele olhar.

JI: E tinha nome, o olhar?

EI: Certamente, mas não perguntei. Chamei-lhe Maria que é um nome belíssimo.

JI: Apaixonou-se por vizinhas mais velhas quando era jovem?

EI: Quase todas.

JI: As colegas da escola prestavam-lhe alguma atenção?

EI: Nenhuma.

JI: O que é que deve às mulheres da sua vida?

EI: Tudo, ou quase tudo. Sem elas nada teria feito sentido.

JI: Elas devem-lhe alguma coisa?

EI: Nada, absolutamente nada.

JI: Gosta de cães e gatos?

EI: De cães, pela sua lealdade.

JI: Com que personagens da História gostaria de ser parecido?

EI: Com qualquer um dos anónimos mesteirais que em 1383 fez estremecer a nobreza.

JI: Como é o paraíso?

EI: A caminho de Florença e voltar a encontrar o olhar das montanhas do Nepal.

JI: O mundo tem remédio?

EI: Terá, certamente, enquanto existirem mesteirais a correr nas ruas do mundo.

JI: Quando é que foi mais feliz?

EI: Quando encontrei o olhar da mulher perfeita, sempre que fecho os olhos e o volto a ver e um pouquinho todos os dias. 

JI: Confessa que viveu?

EI: Em absoluto. Viver e contemplar a vida é um momento único e se um dia encontrarmos um olhar de mulher, então, é inesquecível.


Ao ler o livro, Roberto Bolaño: últimas entrevistas, Quetzal, 2011, na última entrevista a Mónica Maristain, a certo momento, decidi substituir-me ao entrevistado e deu nisto. As perguntas são verdadeiras, as respostas mentiras por mim inventadas. Quer dizer, algumas são verdadeiras, mas não as identifico para parecerem todas mentiras. Uma palavra ou outra plagiei o Roberto Bolaño, mas tenho a certeza que não se zangará comigo pois foi na melhor das intenções. 

OS INVASORES

 Manuel Joaquim
Tropas de Junot em Portugal, segundo gravura da época


Numa visita efectuada este mês à aldeia de Brufe, situada na Serra Amarela do Parque Nacional Peneda Gerês, onde almoçámos no restaurante O Abocanhado, cuja arquitectura é da autoria dos arquitectos portugueses António Portugal e Manuel Maria Reis, premiada internacionalmente com medalha de prata na 3ª edição da Bienal Miami Beach 2005, deparámos com uma placa com a seguinte inscrição “ EM 1706 BRUFE NÃO DAVA HOMENS AO SERVIÇO MILITAR MAS HONRAVA O PAÍS NA LUTA CONTRA O INVASOR”.

Factos ocorridos naquela aldeia há mais de 300 anos, omitindo-se os contextos e as razões daquela luta contra invasor, parecem completamente desligados da realidade actual.  

Naquele tempo, o Povo da aldeia de Brufe, como o de muitas centenas de aldeias de Portugal, foi vítima de atrocidades de toda a espécie cometidas pelas tropas de Espanha nas guerras de Sucessão, por Portugal ser aliado da Inglaterra. O Povo simples e trabalhador vítima dos interesses das classes dominantes. 

Passados cerca de 100 anos, Portugal é novamente invadido por tropas estrangeiras, neste caso, pelas tropas de Napoleão,  que levou a corte portuguesa com seus apaniguados a fugirem para o Brasil em 1808. Foram, assim, novamente,  alianças internacionais das classes dominantes a provocar desgraças.  

Portugal passou a ser simplesmente um protectorado de França. Junot decretava impostos, confiscava jóias, ouros e pratas e Loisson, o Maneta, encarregava-se da sua aplicação e do resto. As tropas e administrativos franceses ou ao seu serviço não se esqueciam de complementarem o trabalho.

Junot era um homem que adorava o luxo, o dinheiro, as honrarias. Chegava “à porta do Teatro de São Carlos num coche de seis cavalos, com escolta de hussares empunhando archotes, a orquestra a tocar o Chant de Victoire e os …fidalgos de espinha curvada até ao chão”.  É uma transcrição do livro “Razões de Coração" – Romance de paixões acontecidas em Mafra ocupada pelos franceses no ano de 1808, de Álvaro Guerra, publicado em 1991, que vale a pena ler. Aqui, os Homens e Mulheres do Povo honraram Portugal na luta contra o invasor.  

Entre 1828-1834 dá-se a Guerra Civil Portuguesa, entre liberais e absolutistas, que teve  consequências terríveis. Dezenas de milhar de mortos, milhares de estropiados, muitas famílias destruídas e muitas odiosamente divididas. E novamente alianças internacionais a intervirem directa e indirectamente. Também aqui, o Povo abraçou as causas de mais justiça e de menos exploração  e saiu vitorioso.

O Povo nunca deixou de protestar, de resistir e de lutar contra as injustiças e a exploração. A luta pelo Pão, pelas 8 horas de trabalho, a luta contra a guerra, contra o fascismo e pela Liberdade e contra a perda de direitos conquistados envolveu e envolve milhões de portugueses. Muita repressão, muitas prisões, muitas mortes aconteceram. Escritores, poetas, artistas plásticos e cantores registaram para a História muitos destes acontecimentos. As mortes de Catarina Eufémia e de José Dias coelho, a prisão de Caxias, foram cantadas por Adriano Correia de Oliveira, José Afonso, Amália Rodrigues e outros.

Depois da Revolução do 25 de Abril de 1974, no 1º de Maio de 1982, na cidade do Porto, foram assassinados pela PSP, Mário Emílio Gonçalves, de 17 anos de idade, vendedor ambulante, da freguesia da Sé, e Pedro Vieira, de 24 anos de idade, delegado sindical têxtil. Em 26 de Maio de 2004, dois trabalhadores rurais alentejanos, Casquinha e Caravela, foram mortos a tiro pela GNR.  As forças repressivas, nesses negros acontecimentos, provocaram inúmeros feridos. Estes trabalhadores, como tantos outros, manifestavam-se e protestavam legitimamente contra as injustiças de que eram vítimas. Não podemos esquecer estes acontecimentos.

Depois de sugarem tudo o que era riqueza nacional e deixarem os cofres vazios, as classes dominantes e possuidoras e seus lacaios, organizados internacionalmente, como tem sido ao longo da História, pretendem continuar a sugar e aumentar ainda mais a exploração do Povo, condicionando a sua vontade, formatando-o para aceitar pacificamente o fim de todas as condições de vida conquistadas com o 25 de Abril e muitas delas já conquistadas no tempo do fascismo.  Pretendem restaurar o regime da escravatura. 

Trabalhando para essa formatação, a  quantidade de banqueiros, de “merceeiros” e “droguistas” e seus serventuários que entram em nossas casas, com vozes doces, (através das TVs, das rádios, etc.) a defender em nome da Pátria (deles!) a salvação nacional, a” negociação da nossa dívida”.
Servilmente, desempenham o mesmo papel dos fidalgos de espinha curvada até ao chão do tempo de Junot, agora perante a chamada TroiKa, constituída por um exército dos tempos modernos, que também vai legislar como no tempo do dito. Portugal passará a ser um protectorado dos banqueiros internacionais. E pretendem que o Povo também curve a espinha.
Esquecem-se que todos os impérios, desde a antiguidade, foram destruídos pela acção dos escravos. 

Há muitos anos, José Afonso, cantando, alertou para estas situações que agora se repetem:
Os Vampiros
No céu cinzento
Sob o astro mudo
Batendo as asas
Pela noite calada
Vem em bandos
Com pés  veludo
Chupar o sangue
Fresco da manada
Se alguém se engana
Com seu ar sisudo
E lhes franqueia
As portas à chegada

Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
……..

A placa que existe em Brufe enquadra-se perfeitamente na realidade actual:
PORTUGAL NÃO DÁ HOMENS E MULHERES AO SERVIÇO MILITAR MAS HONRA O PAÍS NA LUTA CONTRA O INVASOR



A LUTA TEM DE CONTINUAR

Mário Faria


A afirmação da independência do poder político e a defesa do papel do Estado para “corrigir falhas do mercado, arbitrar conflitos e agir em prol da coesão” são insuficientes para distinguir o projecto socialista dos demais. O capitalismo do passado concentrava os trabalhadores e favorecia a consciência de classe. O actual fragmenta. Há formas de representação e organização que caducaram. Pois sim, mas em Portugal os trabalhadores raramente se conseguiram unir na acção. CGTP e UGT quase sempre viveram de costas voltadas, com momentos de grande crispação e ainda hoje convivem sob o signo da desconfiança. Em termos partidários, a situação é bastante mais radical,  porque nunca houve qualquer entendimento entre os partidos de esquerda, salvo em situações muito particulares (muito delimitadas no espaço, tempo e abrangência) que quase nada mudaram a rotina de total divórcio entre partidos que deveriam ser capazes de criar algumas pontes de entendimento.

Enquanto a esquerda continua irremediavelmente dividida, a actual geração de economistas, a que se juntaram alguns seniores de outras escolas que agora esconjuram, é claramente neo-liberal e de direita. Já tinha compreendido que havia portugueses com direitos, conquistas e mordomias insustentáveis e nesse grupo reconheço muitos desses virtuosos que defendem que é preciso acabar com os privilégios dos trabalhadores e arrumar, de vez, com o actual Código do Trabalho. Esta saga destruidora de direitos que deveriam ser património da humanidade,   está a conduzir o país para uma dinâmica destrutiva e depressiva de irremediáveis consequências.  No futuro acordaremos mais pobres, como país e como cidadãos, mais incultos e portanto menos capazes de reagir às exigências do mundo contemporâneo.
“A política cedeu o lugar à economia, e esta, por sua vez, apropriou-se da política. Ao contrário do que se diz, a crise das dívidas soberanas e o ataque ao Euro não resultam dos “mecanismos” do mercado, nem são consequência inevitável de factores económico-financeiros. Usa-se a máscara de uma agenda financeira para impor uma agenda política.

Quem reina agora são os especuladores (“jazemos e possuímos”). As agências de rating são os seus oráculos. Geraram um novo produto transaccionável: o Estado-mercadoria. São milhões de pessoas, Estados inteiros oferecidos em holocausto à gula do capitalismo de casino.
O descarado gáudio de alguns com a entrada do FEEF/FMI não vem somente das grandes negociatas em perspectiva com a liquidação  do Estado social. Vem do sabor antecipado de triunfo sobre os próprios mecanismos democráticos. Trata-se de confrontar o eleitorado com o facto consumado das decisões técnicas.

Nunca a ideologia de dominação foi tão sofisticada. Já não lhe basta “assegurar” o sentido do voto. Pretende-se torná-lo obsoleto.” (Mário Vieira de Carvalho)
O que me assusta mais são as coisas não assumidas, as coisas escondidas. A mentira em que nós vivemos. Apesar do progresso científico e tecnológico, a democracia, neste momento, termina onde começa a ditadura financeira. Entendo que quem se endividou deva cumprir os seus compromissos com terceiros, por inteiro. Mais : que se ponha tudo em causa,  menos que se mate o doente com a cura. O que não aceito é que o castigo (os juros e a aplicação de políticas cegamente restritivas) seja demasiado cruel, comandado e executado por “torcionários” sem escrúpulos. 

A mim, pelo menos, isso aparece-me absolutamente inaceitável. A minha sensibilidade diz-me que  o mundo tende  para uma nova ordem de cariz autoritária, dominado pelos centros de decisão financeiros, sejam eles quis forem, que se submete aos votos enquanto souber que vai continuar a ditar as regras, porque o capitalismo já não consegue sobreviver com rosto humano. Agora é só máscara ! Estamos f******. A luta tem de continuar.


MUDAR DE REGIME?

Mário Martins
http://sciencespoaix.blogs.nouvelobs.com



Agora que batemos no fundo, torna-se mais nítida e até incomodativa a sensação de que, não pertencêssemos nós à União Europeia, e, como escrevia no meu artigo de Outubro passado, já se teria ouvido o ruído das botas de novos “salvadores da Pátria”, embora em inevitável registo de farsa.

De há uns tempos a esta parte que é moda pressagiar ou advogar a mudança do regime, geralmente sem esclarecer o que se deve mudar e para quê. É o caso, por exemplo, do conhecido comentador Vasco Pulido Valente que no Público de 15 de Janeiro passado afirma que “só se resolve a crise mudando de regime”. Mudar para que regime? VPV não diz e, talvez por isso, o seu artigo tenha sido transcrito e comentado no blogue Família Real Portuguesa…

Não que o regime democrático (no sentido estrito, mas importante, de regime de liberdade política), não precise de um abanão e de uma correcção não menos democráticos. Depois da geração do 25 de Abril a política profissionalizou-se numa escala sem precedentes, os partidos ocuparam todo o terreno, e os fundos europeus tornaram mais farta a já de si apetitosa mesa do orçamento geral do estado.

Mudar de regime ou mudar o regime? Para além de poder ser uma república (que eu defendo) ou uma monarquia, o regime ou é uma democracia ou é uma ditadura, quer dizer, ou assenta na liberdade política dos cidadãos ou na sua coerção. Concretizando, sobretudo para as pessoas que não viveram o Estado Novo, se mudássemos para um regime ditatorial, adeus Internet, Facebooks, e Blogs livres, Televisão, Jornais, tudo passaria a ser vigiado e censurado (para além da sua actual formatação), ninguém poderia, sem - digamo-lo de modo benévolo - correr o risco de ser seriamente incomodado, criticar as autoridades, os políticos, ou denunciar a corrupção, o fausto, as injustiças. Manifestações como a da “geração à rasca” não seriam autorizadas, em nome do “superior interesse da Nação”. E passaríamos à categoria de estado-pária da Europa.

Precisamos, pois, de mudar o regime e não de regime. Para além de eventuais ajustamentos no modo de organização do estado, o caminho deve ser o de mais cidadania e responsabilidade, o de inventar espaço democrático fora dos partidos, sem pôr em causa a sua existência (quer dizer, fazer o oposto do que fez o Dr. Fernando Nobre), o de exigir aos partidos maior respeito pela coisa pública.    




PS: O momento é de aflição geral, mediática, real e psicológica. Mas os dois partidos que governam o país há 35 anos não cessam o espectáculo das recriminações mútuas, invocando, até à repulsa, o interesse nacional. E se, em vez da invocação, agissem, neste momento tão complicado, no interesse do país? Senhores Engº. José Sócrates e Dr. Passos Coelho, porque não se calam?


PLEONEXIA

António Mesquita

http://www.provincia.udine.it


 
Como acontece com as palavras que, de tanto repetidas, já só encontram ouvidos surdos, a palavra capitalismo já não parecia mais do que um tique da esquerda, que se levava à conta da crença.

Pode ver-se na dificuldade de alguns partidos em renovarem as suas expressões o sintoma dum progressivo afastamento da política em direcção ao culto puro e simples, que preserva a unidade dos fieis mas, na verdade, abdica de “lançar as suas redes” para a sociedade em geral. Nesse caso, a realidade já não é precisa para nada.

Mas nas grandes crises, nem esse culto é imune aos acontecimentos e, para nossa surpresa, um dia reparamos que, por essas bandas, se começou a utilizar a linguagem comum (como não podia deixar de ser, a dos media).

O capitalismo que se tinha tornado uma coisa tão abstracta e trans-ideológica (com a entrada da China na sua esfera, mesmo que considerada como um recuo leninista, é um passo de gigante, com óptimos resultados, diga-se de passagem), passou a ser referido aqui e ali como “os mercados”.

Luís António Verney dizia que era prática corrente, no seu tempo e no seu país, recorrer abusivamente a perífrases e a epítetos, em vez de chamar as coisas pelo seu nome. O problema é que “os mercados” não é ainda o nome da coisa. É mais um epíteto.

Os Gregos, pelo seu lado, tinham uma palavra muito mais eloquente: pleonexia, a insaciável vontade por mais e mais, e José Afonso era ainda mais expressivo, com os seus vampiros.


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