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01/11/19

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O POVO E A MULTIDÃO

António Mesquita



"Levar uma multidão a pensar é quase tão impossível como levá-la a praticar uma acção inútil - ela está destinada a agir por necessidade, e a sua razão é apenas impulso do inevitável. Mas um povo pode ser apto para se renovar, enquanto que a multidão é apenas apta para sobreviver. Um deve sobrepor-se à outra; a obra dum povo não pode ser considerada acessível a uma multidão."

"Embaixada a Calígula" (Agustina Bessa Luís)


Será que esta moral ficou desactualizada pelas redes sociais e os telemóveis?

Dos tumultos em Hong Kong e das manifestações de massa em Barcelona pode dizer-se que são regidos pela necessidade ou pela lei da sobrevivência? Há aqui algum "impulso do inevitável" ou são antes actos colectivos combinados e  deliberados que parecem prescindir duma vanguarda, revolucionária?

Trata-se de movimentos "infiltrados" por organizações oportunistas  com os seus fins próprios, como dizem as autoridades da China ou de Espanha, ou antes, serão ambos tropismos duma multidão encandeada por uma ideia de justiça ou uma "fúria de viver", nascidas no pequeno écrã de cada manifestante e que tem uma capacidade inédita de resposta, no terreno, à acção do Estado?

O fenómeno das redes sociais baralha todas as referências. Ele é em si mesmo um princípio de organização muito mais eficaz do que um jornal ou um panfleto, e até a palavra rede evoca o papel político das redes clandestinas.

A comunicação moderna permite ao indivíduo ter a sensação de participar num acto espontâneo com "feedback" imediato de muitos outros, de estar a "fazer história", ou simplesmente a "curtir" o espectáculo da violência. 

Alguns observadores falam numa ausência de causa e, nalguns, a "procura da adrenalina" e do perigo excitante, mais do que uma ideia política, qualquer que ela seja, o que vem ao encontro duma corrente actual de "apoliticismo" ou mesmo de abominação da política, sentimento que sem ser exclusivo dos nossos tempos se encontra exacerbado pela volatilidade dos novos meios de comunicação e da perda de credibilidade da missão informativa.

O cinema, com "Fúria de viver" (Rebel without a cause), de Nicholas Ray, de 1958, fez eco duma rebelião da juventude americana que parecia não ter causa nem objectivo. O adolescente representado por James Dean não se conhece a si próprio, não sabe o que quer e é infeliz por isso. 

Não é o caso do filme de Tod Philips que conquistou o festival de Veneza deste ano e que tem sido um êxito de bilheteira, apesar de ser uma obra deprimente, penosa de ver e a raiar o niilismo. Alguns filiam-no na tradição de "Taxi driver", o filme de 1976 de Martin Scorcese que acaba numa explosão de violência estética (muito por mérito da música de Bernard Herrmann). A personagem de Joaquin Phoenix que "nunca teve um dia feliz na sua vida," também encontra uma saída violenta para a sua esquizofrenia, mas aqui há um outro sentido de oportunidade, dado o momento que se vive na cultura mediática, que carrega o desfecho desta história com uma simbologia aterradora, de fim do mundo, que explicará o sucesso do filme junto duma juventude que tem na crise climática um paralelo com a Gotham crepuscular de Tod Philips. No meio do caos provocado por uma interminável greve do lixo, a juventude desta Nova Iorque da banda desenhada parece rebelar-se contra tudo e todos replicando, euforicamente, a violência de Joker, o palhaço assassino que mata e ri.

Daí que o interesse deste filme seja ainda mais sociológico do que cinematográfico. Todd Philips mostra-nos a máscara  dos tempos que correm. O seu exagero vem, talvez,  do facto de na origem estar uma história aos quadradinhos.

O final faz-nos pensar também na espécie de cura pelo caos que eram as festas dionisíacas da Antiga Grécia. E não será que a sociedade moderna está a revelar na violência que vemos aqui e ali, um pouco por todo o lado, que não pode passar sem o histerismo colectivo, como o que se vê nalgumas claques desportivas, como exutório para as suas contradições sociais? 

De qualquer modo, isso viria dar razão a Agustina. 


AS MULHERES DE LEONARDO

Mário Martins




Pode parecer paradoxal que um homem que preferia amantes masculinos pintasse, sobretudo, mulheres. Para a autora, a pintura de Leonardo é feminina, o que será explicável pela veneração que tinha pelas mulheres, naturais portadoras da função essencial de renovação humana, numa Florença do último quartel de quatrocentos, que perseguia os homossexuais e confinava as mulheres ao exíguo espaço caseiro.

A República de Florença, estreita, barulhenta e malcheirosa, em que uma escassa minoria de ricos se tornara mais rica e os pobres mais pobres, é então uma metrópole da finança e dos têxteis, governada por um clã de banqueiros, os Médicis.

Num gesto artístico revolucionário como, dois mil anos antes, fora a descoberta do escorço, esse atrevimento dos artistas gregos de pintar um pé tal como é visto de frente, foi Leonardo quem, pela primeira vez, voltou para o observador as mulheres que retratava, elas que eram sempre, na pintura italiana, representadas de perfil e com uma aparência casta, sem voz e intelecto. O retrato da poetisa florentina Ginevra de Benci, https://www.leonardodavinci.net/portrait-of-ginevra-de-benci.jsp, é a primeira obra-chave de Leonardo. Nele, ela mostra-se a quem a observa, não esconde o seu ar melancólico de mulher casada alvo de um amor impossível de um diplomata veneziano, igualmente comprometido, que encomenda a obra. “É o primeiro retrato psicológico até então feito e o começo de uma arte nova, tocante e cheia de vida”.

Mais tarde, já em Milão, pinta o retrato da adolescente Cecília Gallerani, https://www.leonardodavinci.net/lady-with-an-ermine.jsp, amante do autocrata Ludovico Sforza, por encomenda deste, a quem Leonardo oferecera as suas ideias de engenharia militar. No retrato, a adolescente e o arminho, ou doninha, estão em movimento, a olhar na mesma direcção, para fora do quadro. É a segunda obra-chave do artista.

É no seu regresso a Florença, quase a fazer 50 anos, que Leonardo encontra a mulher, Lisa del Giocondo, que, possivelmente e no seu começo, dará lugar à pintura em tela mais conhecida de todo o Ocidente: La Gioconda ou Mona Lisa, https://www.leonardodavinci.net/the-mona-lisa.jsp, a terceira obra-chave do Mestre de Vinci. Lisa é casada e já mãe de quatro filhos, e Leonardo representa-a com um vestido de gaze transparente que era usado pelas mulheres grávidas. É uma pintura que demorará vários anos a acabar e que o acompanhará até à morte: “Dos cantos dos olhos escuros, a mulher fita o seu observador, amável, sabedora, tão profundo e tão confiante é o seu olhar. Sorri suavemente pelo canto esquerdo da boca. Corresponde ao nome: giocondo significa jocunda, alegre, consoladora.”

Leonardo pintou igualmente, várias vezes, Maria, mãe de Jesus, o Filho de Deus na mitologia cristã, mas contrariamente à tradição pictórica, no quadro da Anunciação, https://www.leonardodavinci.net/the-annunciation.jsp, ele não curva Maria perante o Anjo que lhe anuncia que ela vai ser a Mãe do Filho de Deus; é o Anjo que se ajoelha perante ela, senhora de si.

O mestre da técnica do sombreado, o sfumato, viveria os dois últimos anos em França, sob a protecção do rei Francisco I, onde acabaria por morrer há exactamente 500 anos, legando ao mundo uma obra que o juízo do tempo, justamente, consagrou.





NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva


Há momentos da vida em que as palavras se esgotam. Resta-nos o silêncio como refúgio da violência e das injustiças do mundo. Na ausência das palavras, recorro a um poema cantado, para homenagear a coragem e a dignidade do povo da Catalunha: 
e um mapa, que mostra um Estado cujo poder está nas mãos de criminosos de guerra. Um mapa da infâmia que dá pelo nome de Israel:



O CONTO DO VIGÁRIO

Manuel Joaquim
https://olhares.sapo.pt/estacao-de-sbento-foto5384426.html

O Professor Pinto da Costa, no último programa da manhã da RTP, Praça da Alegria, onde participou, falou, entre outras coisas, de “Burlas a idosos”, tema muito antigo, mas muito actual. Lembra-me de quando era menino, meu Pai contar  de pessoas vindas de longe, chegarem nos comboios, na estação de S. Bento,  serem abordadas por burlões para comprarem um vigésimo (cautela) premiado. Outras eram abordadas para comprarem eléctricos. Os jornais da época noticiavam muitos destes acontecimentos.

O Professor Pinto da Costa comentou que o tema é actual porque, infelizmente, há uma percentagem significativa de população idosa com muitas debilidades. 

Ontem, deparei com uma notícia na imprensa, que me levou a pensar nas palavras do Professor Pinto da Costa. O presidente, de um determinado partido, demitiu-se da sua presidência e abandona-o. Segundo ele, dedicou um ano da sua vida a formá-lo, partindo do zero. Elegeu um deputado à Assembleia da República com mais de 65.000 votos.

Como é possível tanta gente confiar o seu voto, do qual pode depender uma vida melhor ou uma vida pior, a paz ou a guerra, a uma organização (?) completamente desconhecida, que simplesmente se ouve falar nas rádios, nas televisões, nos jornais ou se vê algumas figuras em grandes cartazes?

Cá para mim, não é só uma parte da população idosa que cai no conto do vigário, nas burlas. Há muita gente, que, por dificuldades de compreensão e de preconceitos, cai facilmente, pela demagogia, em caminhos que mais tarde verificam ser errados. 

O que se passou com a defesa do valor do salário mínimo nacional, com o aumento das pensões, com a aplicação dos novos passes sociais, com os livros escolares, em que alguns, teatralmente, apregoam vitoriosamente, como se fossem de sua iniciativa e responsabilidade, é paradigmático. Quando agora se defende um valor do salário mínimo nacional igual ao que defende a UGT, menor do que já foi falado pelo patronato, é para facilitar a vida ao governo e depois, em bicos de pés, dizerem que foi o valor que defendiam. Votações que se fazem na Assembleia Municipal de Lisboa que contrariam o que defendem posteriormente em artigos publicados  é falta de vergonha. Para não falar na cópia de fundamentações de propostas de outros para fundamentar as suas. 

Infelizmente, a demagogia, o populismo, o atrevimento, devidamente acompanhados pelos media,  permite enganar muita gente, e não são só os idosos  enganados.


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