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01/03/23

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NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva



Fonte do Pelicano
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Há lugares que nos cativam de uma forma específica. Na aparência parecem idênticos a qualquer espaço que encontramos ao longo da vida. Só quando o nosso olhar pousa de forma reflectida e serena, começamos a encontrar o que faz reter-nos a alma. Perdi a noção das vezes que me sentei nestas pedras que se elevam da calçada cuja inclinação não permitia a entrada no portão, à minha esquerda. Descida íngreme, complementada com degraus que entre paredes, baixa para a margem do rio e nos dias de sol fazem a luz resplandecer entre o verde das árvores escondidas por altos muros e a cor vermelha dos telhados. As águas aparecem por uma nesga deslizando suavemente em direcção ao mar. Por aqui ficava longos espaços de tempo imaginando encontrar o que não podia aceder. Há realidades que se transformam em sonhos míticos quando não alcançamos as estradas a que elas conduzem. Por hoje, não me detive aqui à procura de sonhos, antes vim na peugada de Saramago. O autor de “Levantados do Chão” visitou o Porto há distantes quarenta e cinco anos e decidi olhar esse Porto comparando-o com o que ele encontrou nessa época que já se perde na longitude do tempo. Começou por olhar a cidade do Terreiro da Sé e creio que fez bem. Esta urbe que se ergue nas margens do Douro, cresceu do rio para o alto e de cima para baixo e foi encurtando as distâncias até ser um povoado único amuralhado. O poder residia no topo da colina, o trabalho labutava junto às águas que o rio levava. O escritor ribatejano nada nos diz sobre a beleza do que viu, mas é encantadora a velha urbe quando com tempo observamos o latejar do seu traçado antigo com tanto de medieval. Seria Inverno e o frio devia arrastar-se pela pedra granítica do chão o que retiraria esplendor ao que via e passeantes de outros mundos deveria ser algo raro nessa época que quase já só recordamos de velhos postais a preto e branco. Aqui regressou no fim do dia para se enfeitiçar com o Chafariz do Pelicano que lhe disseram ser a Fonte do Pássaro e prometeu que se um dia voltasse ao Porto e não a encontrasse teria um grande desgosto. Mas mais acrescentou em relação à fonte, dizendo que “Quando no dia seguinte estiver de partida, (…), tornará a ir à Fonte do Pelicano, olhará aquelas iradas mulheres que presas à pedra se desafiam, saberá que há ali um segredo que ninguém lhe vem explicar, e é isso que leva do Porto, um duro mistério de ruas sombrias e casas cor de terra, tão fascinante tudo isto como ao anoitecer as luzes que se vão acendendo nas encostas, cidade junta com um rio que chamam Doiro.” A fonte lá permanece aguardando o regresso de Saramago, agora limpa, como tantos outros espaços da cidade, para que outros olhares a vejam sem que a imundície de outrora perturbe a riqueza das formas talhadas na pedra. Escolheu o viajante escritor descer pelas Virtudes em direcção ao Barredo, impressionado pelas águas sujas e sebentas que escorriam deslizantes nessa época, a céu aberto, antes deste Porto se alindar para os que de outros lugares o procuram hoje para seu deleite. Que diria desta limpeza o escritor do “Ensaio sobre a Cegueira”, dessa limpeza que levou o sujo e os habitantes juntos e selecciona no presente quem deve usufruir de tão excelso lugar. Que diria ainda se saísse neste tempo, como saiu naquele, pelo arco dos Canastreiros e encontrasse a Ribeira que vemos hoje, e quase não pudesse caminhar pela multidão de forasteiros que ali desaguam por terra e rio. Saramago passou no tempo em que alguém vinha com uma chave para abrir a porta da Igreja de S. Francisco onde se perturbou, como me perturba sempre a exibição da talha dourada. Subiu e desceu as ruas desse Porto inesquecível para quem nele nasceu. Já não o consigo acompanhar hoje nas visitas que foi levando num só dia, subindo Belomonte e tendo a sorte de visitar o desaparecido Museu Etnográfico. Carmo e Cedofeita são caminhados a passos largos pelo viajante após ter “esgarfejado uma posta de bacalhau”. Há-de terminar o dia no Terreiro da Sé por onde começou e deixará umas palavras de grandeza para Santa Clara, “a Igreja de Santa Clara, com o seu portal onde o Renascimento aflora, com a sua talha barroca que concilia outra vez o bem querer do viajante, com aquele seu pátio resguardado e antigo para onde dá a antiga portada do convento”. Que pena, Saramago não poder voltar para ver agora Santa Clara renascida das cinzas apesar do meu horror à talha barroca. Já cansado de tanto tentar acompanhar a passada do viajante, afastei-me para os Caminhos do Romântico até este recanto onde posso olhar o rio como quem tenta adivinhar os mistérios que estão para além do que as paredes escondem. Já encontrei rios formosos, mas nunca nenhum como o Douro. Gosto de o ver dos jardins de Nova Sintra onde aparece com aquela curva delicada de Avintes para o Freixo, do Alto da Arrábida abraçando-se eternamente ao oceano, dos Jardins do Palácio para a Foz abrindo-se por debaixo do arco majestoso da ponte, mas aqui, entre este casario tardio, entre quintas e casas escondidas, conforta-nos o sossego, a quietude quase silenciosa da tarde que se esvai e vemos à distância, tal como a vida, a água que chega e a água que vai. Fica para outro dia voltar a seguir Saramago.

ESPIÕES OU ALIENÍGENAS?

Mário Martins

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No momento em que o “bombardeamento” mediático sobre a espectacularidade da tragédia de uma guerra, a da Ucrânia, atinge níveis de saturação, guerra perante a qual paixões ideológicas mais exaltadas se mostram incapazes de distinguir o invasor do invadido, um país cuja independência foi internacionalmente reconhecida, desde logo pelo país ora agressor;

E em que uma guerra local, sangrenta e destruidora, parece cada vez mais tornar-se numa guerra entre uma Rússia imperial e o Ocidente, com o seu braço armado Nato, liderado por uma América superpotente, risco para o qual o antigo “caixeiro viajante” Henry Kissinger, há uns meses, chamou a atenção, servindo essa guerra latente Este/Oeste, para lá da real expansão da aliança militar ocidental, como uma útil cortina de fumo para justificar a agressão;

Os Estados Unidos terão abatido vários objectos voadores não identificados, mais conhecidos pela sigla “ovnis”, a qual não quer exclusivamente significar objectos voadores extraterrestres. Tratar-se-iam de balões espiões ou alienígenas? A avaliar pela experiência acumulada nunca saberemos, porque todos os países, sobretudo os grandes, se espionam uns aos outros (continuando Lisboa a ser um palco privilegiado, como relata a revista do Expresso de 17 de Fevereiro passado), embora todos o neguem, e que, por outro lado, no que toca a eventuais extraterrestres, mal grado a permanência de alguns casos de avistamentos por explicar, os estados não parecem predispostos a uma divulgação confiável.

Entretanto, apesar de terem sido já identificados 5.250 exoplanetas (planetas que orbitam outras estrelas), a incómoda pergunta do físico italiano Enrico Fermi, feita em 1950, perante as estimativas que afirmavam haver uma alta probabilidade de existirem outras civilizações no universo observável e a falta de evidência delas, mantém-se: onde estão (os alienígenas)?

UMA HISTÓRIA ALEMÃ

António Mesquita




Em "Morte em Veneza", filme de 1971, Lucchino Visconti socorre-se do adagietto da 5a. sinfonia de Mahler para nos transmitir aquela atmosfera de deliquescência sentimental e moral que envolve Aschenbach, a personagem interpretada por Dirk Bogarde.

No filme "Tár", de Todd Field, que promete uma auspiciosa carreira junto da crítica cinematográfica, o "adagietto de Visconti" é brandido pela regente como um exemplo de interpretação a evitar, por banal e demagógica. Mas foi a resposta do cineasta italiano ao drama finissecular do seu filme.

Numa entrevista ao "New Yorker", a propósito do prelúdio em dó menor de Bach, ilustrando o seu método pedagógico, Lydia diz que o compositor nessa obra faz perguntas e dá respostas continuamente, e, para quem ouve, são as perguntas que contam: envolvemo-nos mais quando temos de procurar as respostas por nós mesmos. É por isso que a maior parte da música que se ouve é preguiçosa e soporífera.

Parece com este intróito que o filme de Todd Field é sobretudo sobre música e a incultura musical. Mas a história de Lydia Tár (excelente Cate Blanchett) que cai abruptamente dos píncaros da Filarmónica de Berlim para o mundo dos vídeojogos pode ser uma ilustração da moda do cancelamento, em que as redes sociais, como se sabe, julgam na praça pública os pêlos púbicos das personalidades em vista do presente e do passado, mas o facto de se tratar duma maestrina americana a trabalhar em Berlim tem outra ressonância.

Fogosa, imperial e manipuladora, com a boa consciência de que tudo é feito pela arte, quem quer saber dos seus "rabos de palha"? Demasiado humanos somos todos. Porque não perdoaríamos ao grande artista os seus caprichos e as manias? Mas não é isso que Todd quer que relevemos.

O talento de Lydia é reconhecido. A sua condução é original, apaixonada, o que é um defeito para alguns. Numa aula, nas "Julliard Lectures" envergonha um aluno depreciativo de Bach pelo facto de ser cisgénero, ainda que no século XVII ou XVIII. Os insultos que ela recebeu em troca estão na ordem das coisas.

Lydia vive com uma alemã e ambas adoptaram uma criança. O retrato de Tár assume uma cor mais sombria quando, para responder ao "bullying" de que a menina era vítima na escola, aterroriza a criança agressora, com ameaças fora de tom.

A música é o astro que tudo ilumina. E estamos na Alemanha, país musical entre todos. O espírito que plana sobre as águas tem aí a sua pátria de eleição. Mas a história da Alemanha é o mais eloquente possível sobre a fragilidade desse espírito. A massa coral mais poderosa do mundo sucumbiu a um maestro surgido dos infernos da normalidade.

Esse transe parece repetir-se na história de Tár, a maestrina da Filarmónica de Berlim que ensaia a 5a. sinfonia de Malher no meio das atribulações que são as do nosso tempo. Questões de género e de religião ou da falta dela, redes sociais e desinformação. A sua vida privada descamba na desordem em que a música parece a bagagem que flutua num naufrágio.

Os curadores retiram-lhe o apoio. Perde o seu lugar. Como no filme de Coppola, uma excursão no sudoeste asiático parece-se com o embrenhamento na selva escura. Um estabelecimento de "massagens" oferece-lhe uma vitrina de jovens numeradas.

O prestíssmo do final responde à quase imobilidade da cena inicial em que peroram o entrevistador e a entrevistada, logo a seguir à inversão do lugar do genérico. Pretensiosismo ou tempo musical?

E a vocação? Estamos no seu nadir. A última cena do filme é um concerto sob a batuta de Tár num vídeo jogo, "Monster Hunter", em que os participantes enfiaram as máscaras do mundo animal. Todd filmou uma Paixão moderna ou a resistência da heroína que se transforma com a música?

SOBRE A MAÇONARIA

Manuel Joaquim

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De vez em quando somos confrontados na comunicação social com assuntos que despertam a nossa atenção pelo imaginário resultante dos comentários que os envolvem.

O tráfico de seres humanos, as redes de prostituição, a pedofilia, os assaltos a residências em pleno dia, a corrupção, o futebol e tudo a que está ligado, são assuntos que enchem páginas de jornais e tempos das rádios e televisões.

Violações de crianças e de jovens por pessoas com responsabilidades na igreja católica, as atrocidades cometidas pela inquisição, declarações políticas muito vivas sobre a denúncia de organizações ditas secretas e as tentativas de obrigar os políticos a declararem se são membros desse tipo de organizações, são assuntos que desaparecem rapidamente da comunicação social para levar ao esquecimento e passar a ser um não assunto.

Não vai muito tempo deparámos com um alto dirigente político a denunciar a maçonaria por alguns dos seus membros estarem a influenciar decisões políticas, a beneficiar personalidades e instituições, a pôr em causa determinados interesses.

Este tema desapareceu em virtude do tal dirigente ter deixado de ser dirigente e ter sido substituído por um companheiro que provavelmente é mesmo da maçonaria. Quando aquele protestou foi por sentir que ia ser corrido do lugar que ocupava, omitindo que quando foi lá colocado foi por influência da própria maçonaria.

Certa vez, há muitos anos, perguntei ao Professor Armando de Castro o que era a maçonaria. Respondeu-me, esclarecendo sobre as várias orientações existentes, mas que, no fundamental, eram organizações da burguesia para servir os seus interesses.

O Dr. António Arnault, que publicou a legislação que criou o Serviço Nacional de Saúde, foi Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, chegou a comentar publicamente sobre o mau comportamento de determinados irmãos, defendendo a sua expulsão da instituição, considerando que muitos aderiam para benefício próprio.

Estes assuntos são periodicamente usados para manipulação da opinião pública, que é vítima de toda uma política agressiva que vem do tempo do fascismo contra instituições que lutavam pelos direitos humanos, pela liberdade, pela democracia, naturalmente contra determinados partidos políticos e instituições, designadamente organizações maçónicas que, em determinados momentos históricos, contribuíram para o progresso da civilização.

O Grémio Lusitano, editou em 1928 uma folhinha com os “Princípios e Preceitos Maçónicos”, que diz:

Ama a Humanidade

Escuta a voz da natureza que te brada: todos os homens são iguais: todos constituem uma única família.

Tem sempre presente que não só és responsável pelo mal que fizeres, mas pelo bem que deixastes de fazer.

Faze o bem pelo amor do próprio bem.
O verdadeiro culto consiste nos bons costumes e na prática das virtudes.

Escuta sempre a voz da consciência: é o teu juiz.

Trata de te conhecer: corrige os teus defeitos e vence as tuas paixões.

Nos teus actos mais secretos supõe sempre que tens todo o mundo por testemunha.

Ama os bons, anima os fracos, foge dos maus, mas não odeies ninguém.

Fala sobriamente com os superiores, prudentemente com os iguais, abertamente com os amigos, benevolamente com os inferiores, leal e sinceramente com todos.

Dize a verdade, pratica a justiça, procede com rectidão.

Não lisonjeis nunca: é uma traição; se alguém te lisonjear toma cuidado não te corrompa.

Não julgues ao de leve as acções dos outros; louva pouco e censura ainda menos; lembra-te de que bem julgar os homens é preciso sondar as consciências e perscrutar as intenções.
Se alguém tiver necessidade socorre-o; se se desviar da virtude, chama-o a ela; se vacilar, ampara-o; se cair, levanta-o.

Respeita o viajante; auxilia-o; a sua pessoa é sagrada para ti.

Foge a contendas, evita os insultos, obedece sempre à razão esclarecida pela ciência.

Lê, aproveita, vê e imita o que é bom, reflete e trabalha; faze quanto possas para o aperfeiçoamento da organização social, e assim, contribuirás para o bem colectivo.

Sê progressivo; estuda a ciência porque ela te conduzirá à verdade que tens por dever procurar.

Não te envergonhes de confessar os teus erros; provarás assim que és hoje mais sensato do que eras ontem e que desejas aperfeiçoar-te.

Moraliza pelo exemplo; sê obsequioso; tolera todas as crenças e todos os cultos, mas tem por dever lutar contra superstição, o fanatismo e a reacção, como os mais resistentes obstáculos ao progresso humano.

Educa e ensina; esclarece os outros com o teu conselho, inspirado pela circunspecção e pela benevolência.

Regozija-te com a justiça; insurge-te contra a iniquidade; sofre os azares da sorte, mas luta contra eles no intuito de os vencer.

Procede sempre de forma que a razão fique do teu lado.

Respeita a mulher; não abuses nunca da sua fraqueza; defende a sua inocência e a sua honra.

Ama a Pátria e a Liberdade; sê bom cidadão, bom marido, bom pai, bom filho, bom irmão e bom amigo.

Quando fores pai alegra-te, mas compreende a importância da tua missão. Sê um protector fiel do teu filho; faze que até aos dez anos te obedeça, até aos vinte te ame, e até à morte te respeite. Até aos dez anos sê seu mestre, até aos vinte seu pai e até à morte seu amigo. Ensina-lhe bons princípios de preferência a belas maneiras; que te deva uma rectidão esclarecida e não uma frívola elegância; fá-lo um homem honesto de preferência a um homem astuto.

DA MAÇONARIA E SEUS PRINCÍPIOS

A Maçonaria é uma instituição universal, essencialmente filantrópica, filosófica e progressiva; tem por fim procurar a verdade, o estudo da moral e a pratica da solidariedade, e trabalha para o bem da Humanidade, contribuindo para o aperfeiçoamento da organização social.

Tem por princípios a tolerância mutua, o respeito dos outros e de si mesmo e a liberdade absoluta de consciência .

Considera as concepções metafísicas como sendo do domínio exclusivo da apreciação individual dos seus membros, e por isso se recusa a toda a afirmação dogmática.

Considera o trabalho como um dos deveres primordiais do homem, honrando igualmente o trabalho manual e o intelectual.

Tem por dever espalhar por todos os membros da Humanidade os laços fraternais que unem os maçons sobre toda a superfície da Terra, os quais se devem auxiliar, esclarecer e proteger, mesmo com risco da própria vida.

Recomenda aos seus adeptos a propaganda pelo exemplo, pela palavra e pela escrita, a fim de que o direito prevaleça sobre os caprichos humanos e sobre a força.

Como timbre, inscreve no seu código fundamental: Justiça – Verdade – Honra – Progresso.

Tem por divisa: Liberdade – Igualdade – Fraternidade.

No seu verdadeiro juízo quem é que pode pôr em causa semelhantes princípios?

Não me parece que pessoas saudáveis possam ir por esse caminho.


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