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01/07/15

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CARTA A MIGUEL TORGA

Miguel Torga

Estimado Miguel Torga,

esta é uma dessas cartas que há muito devemos, a nós próprios e à pessoa a quem nos dirigimos, neste caso, o meu caro escritor e poeta, homem imbuído dessa rebeldia que nasce da aspereza das montanhas e das noites frias que invadem a vida e a alma. Foi há semanas atrás, ao viajar nas encostas a sul de Sabrosa por um caminho que unindo aldeias nos dependurava sobre o Douro, nesses dias em que o estio rebenta com a terra e quase nos imobiliza, que a lembrança chegou e me impus estas palavras dirigidas a uma pessoa como o Miguel Torga, a quem tanto devemos na pureza da escrita como na honradez da vida, razões, só por si, mais que suficientes para nos obrigar a apagar a palavra esquecimento dos nossos dicionários. Não posso dizer que conheço profundamente a sua obra. É uma falha, entre as muitas que acumulo no cumprimento dos meus deveres. Sim, porque lê-lo, deveria ser um dever a cumprir. No entanto, há trinta anos atrás ao realizar uma leitura atenta da sua «poesia completa», deparei com as palavras que há muito procurava e que, a partir desse momento, alicerçaram como betão, os valores e princípios que norteavam a estrada em que me empenhava seguir. Temos ideais, esperanças, sabemos o que desejamos alcançar, mas quando nos detemos, parece que nos falta algo que não identificamos, como se necessitássemos de uma bússola apesar de conhecermos o caminho. Assim me sentia quando deparo com aquelas palavras, singelas na sua grandeza, «De seguro, posso apenas dizer que havia um muro». Foi aí que estaquei os passos e compreendi tudo o que na vida se me deparara com tanta rudeza, «um muro», contra o qual batia sem descanso, uma parede sólida que me desgastava, como o poeta já há muito sabia, «e que foi contra ele que arremeti a vida inteira». Uma vida, um percurso longo de décadas a bater num muro, que não se retirava, nem diminuía na sua solidez, essa parede atrás da qual vivia o poder, os poderes, os interesses, os que salivam na ânsia de um amanhã fácil, de favores, de silêncios cúmplices, que o Miguel Torga recusou contemplar no seu caminho. E as suas palavras, como lição da vida prosseguiam, «Não, nunca o contornei. Nunca tentei ultrapassá-lo de qualquer maneira». Senti-me mais seguro, menos só nessa solidão que nos leva como se atravessássemos um deserto, e procurei, fortalecido por este seu código de conduta, criar um muro que resistisse àquele, dentro do princípio que consagrou, «A honra era lutar sem esperança de vencer» e este foi o símbolo que procurei abraçar, gravando este seu depoimento na parte mais visível da alma para que se os olhos cedessem, o pensamento não recuasse. A honra, meu caro poeta, esse distintivo humano que desapareceu das criaturas do poder. Nos dias que correm, apenas têm consciência, dizem eles, mas tranquila, sobretudo, quando as evidências das suas maldades se tornam visíveis, é isso que se apressam a dizer, «de consciência tranquila». Certamente têm razão! Mas tenho de confessar, meu caro Miguel Torga, que em algumas ocasiões, nesses dias em que «a noite de manso se avizinha», nessa «hora de mágicos cansaços», de que nos falava Florbela Espanca, quando, apesar dos olhos adormecidos, o pensamento ainda vê, chegava até mim, aquela voz melíflua e doce que atormentou José Régio e que, tal como a ele, «estendendo-me os braços», me dizia, «Vem por aqui». Aparecia-me assim, aquele cântico, sorrateiro, silencioso, de sorriso matreiro, mostrando-me paraísos, falando de infinitos, e de como seria fácil seguir, sem dor e sem grandes desvelos, por aquelas avenidas, plenas de luz, apenas um desvio e nem me aperceberia de que algo já não era o mesmo, tal a subtileza da cedência, que nem chegaria a sê-lo, diziam. E talvez pela fadiga, pela longa solidão de lutar contra esse muro, sentia-me ceder, escorregar de mansinho, acreditei até que parecia bom, estar assim, de tal forma deslizava como um barco numa rampa, penetrando suavemente na água, que já não sabia, se sonhava ou se vivia. E quando me aproximava desse desfalecimento irreversível, sentia chegar a poesia pura e limpa de Sophia, dizendo-me, «porque os outros são hábeis mas tu não» e acordava, fazia estremecer o corpo e gritava como o operário de Vinicius, «Não!» e voltava aos clamores de José Régio, às suas palavras para pedir ainda mais infinito do que aquele que já trazia comigo, e olhava as suas palavras escritas na alma, procurando orientação nesse «Depoimento» e lá encontrava ajuda e compreensão, e assim, continuei a lutar «ferozmente noite e dia. Apesar de saber que quanto mais lutava mais perdia». Fui percorrendo o meu caminho amparado na dignidade da sua poesia e foi ela que construiu a minha. Dignidade, tão afastada está do presente. Dignidade que antes de ser um direito, devia ser um dever, devia ser a linha vermelha a não pisar por todo aquele que pretendesse fazer parte dessa qualidade animal a que chamamos, ser humano. Não sei, se alguma vez, sem o desejar ou saber, me deixei deslizar em silêncio pela água dentro. Quero acreditar que não porque sempre senti mais funda, «a dor de me perder». Meu estimado poeta, tenho de reconhecer que quando nos aproximamos do fim, sentimos esse intenso silêncio da solidão, como se não encontrássemos mais ninguém a lutar contra o muro, como se estivéssemos sós, seguindo o seu poema, e foi quando me procurava no interior deste ermo da alma, que as suas palavras voltaram a indicar-me o caminho. Apareceram-me lavradas no cobre da pedra e falavam de um outro «ermo», onde «um ribeiro lustral canta dia e noite» e compreendi que de novo a rudeza da natureza nos unia nesse encontrar do lugar onde me poderia conciliar «no mesmo impulso purificador», ali onde os monges «penitenciaram o corpo rebelde», e a minha alma poderá escutar, «enlevada a música da eternidade». Por ali me deixei, entre o granito e o verde, a água correndo e o azul espacial trazendo-me os infinitos que desejei. O muro não desapareceu, nem eu desisti de contra ele arremeter como me ensinou a sua poesia. Estimado, Miguel Torga, aqui ficam os meus agradecimentos, não apenas pela dimensão da sua obra, mas também pela beleza dos ensinamentos que através da mesma nos deixou. Receba um abraço fraterno.

Afonso Anes Penedo


PS – Já sem que alguém nos possa escutar, conto-lhe que três desejos, deixarei na vida por cumprir; quis ir ao Árctico ver as auroras boreais; quis descer o Nilo para beijar Nefertiti e terminar os meus dias na Antárctida acompanhando os pinguins imperador, mas houve sempre um muro e não consegui ultrapassá-lo de qualquer maneira!
        

O CAVALO DE CALÍGULA


António Mesquita





ahttp://2.bp.blogspot.com



"Uma assembleia deliberativa não ultrapassa o nível médio dos seus membros. Não é muito tola, nem muito sábia."


(Marquês René d'Argenson)



É assim porque uma ideia verdadeiramente original, que fuja ao cânone e aos hábitos de pensamento da maioria, é uma espécie de insulto. Os escudos levantam-se de um só movimento como diante do perigo. Além disso, da parte do 'inovador' é um desrespeito para com a assembleia julgar-se mais avisado ou mais inteligente do que todos os outros. É um aforismo conhecido o de que ninguém é ouvido se estiver à frente do seu tempo; deve acrescentar-se que é também o caso dos que desafiam o lugar-comum.

No tempo de d'Argenson, não era conhecida a expressão 'pensar fora da caixa' (out of the box) que, hoje, é outro lugar-comum. Ao invocar esse conceito, adquirimos a ilusão de que há um 'fora da caixa' que não seja o interior de outra caixa. É preciso reconhecer, com os paradigmas de Foucault, que a separação da nossa época e do nosso contexto social e histórico não é pensável. Tudo isso nos persegue como a nossa própria sombra.

Voltando à citação de Acton, que é feita no seu ensaio sobre o Revolução Francesa. Ele especifica, seguindo d'Argenson, que se trata da assembleia deliberativa, uma instituição minimamente regulamentada, isto é, nada que se pareça com uma reunião 'ad hoc' que, no calor do momento, pode desfechar palavras assassinas que dão imediatamente lugar aos lampiões decorados com cabeças humanas. Como sabemos, esse tipo de 'deliberação' é característico do fanatismo de todos os tempos e não é marca registada do Estado Islâmico.

Infelizmente, mesmo a assembleia institucional e regulamentada pode ser extremista, como a Revolução Francesa o demonstrou. O medo da violência auto-infligida, da 'limpeza' sectária, anula a mediania observada por d'Argenson em tempos de paz. Em tais condições, a assembleia pode ser completamente estúpida, sem nenhuma atenuante de sageza, por ínfima que seja. É a síndrome do cavalo de Calígula.

ISTO CADA VEZ ESTÁ PIOR!

Mário Faria



Descia Santa Catarina e vi ao longe o HÀ, um amigo de longa data. Não me apetecia ouvi-lo. A narrativa habitual, depois dos cumprimentos da ordem, é mais ou menos esta: “isto cada vez está pior” é a frase umbrela de uma longa representação de acontecimentos, repletos de desgraças, disputas, ameaças, vinganças e sopapos, que descrevia com zelo. Com a Capela das Almas por perto, refugiei-me lá durante uns 15 minutos, sob um silêncio acolhedor que os visitantes não beliscaram. Mal HÀ desapareceu do radar, aventurei-me e dirigi-me à Via Catarina para cumprir uma emergência logística que realizei com normalidade. Deslocava-me rapidamente por um corredor daquele labirinto quando fui surpreendido por um carrinho de bebé de alta cilindrada, conduzido com excesso de velocidade, que por pouco não me atropelou. Dei uma pirueta, evitei o embate e notei um indisfarçado gozo da malta que caminhava por lá. Ainda não me tinha refeito do susto quando saí da loja e dei e de caras com ele, o meu querido amigo HÁ que parecia esperar-me, pelo sorriso escancarado que lhe abria desmesuradamente a boca num esgar semelhante à do caçador quando encontra a presa. Como uma desgraça nunca vem só, sabia que o sofrimento apenas tinha começado. Fiz um esforço e mostrei-me agradado pelo feliz acaso. Deu-me o braço e empurrou-me para um café. Começou, como não podia deixar de ser, com “isto cada vez está pior” e continuou, sentenciando que “a Grécia vai sair da Europa que a troika pariu”, que “Lopetegui é um fiasco e se Maxi vier para o Porto rasgo o cartão de sócio”. Interrompi-o para lhe perguntar se já não o tinha rasgado quando o FCP empatou com o Belenenses? “Rasguei, mas continuei a pagar as cotas”, esclareceu. Infelizmente, continuou a saga que constituem todos os momentos do seu quotidiano e seguiu directo ao assunto que na actualidade o atormenta: tinha recebido de herança uma casa rural no Algarve que partilhava com dois familiares. Contou-me uma longa história que não escutei, embora lhe mostrasse aquiescência ao que ia relatando. Em resumo: a coisa tinha começado bem, mas prometia acabar em absoluta desordem e, neste caso, eram dois contra um. Depois de desabafar e prometer que não cederia nem um bocadinho na disputa de um património que lhe é tão caro e de valor inestimável, pôs-me a mão no ombro e rematou com gravidade: “isto cada vez está pior; esta gente não olha meios para atingir os fins”. E desapareceu. A coisa prometia novas abordagens. Enquanto me lembrar, não voltarei a Santa Catarina. 

Com os ouvidos cheios, regressei a casa, inquieto e cansado. Na TV desdobravam-se as entrevistas para comentar o drama grego. O meu sentimento é de total discordância com os que aplaudem a firmeza das instituições europeias e pelo nim, nim dos bons rapazes que dividem irmãmente a maldade dos actores em presença no conflito, como gostam de dizer. Não me vem à ideia nada melhor sobre o tema que os dois últimos parágrafos do artigo de Mário Vieira de Carvalho sobre Franz Grassler, membro das SS, nomeado comissário para o bairro judaico de Varsóvia a partir de 15 de Maio de 41: “Tão meticuloso, enfim, quanto os tecnocratas que hoje impõem uma barreira de protecção à Grécia, encerrando-a também num gueto que sustenta a todo o custo o perigo de contaminação. O mesmo padrão reproduz-se sem cessar. Não está, afinal, “provado”, como já proclamou do alto da sua auctoritas outro abalizado jurista alemão, que a austeridade na Grécia “funciona bem?”. 

PORTO DE JUNHO


Mário Martins
https://www.google.pt/search?q=S.+Joao+Porto+fotos



Cheiram a tília as dobras das esquinas 
Pessoas sem tecto jazem à luz púrpura dos jacarandás 
As esplanadas falam europeu entre floreiras de petúnias 
Sob o ranger de malas e eléctricos amarelos e a estridência das sirenes mal se ouve o carago
Sobem balões e os calções das meninas em quadra de cio 
O cheiro da sardinha assada profana os sovacos dos santos populares 
Por uma vez foi aberto o ex-velódromo real dos Carrancas
Enquanto fontes de águas paradas refrescam os jardins do Palácio 
E nunca mais explode o monumento ao empresário
Vendedeiras intemporais carregam a tradição
Turistas incautos julgam penetrar na alma da cidade à martelada na noite mágica
Dias cinzentos afirmam o velho burgo

UM SÉCULO DE GUERRAS

Manuel Joaquim

http://vazamentodepetroleo.noblogs.org/files/2012/09/amuay.jpg


Este ano comemora-se os cem anos da Grande Guerra, os setenta anos da 2ª Guerra Mundial e os sessenta e cinco anos  da Guerra da Coreia.

Os portugueses,  que sofreram no  século XIX uma guerra civil com consequências desastrosas que, actualmente, a maioria da população ignora,  mas que deixou marcas que ainda hoje perduram, no início do século XX, foram arrastados para a 1ª Guerra Mundial para servirem interesses das classes dominantes, com consequências igualmente devastadoras. Foram milhares de portugueses, feitos militares à pressa, que participaram nas trincheiras da Europa e foram milhares os que morreram e os que ficaram estropiados. 

Milhares de famílias pobres perderam os seus homens com consequências terríveis para a sua sobrevivência. Deu-se a chamada Revolução da Batata, com assaltos a armazéns, a mercados, a estabelecimentos e a vendedores ambulantes em várias cidades do país em busca de alimentos. Na cidade do Porto, os armazéns que existiam na Rua de S. João, foram todos assaltados. Os sacos com alimentos, no momento da descarga na rua, eram imediatamente esfaqueados. 

Hoje, ainda se comemora o 9 de Abril, em homenagem ao Soldado Desconhecido, com  alguma pompa militar. 

Em 7 de Novembro de 1917 deu-se a Revolução Socialista de Outubro,  na Rússia. O primeiro decreto do governo de Lenine foi o decreto da Paz. Pouco tempo depois a guerra terminou. 

Mas na vizinha Espanha, entre 1936 – 1939, antes da 2ª Guerra Mundial e como preparação para a mesma,  deu-se a Guerra Civil que provocou  meio milhão de mortos. Todas as famílias espanholas perderam pessoas. Ainda hoje é muito difícil falar com espanhóis sobre este assunto. Os portugueses que vivem junto à fronteira recordam muitos acontecimentos. De Bragança para Zamora, logo a seguir a Alcanizes, existe uma pequena povoação onde se encontra uma ponte sobre o rio Douro, chamada Ponte del Pino, onde os franquistas deitavam ao rio os republicanos e outros, muitos entregues pela polícia fascista portuguesa.

Os portugueses que sofriam graves carências alimentares, viam os comboios carregados de géneros alimentares seguirem para Espanha a mando de Salazar para alimentar as tropas de Franco, com dizeres nas carruagens que eram as “sobras de Portugal”.

Por circunstâncias particulares Portugal não participou directamente na 2ª Guerra Mundial. Mas a esmagadora maioria da população sofreu as consequências da guerra. A fome, a  miséria, a repressão, alastraram a todo o território. 
A 2ª Guerra Mundial provocou mais de sessenta milhões de vítimas. A União Soviética sofreu  cerca de trinta milhões. Por isso, considera esta guerra como a Grande Guerra Pátria.

A Guerra da Coreia provocada pelos Estados Unidos, com o objectivo de atingir a União Soviética e a República Popular da China, provocou a morte de mais de três milhões de coreanos. Foi uma guerra que levou à divisão da península coreana, com a República Popular e Democrática da Coreia, vulgo Coreia do Norte, e República da Coreia, vulgo, Coreia do Sul.  Formalmente a guerra ainda não terminou. Armas nucleares estão instaladas de ambos os lados. Os Estados Unidos mantêm cerca de 30.000 militares em prontidão com todo o tipo de armas.

Com o fim da 2ª Guerra Mundial a Europa esteve praticamente cinquenta anos em paz. Foi durante o período da chamada guerra fria. 

Com a destruição da União Soviética, a guerra chegou novamente às ruas da Europa pelas mãos da Nato provocando a destruição da ex-Jugoslávia.  Aqui, tropas portuguesas estiveram e ainda estão lá. 

Hoje existe guerra na Ucrânia que pode ter consequências desastrosas para toda a Europa e para o mundo inteiro. A instalação de armas pesadas nas fronteiras da Ucrânia e da Rússia e a entrada de tropas estrangeiras no conflito é muito perigoso.

Do ponto de vista económico as consequências directas para Portugal são já bastante significativas em virtude do boicote da Rússia aos produtos portugueses em retaliação ao boicote que lhe é feito. Os alertas sobre este conflito são cada vez maiores mas a comunicação social sonega e deturpa informação.

O que se passa nos mares da China com os Estados Unidos é também muito perigoso. A  China  tem capacidade militar e tecnológica para responder a iniciativas militares dos Estados Unidos.

Há sinais inquietantes de que a situação internacional pode descambar a qualquer momento para conflitos de grandes proporções.

Será que alguns países estão a ser governados por seres formatados intelectualmente por valores do princípio do século XX e que o grande escritor norte-americano Gore Vidal tão bem descreveu no seu romance ”Império”?
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