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01/04/13

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AGORA QUE…OS GATOS

Mário Martins




Agora que, prudentes, os deuses do ocidente se retiraram
Agora que, triunfante, o livre-arbítrio comanda
Agora que se quebrou a aliança com os mitos fundadores e as ruínas sagradas
Agora que o interesse pela filosofia se tornou incompreensível
Agora que o oriente não é o que se vê do ocidente
Agora que portugal está sem presente
Agora que se compra barato o ouro dos novos pobres
Agora que banqueiros não aguentam os cortes
Agora que a maioria dos votantes italianos votou contra
Agora que a união europeia está sem futuro
Agora que, de novo, habemus papam
Os gatos, insensíveis, fornicam e dormem,
Ao sol.



Postado com o Blogsy

CARTA PARA ALGUÉM QUE RECEBEU UM TELEFONEMA

Cristóvão Sá-Pimenta
colourbox.com

Gritavas ufano e arfando: mãe, pai, … ele telefonou-me: vou a ministro
E tua mãe com teu pai ao lado acenando afirmativamente:
- Filho, não renegue as tuas origens e nem fujas à verdade.
Dizias então: - à partida, os meus ideais irão cumprir-se.
Hoje, à chegada, vejo-te perdido no lamaçal.
Anunciavas: - as pessoas estão sempre primeiro.
Agora, vejo indefesa gente no lodaçal.
Não estavas ainda no pedestal e gritavas:
- olhar o passado nunca, o futuro nos inspira.
Agora, os desmandos alheios de outrora são justificação de erros teus.
Como eram lindos teus discursos de afirmação de independência.
Agora queres prolongar em nós a tua subserviência.
Apregoavas aos quatro ventos:
- modernidade, progresso e liberdade se aprofundariam.
Meses passados sobre a tua entrada impante,
jovens em fuga, gerações da revolução incrédulas
assistem incapazes à entrega de tudo
que se abocanhe de forma fácil e custo zero.
Lembro-me quando gritavas: - liberdade bem maior.
Há dias, vi-te impedir que jornalistas recolhessem
imagens e som de sessões de propaganda
que tu e os teus acólitos prepararam para gozo onanista.
Era bom ver o teu sorriso largo de contentamento
assistindo ao triunfo da criatividade e mentes libertas.
Nestes dias não consegues esconder teu sorriso hipócrita,
assassinando inteligência, ciência e cultura.
Às envergonhadas e escondidas visitas aos lupanários de “vícios privados”, tu e os teus
preferem “públicas virtudes” orgasmando-se nos entrefolhos dos mercados,
fecundando ad eternum tudo e todos em agiotas orgias de trocos, trocas e troikanos.
Dizias também: - depois lá, exibirei vanglória, mantendo poder eterno.
Enganavas-te pois o povo já diz “querer um mundo novo a sério”.
E balas não tendo nem querendo até das palavras fará arma para destruir
mentira, ignomínia, hipocrisia, cinismo e perfídia.
Entretanto ides corroendo raízes de árvores gastas
matando sonhos de rebentos a despontar.

HÁ SEMPRE UM AMANHÃ...

Mário Faria
http://franklypenn.com


Um dia é composto de momentos. Na nossa vida, há muita rotina o que não impede que aconteçam situações que escapam à monotonia e apelam à emoção e/ou ao desassossego. Era mais um dia chuvoso que começou com o despertar habitual, e depois uma série de idas: ao café, á tabacaria, ao barbeiro, a uma entidade pública para tratar de assuntos pessoais e à farmácia, circuito que completei da parte da manhã, tendo deixado para a tarde o hospital, na condição de visitante.
Percorria uma teia de corredores das Finanças, envolto em pensamentos lúgubres pelas malfeitorias que neste país aplicam aos reformados em geral, e a mim em particular, quando uma senhora idosa, bem composta, parou diante de mim e disse com severidade: “O senhor leva a braguilha aberta: não se vê nada, mas devia ter mais cuidado”. Surpreendido, atrapalhado e sem palavras, não reagi de imediato. Adita senhora continuava impávida e serena à minha frente e só quando me mexi e pus o fecho no lugar onde deveria estar, se afastou com um breve aceno de consentimento, como a autorizar-me a retomar o caminho que faltava percorrer. Vou passar a ter muito cuidado, para não receber mais raspanetes e não passar mais vergonhas.
Não ficaram por aqui as surpresas da manhã. O tempo tinha melhorado e o sol, embora um pouco envergonhado, permitiu-me fechar o guarda-chuva, que prometia virar a cada rabanada de vento. Junto do cruzamento que tinha de atravessar e com vários sinais de trânsito, um carro desportivo, conduzido por uma jovem, teve de pararporque o sinal vermelho assim o exigiu. Era interessante, trazia vestuário ligeiro e a janela aberta, o que permitia ouvir a música a muitos metros de distância. Maneava-se ao ritmo da música disco, muito animada e de maneira contagiante, tanto que um jovem, que caminhava no passeio próximo, parou e acompanhou-a nessa dança, separados pela distância, mas unidos na comunhão dos movimentos dos corpos que tinham acertado com alguma harmonia. O verde do semáforo cortou o encantamento,a moça arrancou rapidamente e acenou um “adeus” à melhor maneira dos filmes italianos dos anos sessenta. Foi muito giro de ver. Foi diferente e o último raio de sol naquele dia cinzento.
Ao almoço fui cilindrado pelo bombardeamento que a Europa lançou sobre o Chipre. Já não é uma ameaça: é a guerra. Os próximos alvos serão os PIIGS: em suma o golpe final no sonho Europeu. Preparemo-nos para o pior e estudemos as condições para a saída da zona Euro, que precederá o desmantelamento da União Europeia.
A meio da tarde, dirigi-me ao hospital. Chovia torrencialmente. Cumpridas as formalidades, subi ao terceiro piso onde se situava a enfermaria. Falei com a enfermeira que não me deu boas notícias: a doente estava pior, embora a pneumonia estivesse em regressão. Fiquei impressionado com o que vi. A minha Mãe não reagiu aos meus estímulos. Abriu os olhos, mas não me viu. Insistiu no silêncio, embora os lábios mexessem como se estivesse a conversar com alguém. Provavelmente, dialogaria com o seu deus sobre a oportunidade e o caminho para chegar junto dele. Não havia ainda acordo, conforme julguei perceber pelos acenos que fazia com a cabeça. Certo é que já não tinha qualquer influência na decisão final, provavelmente nem o corpo médico.
Regressei a casa arrasado: liguei a TV para sentir o prazer do barulho. Só muito maistarde me deitei. Há sempre um amanhã, salvo para os que decidem partir depois de terem acordado, com o seu deus, o modo e o tempo de o fazer.

UMA PARÁBOLA MODERNA

António Mesquita
"Metropolis" (1927, Fritz Lang)

O senhor de Metrópolis é um mal necessário. E é na medida do seu poder sem mediação um ser implacável e desumano. O paraíso em que brinca Frederson torna-lhe insuportável a vista das crianças condenadas. É um lugar de prazeres inocentes. O herói não está corrompido, apenas não sabe. Como o primogénito da Bíblia, ele conhece o fruto proibido por intercessão de Maria. E a miséria do homem, o nome do irmão põem fim a uma adolescência venturosa.

O filho do senhor desce ao mundo das máquinas e incarna o papel dum operário. O expressionismo concentra no seu trabalho o símbolo do sofrimento de todos os que não são mais do que apêndices mecânicos. O homem crucificado num relógio.

A certa altura o filme parece sugerir-nos que o exército de escravos pode ser substituído. Mas num dos muitos passes da lógica para a imaginação que se podem ver em Lang, o robot é mandado às catacumbas fazer a personagem do diabo. Na figura de Maria, a preceptora das crianças, a voz angelical que anuncia o fim da servidão, surge a feiticeira que atiça na alma dos oprimidos a força destruidora dos instintos. E o tema da revolta dos escravos coincide com outra explosão: a da água que rebentando as comportas inunda a cidade operária. Ao destruir as máquinas, os escravos atraem sobre a sua cabeça os maiores males. Não é por acaso que nenhuma força de repressão é alguma vez encarada pelo dono de Metrópolis. Se o castigo viesse dum agente humano perdia-se a clareza da parábola. Lang quer dizer-nos que o económico é o verdadeiro sujeito da opressão. Isso resulta evidente quando da acção cega dos operários amotinados são eles as primeiras vítimas. O fogo revela que a falsa Maria não é uma criatura de carne e osso. No seu esqueleto metálico a multidão reconhece o mecanismo da própria paixão. Ao mesmo tempo Rotwang, o sábio louco – e judeu infalivelmente (percebe-se que tem a noção do mal que faz, e que ao criar a antítese de Maria, a pura, repetiu o deicídio da sua “raça”), tenta fazer desaparecer a outra Maria para que a multidão não o massacre. E vemos uma perseguição por entre as gárgulas no telhado da catedral seguida por todos os olhares. A presença de Maria é já visível, e é isso que Rotwang se obstina em não ver. Frederson, o amoroso, tenta salvá-la. Corre perigo. Pela primeira vez, o senhor de Metrópolis ajoelha. O homem aparece no déspota que sofre pela sorte do filho. Enfim, Frederson é o anunciado mediador. É ele que, à porta da catedral, sob a égide da religião do amor entre os homens, consuma a reconciliação. O representante da massa ordeira do trabalho aperta a mão ao patrão omnipotente de antes da Revolução. Como se ambos reconhecessem a mesma dependência do destino.

Mas a solução de Rotwang teve uma inesperada confirmação nos tempos actuais, com a desindustrialização do Ocidente.

PRIMAVERA

Manuel Joaquim
backyardnature.net

Os cristãos estão a celebrar a Ressureição. Esta celebração tem a ver com a Lua Cheia, com o início da Primavera, com o renascer das árvores, das flores, dos frutos e com o renascer de novas vidas e de novas esperanças. As sementes estão lançadas. Mas a intervenção do Homem é fundamental. Sem a sua intervenção as colheitas não serão boas e novas vidas e novas esperanças não se renovarão. Por isso, o Homem trabalha, luta e canta organizadamente para que novas esperanças renasçam na Primavera. Os frutos serão colhidos e saboreados um dia mas não se sabe quando. Grandes obstáculos estão pelo caminho, muitos deles alimentados por fantasmas criados por profissionais contadores de histórias infantis que assustam até pessoas bem pensantes. Mas com o trabalho organizado do Homem, cantando cada vez com mais vigor o renascimento da Primavera, os tempos de Abril e de Maio serão de esperança e de confiança na obtenção de bons frutos.


O QUE PROCURAMOS

Alcino Silva



Estou em crer que desde o momento primeiro em que os nossos olhos se abrem, iniciam uma procura, de um sonho, de um objectivo, de um lugar. Sim, certamente sem o sabermos, o nosso primeiro olhar, enquanto vagueia na descoberta do que vê, está já a perseguir uma utopia, o grande objectivo da vida, chegar, embora não saibamos onde. Sei que foi assim, na timidez dos meus passos primários, das mãos que procuravam um ancoradouro, do olhar que ansiava a descoberta do novo. E viajei. Ao longo de décadas, os meus pés não se cansaram de palmilhar o mundo, o terreno e o celeste. Procurava. Demandava algo que não sabia, mas acreditava identificar assim que chegasse. Por onde andei perde-se o relato pelas brumas da história e rompi elos do tempo nesse caminhar sem descanso. Atravessei onze fusos horários pendurado nas janelas do transiberiano, cruzei rios, ladeei lagos, recordei a passagem das Aleutas no primeiro povoamento das Américas e revivi esse momento nas caravelas de Colombo desembarcadas nas praias caribenhas antes do holocausto indígena. Nos tempos de Inverno desenhei bisontes nas pinturas de Lascaux, naveguei nos barcos egípcios que carregaram as pedras que transformaram em esplendor os palácios de Luxor. Auxiliei os pintores de Florença e servi na Corte de Nefertiti. Ainda a memória não descansara da vivência centenária das Feiras da Flandres e já os meus olhos se humedeciam ao lembrar aquele dia em que a caminho de Siracusa ouvia Pitágoras contar aos netos que o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos. Entre secantes e tangentes vigiei as noites em que Galileu, Galilei, espreitou os astros e muito mais tarde, debruçado na janela de uma nave fantástica circundei os anéis de Saturno. Cruzei mares infinitos, uni o azul da água com o do universo e aterrei na Terra do Fogo donde trouxe a tristeza e a melancolia que enche os meus dias, mas nesse lugar longínquo aprendi a escrever cartas de amor e a construir amizades. Nas alturas de Machu Picchu aprendi a compreender a grandeza humana e a beleza dos gestos e dos sentidos. Da cordilheira andina avistei as naves de Gama, sobranceiras, atravessando o Índico e altaneiras devastando culturas, regressando de bojo cheio das especiarias que mudariam a Europa. Resisti esfomeado no Cerco do Porto, onde ouvi os gritos de liberdade que reformariam o rosto do meu país, sete balas só na mão já começa a amanhecer, cantaria o poeta e apregoaria o ideal dos homens que sonhavam no interior das muralhas sitiadas, enquanto o fragor da artilharia elevava mais alto o querer humano. E triunfamos como num outro tempo quando vivi entre os mesteirais de Lisboa. Que tempos esses, após a glória da presença árabe que me enchia as madrugadas de um canto que soava a maré cheia ou aos poentes desérticos de África. Não sabia do que precisava, mas não desisti, pois certamente o meu querer seria grande para tão longo caminho. Em vales misteriosos descansei a alma à sombra de milenares mosteiros. Vagueei por portos e aldeias, escondi-me nas montanhas alpinas dos horrores das pestes medievais e quando em Roma parei na observação da opulência, dessa riqueza semeada de ódios, vontades e ambições, sentia já essa fadiga que nos assalta o corpo quando não encontramos o que procuramos, mas pela primeira vez que me interroguei, estava no Cabo Norte no extremo dos gelos noruegueses, escutando o silêncio árctico e vendo a dança colorida e fantástica das auroras boreais. Que procuro eu, que bastará para me fazer aconchegar num lugar e fazer cessar esta caminhada histórica, interroguei as noites gélidas dos frios polares e ainda de novo desci nos barcos viquingues que assolavam o litoral ocidental da Europa nesses saques medievais e assim cheguei até à costa onde a terra acaba e o mar começa e foi nesse istmo de rocha nua que olhando o infinito azul oceânico, compreendi que para sossego da alma e acalmia do sonho, não se tornavam necessárias mais viagens, nem conquistas e descobertas, nem fantasias de grandeza. Para que tudo que procurei chegasse, bastava apenas…, uma palavra tua.


TRAVESSIAS

Cristina Guerreiro

(Ferreira da Cunha)

 

Para lá, ainda o consolo do dia pardo a disfarçar a travessia tranquila, um faz-de-conta em que nada aconteceu, ainda há tempo para viver, embalos de quem caminha sobre a água e observa o céu sem nada no olhar. Ocupam espaços. Trituram ar. Estalam ossos dos dedos. Em minutos, parecem ter ganho corda de realejo e animam-se numa corrida sem prémio, acotovelam-se, desprezam-se em hálitos baços, espantam pombos, desaparecem sob o asfalto como se a cor das estradas os engolisse de um trago.

Tão rápido perderam o azul líquido, um sonho que fosse nascido em cauda, ou ponte, ou até mesmo um agasalho, qualquer coisa... uma coisa qualquer que pudessem esconder nas mãos e aquecer e dizerem sua.

No regresso vêm moribundos, feridos de um cansaço fétido e rancoroso, alguns a fingir a própria morte, outros a brincar com ela. Não há água que os impressione, que os baptize de serem homens de novo, um caminho renovado pela beleza da vida e da simplicidade do dia e da noite.

Sinto-me só.

Uma solidão cosida à pele que me magoa e arranha nas costuras da lembrança, sem fecho nem botões para despir, um desconforto que incomoda pelo aperto das lágrimas que não saem e amargam, engasgam, atropelam vozes, datas, gentes e até os rios da minha existência.

Ninguém me vê. Ninguém olha o rio. São ruas de água, obstáculos, incómodos.

Fui feliz em todos os rios que conheço.

E uma bonomia amorna-me o céu da boca e faz-me entoar ladainhas de criança numa gritaria silenciosa, coisas que nunca se esquecem.

O rio tem destas coisas, tanto limpa o encardido e mostra os sorrisos dos dias bonitos como afasta as manchas da nebulosa do imaginário, uma memória mentirosa que suja a boca de palavras que inventamos para defender a dor do que não querer e não gostar, olhos tapados por mãos que vão entreabrindo dedos, claridades que escapando, ferem.

 

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