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01/06/09

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O APROVEITAMENTO POLÍTICO

António Mesquita



A propósito das reacções dos partidos da oposição ao processo disciplinar instaurado por alegadas pressões sobre dois procuradores do caso Freeport, empregou o governo a curiosa figura do aproveitamento político. Curiosa porque, equivaleria, em termos futebolísticos, a criticar o jogador que tomasse conta da bola que lhe veio parar aos pés.

No sistema de partidos, não há quem não "se aproveite" das posições e dos movimentos dos "partenaires", para definir com a maior vantagem possível a sua própria posição, quer isso seja feito com um contra-movimento ou simplesmente ficando parado.

Houve um momento, por exemplo, em que a seguir ao cansativo protagonismo da anterior direcção, a líder do principal partido da oposição pensou aproveitar da suposta ânsia de contenção e silêncio do eleitorado, mas foi o que se viu. Foi acusada de não ter ideias e de fugir às questões, em suma, de não exercer a sua liderança, como aquele conselheiro de que nos fala o Eça, cuja profundidade se confundia com a inexistência dum cérebro por detrás da sua ampla fronte.

De facto, como já todos tivemos oportunidade de verificar, as posições dos partidos não têm, nem podem ter, referências absolutas e nem sequer dispõem do GPS ideológico que um cardeal hondurenho de visita ao santuário de Fátima recentemente pedia para o seu rebanho.

O sistema refere-se sobretudo a si mesmo, apesar de poder fazer parte da sua semântica a invocação de modelos exteriores ou de doutrinas supra-nacionais. A distinção de cada partido é função daquilo que caracteriza os que com ele concorrem no mesmo espaço. Por isso, os adversários mais renhidos são os ideologicamente mais próximos, a insignificante diferença obriga-os à evicção simbólica do "semelhante" para o limbo do juízo negativo absoluto que é o da traição.

À medida que os anos vão passando e a nossa democracia se vai normalizando, os diferentes horizontes de onde vieram os vários partidos foram-se diluindo na mesma linha imprecisa e crepuscular.

O perigo de não se "manterem as distâncias" e de se tornar claro para o eleitor que só lhe resta escolher entre Dupont e Dupont leva, nestes tempos em que a televisão se tornou na verdadeira tribuna, a uma espécie de darwinismo mediático. E a luta pela diferença espectacular é uma luta que movimenta muito dinheiro e talento.

Por tudo isto, soa a falso a "ingenuidade" de pretender ser possível jogar nos partidos sem aproveitar as ocasiões.


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A ESPERANÇA AINDA NÃO MORREU?

Alcino Silva

Makarios III


O voo seria pacato se a monotonia dos motores do il-62 não fosse perturbada sobre os Cárpatos com a notícia de que o arcebispo Macários fora derrubado e que os turcos tinham invadido a ilha. Novo êxodo entre turcos e gregos, mais mortos, mais violência somada à história. Ainda não se tinham enchido os cemitérios com o massacre perpetrado por esse estrume que deu pelo nome de Augusto Pinochet e tudo recomeçava. Somoza, El Tachito, ainda semearia por longos anos a sua tragédia de terror sobre a Nicarágua, a Guatemala continuava a ser um território de valas comuns e em El Salvador, um bando de latifundiários fazia do território um antro de tortura medieval. A sul, a Colômbia prosseguia a sua guerra de cem anos contra a sua própria população e mais para sul ainda, os militares, argentinos, brasileiros, uruguaios e bolivianos transformavam a vida dos povos em regime de caserna e de ambiente zoológico. Pelas ruas, nas penitenciárias, em espaços inóspitos ou no mar para pasto dos tubarões, eram lançados os descontentes, os irreverentes, os rebeldes, os que amavam e escutavam sons que agitavam as veias da liberdade. Por sobre todas estas tragédias, tutelando o mando o governo, sempre democrático, dos Estados Unidos que pedagogicamente instalava no Panamá, uma escola… de tortura naturalmente. No Vietname o drama de 30 anos chegava ao fim com o país devastado e 3 milhões de mortos para enterrar. Pelo Médio Oriente, os judeus inventavam os seus holocaustos sobre os palestinos, arrastando esse teatro religioso que prossegue nos nossos dias, impune, vergonhosamente impune. Timor, chegaria em breve e longe estava ainda a monstruosidade que se havia de abater sobre as terras do Tigre e do Eufrates. 100 mil, 500 mil, 1 milhão de mortos? Que holocausto este dos nossos tempos em que um povo é incinerado na chacina das bombas democráticas e nem conseguimos contá-los, como se fosse sequer importante discutirmos a diferença entre as cifras. Também não era possível adivinhar que esse homúnculo que dá pelo nome de Javier Solana haveria de baixar o braço para que os aviões da democrática NATO arrasassem o que restava da Jugoslávia e deixassem mais 5000 mortos sem culpados. O Ruanda chegaria também com esse cortejo de 1 milhão de mortos. Pelo caminho tinham ficado as independências de África com a Argélia a encabeçar essa lista onde se acumulam seres humanos tragados na tragédia de violência de poder ou poderes insaciáveis. Duas guerras mundiais num só século e mais 80 milhões de mortos, em nome de nada, de razão nenhuma a não ser uma desigualdade social que carrega a hipocrisia dos que mandam, a sua sofreguidão que conduz até ao extremo da morte, da violência e da tortura os seres humanos que possam ter esse desejo de viver, com os elementos essenciais que carrega a vida. Verdadeiramente a minha alma deixei-a com os últimos soldados revolucionários que defenderam Jalalabad. Após isso, o Afeganistão mergulhou numa escuridão imensa e mais uma vez esses democratíssimos senhores dos Estados Unidos, aplaudiram quando o último presidente dessa gesta que tentou trazer essa nação milenária da Idade Média até aos nossos dias foi arrastado da sede da Unesco, enforcado nas ruas de Cabul com os testículos na boca. Tudo está bem quando os democráticos interesses dos Estados Unidos saem protegidos. Reconheço o meu cansaço perante tanta democracia que tem por missão matar, devastar, carregar a humanidade de uma humilhação que a prostre perante os interesses de uma minoria que não passa de uma casta inqualificável, desordeira e que instalou um sistema de ladroagem que deixa a sociedade humana arrasada e exangue.


Os sons chegam lentos como que brotando daquelas pedras centenárias. Sente-se o estremecimento do granito no interior daquela abóbada amarelada. Ganham asas e voam, planam naquele espaço de descanso e de repouso. Não chegam a perturbar a tranquilidade daquele fim de tarde, antes pelo contrário, esvoaçam como uma leve carícia sobre o pensamento humano, sobre o desejo dos homens de voar para o infinito em sonhos de alegria. O interior do mosteiro de Rates acolhe-nos nesses isolamentos que nos conduzem até essa música nascida nos mosteiros medievais e que louvava a Deus em madrugadas de dias em que o sol fazia renascer a alma. Agora voa como um pássaro de asas largas e arrebata-nos para esse êxtase de acalmia, fazendo-nos esquecer essa tragédia humana que a história nos relata, o presente nos mostra e o futuro promete não acabar. Aceito o refúgio dessa harmonia, entre a melodia e a reflexão, espreito pelas frinchas românicas, deixo que o olhar se perca no contorno das ogivas que levantam arcos sobre a vontade dos Homens e lhes recordam a perenidade dos tempos. No exterior, o crepúsculo parece aproximar-se do sossego daquele vale verde e extenso, protegido do vento pela serra. Tudo parece calmo e a brisa que sopra sobre as coisas e sobre os Homens parece ser apenas um momento refrescante e apaziguador. Deixo o olhar perder-se no horizonte, nesse sol que desce lento sobre o oceano e chego a interrogar-me, será que a esperança ainda não morreu?


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FRAGMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UM PERSONAGEM – II

Sá Pimenta
Vista das Fontainhas (norteinho.blogspot.com)




Tinha uma grande paixão pela pintura que ganhava expressão nas aguarelas. De uma beleza e transparência quase divinal. Mas era e é preguiçoso. Foi perdendo a vontade de viver a cor. Foi aprofundando mais a utilização da paleta do cinzento claro ao preto. E intensificava a geometria que punha nas suas criações livres, claramente influenciado pelo curso que concluíra e que lhe assegurou o ganha-pão. Integrou uma equipa de arquitectos. Gabinete de prestígio na cidade do Porto.


Um pequeno círculo de amigos sustentava as suas fobias, medos, exaltações e momentos, muitos, de grande introspecção. Foi assumindo uma atitude marginal. A guerra azedou-lhe o ser. A dor de ver amigos partir e regressarem para lágrimas serem carpidas fizeram-no escolher o lado escuro da vida. E aí foi assistindo com ironia e mordacidade à maldade do Homem. O veneno ia-se instilando e ele deixava que lhe fosse penetrando nas veias. Esteve indiferente às transformações que a sociedade nova foi construindo, destruindo e reconstruindo. Abandonou a dádiva ao outro. Poucos se lhe aproximavam e os que o conseguiam notavam-lhe a frieza de alma.

A sua figura em termos estéticos, visíveis, vinha assumindo uma certa singularidade. Desde há muito que passara a andar de boina basca, que lhe escondia uma cabeleira forte e grisalha, deixando à mostra um rabo-de-cavalo muito bem arranjado. Roupa larga e cores lúgubres. A tiracolo, trazia uma bolsa, em ganga, forrada a flanela aos quadrados vermelhos e pretos. Uma bonita peça de artesanato puro que tinha sido pertença do amigo Diogo, seu condiscípulo.


Com quem partilhou um apartamento na zona das Fontainhas, com amplas quatro assoalhadas. Numa delas, com vista para o Douro, tinham montados os seus estiradores onde davam largas à sua criatividade mas também onde executavam algum trabalho fora do circuito normal das suas responsabilidades profissionais. Espaço de grandes tertúlias, grandes farras e de expressão pura e dura de emoções. Também de consumos e hábitos fora dos cânones. O amigo finou-se, cedo. Corroído pela doença, de que não interessa saber a origem, mas que deu paz a uma certa rebeldia incontrolável por opção consciente. Desde que Diogo partiu manteve-se no mesmo apartamento. Mas agora o espaço era imenso e sombrio. Muitas vezes, mesmo de dia, angustiado, saía de lá com medo. Assustava-o o vazio da sua ausência. Olhar para o rio já não lhe dava sossego e paz interior.


GRITOS (A UM HOMEM NAUFRAGADO PARA DENTRO DE SI)

Cristina Guerreiro



Não é que não saiba que vens, que esta espera agarrada à areia é tão âncora quanto o cabelo ao vento mas esse escondo-o sob o lenço por temer que também o mar mo engula como a ti comeu e só o guardo porque ainda tenho as tuas mãos ásperas agarradas aos fios da trança que me puxavas, era a tua corda para o regresso, a barca puxada pela minha vontade de te sentir o sal a arranhar na cara, a tua, a minha, as confissões e os obrigados aos santos que não acreditamos mas que nos valeram nas palavras que mastigámos feitas espera e também as promessas, todas as que fizemos para nos obrigar a ajoelhar e a dizer que falta me fazes, que falta me fazes e afinal bastava a luz dos olhos e depressa esquecíamos, mas gritávamos, muito e perto um do outro para que o ruído do silêncio não atrapalhasse a falta, fazes-me falta.

Ainda assim partias.

Eu que sempre tive vontade de te segurar os braços e mentirosa traçava os meus ao peito jurava que livre é que serias meu e deixava-te ir. Que falta me fazes, bastava ter-to gritado a favor do vento e tu verias, virias, ainda que de remo só a vontade cortasse este mar imenso que desaguou aos nossos pés e onde mergulhas por cada vez que parece que te esqueço mas não esqueço, faço-me forte, faço de conta que hás-de voltar.

A falta que me fazes, agora que perdi a voz.

PÁGINAS LIBERTAS

Sá Pimenta

http://tempocativo.files.wordpress.com



Um exercício de construção de poema com utilização de três elementos: uma arma um quarto, néon


Qual décor de Tarantino, quedo-me ali só e desterrado.
Em espaço que não domino nem faces que conheça.
Naquele quarto miserável de pensão do terceiro mundo
Em cidade farta de luxo, grandeza e abundância.

Ponho os olhos no tecto
E no meio percurso do estender do meu olhar,
Lá está a lâmina cintilante
Do cutelo
Esperando uma quebra na minha resistência
Para em movimento fulminante
Vir de lá de cima violenta
Cair sobre a minha carótida

Enquanto lá fora as luzes dos néons
Alegremente e luxuriantes
Artificializam a noite.


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