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01/08/21

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O CENTRO INTELIGENTE

Mário Martins


 https://www.google.com/search?source=univ&tbm=isch&q=o+homem+e+o+universo



O paradoxo é evidente: sabemos que o planeta que habitamos e o sistema solar de que faz parte, não representam, se tanto, mais do que grãos de areia no vasto cosmos (estima-se que só a nossa galáxia contenha mais de 100.000 milhões de estrelas), e no entanto, tudo só adquire significado na nossa mente; fora dela é como se a realidade não existisse, situação que, perturbadoramente, corresponde, aliás, à quase totalidade da idade do universo, seja ela, ou não, a calculada pela maioria dos cientistas (14.000 milhões de anos), já que o homem primitivo só surgiu há 1 ou 2 milhões de anos e o homem moderno há uns meros 160.000 anos.

Não se trata, aqui, de negar a realidade exterior ao Homem (que a fértil imaginação humana, embora sem provas e contra a percepção sensorial, é, no entanto, livre de conceber), mas de reconhecer que sem a observação humana, tudo perde sentido e não se distingue do nada conceptual. Falamos do homem-espécie abstracto, mas deveríamos, antes, falar do homem-indivíduo concreto: quando uma pessoa perde, provisória ou definitivamente, a consciência inteligente, ou, simplesmente, esta entra em modo de espera, como no sono, a realidade como que desaparece.

É certo que existe a probabilidade (mas não a certeza) de, mais cedo ou mais tarde, virmos a descobrir (ou a ser descobertos) habitantes inteligentes de outros mundos, com quem, na melhor das hipóteses, poderemos trocar conhecimentos e experiências. Essa probabilidade assenta, basicamente (para lá do fenómeno Ovni, não reconhecido pela ciência), na ilógica de estarmos sozinhos na espantosa grandeza cósmica, para mais dada a sucessiva descoberta, nas últimas três décadas, dos chamados exoplanetas, que integram outros sistemas estelares. Mas precisamente por orbitarem outras estrelas, à distância de  anos-luz, tornará praticamente impossível uma conversa útil com hipotéticos alienígenas, no caso, evidentemente, de não se descobrir maneira de rodear a ditadura do limite da velocidade da luz. Suponhamos, para exemplificar o lado prático do problema, que descobríamos seres inteligentes no sistema da estrela mais próxima, apropriadamente chamada “Próxima Centauri”, que fica a pouco mais de uns “escassos” 4 anos- luz de distância: dizíamos um olá!, decerto em formulação matemática, para início de conversa, e depois ficávamos 8 anos (4 para lá e outros 4 para cá) à espera da resposta, que poderia ser mais ou menos agradável se, é claro, compreendessem a mensagem e estivessem dispostos a aturar-nos…Mas se a comunicação com extraterrestres residentes no sistema “Centauri” seria complicada, o que dizer se morassem no sistema da estrela “Ícaro”, a estrela mais longínqua que o telescópio espacial “Hubble” conseguiu observar, situada a mais de 9.000 milhões de anos-luz da Terra?...

Contudo, a eventual descoberta de uma ou mais civilizações planetárias espalhadas pelo universo (sem desvalorizar a suma importância de um tal acontecimento, cujos efeitos, aliás, se afiguram de muito difícil, se não impossível, antecipação), não altera o papel central da observação inteligente da realidade, apenas retirando ao Homem o exclusivo da função.

Mas no caso, não descartável, de um dia, chegarmos à conclusão (admitindo que tal seja possível, embora não se veja como, com os conhecimentos actuais) de que estamos mesmo sozinhos, conclusão que, sem dúvida, tornaria ainda mais estranho este estranho mundo, pesará então, como nunca, nos ombros do Homem, não só a angústia e o desamparo da solidão existencial, mas também a responsabilidade de ser o único centro interpretativo do cosmos.   

NO CORRER DOS DIAS

 Marques da Silva

António Borges Coelho (nasceu em 1928)


Há frases que nos ficam para a vida inteira. A memória retém-nas, como afixadas num cartaz que lemos em todas as ocasiões em que passamos. São frases marcantes que caracterizam de forma excepcional, um tempo, uma época ou um acontecimento. A que ficou em registo gravado no granito da memória, exprimia um acto, um momento determinante, o explodir de uma revolução. “Mal caiu a tampa do caixão” assim escreveu António Borges Coelho no seu livro emblemático sobre a revolução de 1383. O filho de D. Pedro, rei este que repousa na magnitude de Alcobaça ao lado de Inês a quem sempre amou, O Formoso de cognome, vivera um reinado atribulado, entre guerras perdidas e casamentos anulados. Já moribundo, sentia o reino em ebulição. Os artesãos, os mestres dos ofícios das novas cidades, a burguesia mercantil, ferviam em revolta, reclamando mudanças essenciais e transformadoras. O povo mínimo esgotara a paciência perante um Estado que se degradava, exangue pelas sucessivas guerras, pelas consequências da grande peste e pela desorientação da governança. E assim foi que “Mal caiu a tampa do caixão”, sobre o cadáver do rei morto, a revolução explodiu, a barragem deixou de conter as águas e estas invadiram as cidades do reino. Nada ficaria como antes. O historiador mostra-nos naquelas páginas e através de palavras latejantes, todo o desenrolar dos acontecimentos, mas o que a minha memória reteve foi aquele instante, aquela faísca, aquela chama que aguardava apenas um sinal para se transformar na imensa fogueira que desaguaria naquele acontecimento tão exaltante que fez alvorecer a ideia de pátria e de nação e deu um novo sentido ao reino. As velas das caravelas que percorreriam os oceanos foram tecidas num fim de tarde em Aljubarrota. A revolução foi o momento primeiro em que a burguesia e o povo se aproximaram do poder. “Não chegaram ao céu, mas arranharam as nuvens”, disse-nos ainda Borges Coelho. Seiscentos anos depois, de novo o povo, voltaria a arranhar as nuvens. A vida deste historiador tem sido longa como a história que relata. Investigou, historiou, escreveu e descreveu a vida em poemas. “Sou barco abandonado, na praia ao pé do mar”, escreveu enquanto sentia o tempo parado e a vida a escoar-se, no interior das muralhas da masmorra de Peniche, entre aquelas paredes sombrias nas quais a liberdade voava aprisionada. “Ouço o fragor da vaga, sempre a bater ao fundo” e assim viveu esses dias em que a maldade reinava sobre a pátria amordaçada. Nunca perdeu a esperança, “Ó mar, venha a onda forte, por cima do areal e os barcos abandonados voltarão a Portugal”. Recusou a fuga vitoriosa para poder seguir a vida de estudo da História e não ter de mergulhar o pensamento na noite perigosa da clandestinidade. E entre uma e outra das prisões do ditador, conheceu o amor da sua vida que o haveria de acompanhar ao longo de mais de sessenta anos. Ela era algarvia, ele transmontano. Ela lutava pela liberdade e direitos das enfermeiras, ele pela liberdade do pensamento e da vida. Entre as duas liberdades, a humanidade pútrida que assentava nos corredores do poder, apesar das sucessivas prisões infamantes, não dobrou a vontade de voar que ambos tinham e pela qual lutavam. Casaram na prisão e aguardaram pelo regresso do outro. Quando a liberdade chegou naquela “madrugada que eu esperava”, como nos disse Sophia, foram-lhe restituídos os direitos sonegados pela miséria de um poder fétido e miserável. Foi o tempo em que nos levou em viagem pela história da presença árabe no território que habitamos. Não da presença de um invasor, mas a expansão de um povo que viria a ser expoente da cultura europeia naqueles séculos em que entre nós habitou. E hoje, o Estado em que vivemos, atribui a nacionalidade aos descendentes dos judeus expulsos, mas ignora, os descendentes dos árabes, expulsos na mesma época e em número maior do que aqueles. Entrou ainda pelos corredores medonhos das prisões da inquisição e relata-nos o que leu e ouviu, nesses tempos sombrios em que, pretensamente, em nome de Deus se espalhou o terror. António Borges Coelho, para além da imensa obra sobre a História que nos vai deixando ainda encontrou tempo para a literatura, entre a qual, nesse soberbo “Youkali”, o país dos nossos desejos, nos faz viver os dias perigosos dos que resistiam nos anos de chumbo desse poder maligno que povoava a república de fétidas ameaças e que hoje pretende ressuscitar embalado no berço pútrido dos netos que pariu e sobreviveram escondidos em máscaras abjectas. A mão do historiador ainda não se deteve. Prossegue o seu trabalho de nos comunicar os seus estudos, investigações, reflexões e análises. A sua companheira de sempre, deixou um imenso espaço vazio, de silêncio e de saudade, como só os grandes amores permitem. Para si, como se escreveu, numa humana entrevista do Expresso, o comboio continua a passar a cada vinte minutos na Linha de Cascais e a pena que sempre foi o seu utensílio de ofício, prossegue esse labor de registar a vida humana através dos tempos.  



A SAÚDE PÚBLICA E O OLIGOPÓLIO

 Manuel Joaquim



O Amor é... (Diário)   https://www.rtp.pt/programa/radio


Na passada segunda-feira, dia 26, no programa de reflexão da Antena 1, “O Amor é”, Júlio Machado Vaz e Inês Meneses, falaram sobre a doença de Alzheimer, das batalhas da medicina para combater as doenças e do lançamento de novos medicamentos.

Júlio Machado Vaz falou sobre um medicamento, recentemente aprovado nos EUA, para a doença de Alzheimer. Que o processo de aprovação não tinha decorrido com normalidade, tendo deixado muitas dúvidas. Tinham sido convocados quinze peritos para se pronunciarem sobre o medicamento. Votaram por unanimidade contra a aprovação do medicamento por não ter qualquer benefício para os doentes e por provocar efeitos colaterais, “efeitos deletérios”.

Que isto é uma vergonha cada doente vai gastar 56.000 dólares/ano com um medicamento, que vai fazer mais mal que bem”, disse Júlio Machado Vaz. . Os interesses comerciais (lucro) acima de tudo.

Ao ouvir isto, lembrei-me de que há muitos anos, era eu muito jovem, encontrar crianças na rua, alguns ao colo das mães, com pernas e braços deformados, alguns sem mãos. Lembra-me de questionar a minha Mãe sobre os motivos daquelas crianças estarem assim.

Respondeu-me que a causa foram medicamentos que as suas mães tomaram e que o pó-de-talco que na altura se vendia também teria o veneno.

Foi a talidomida que causou em muitos países graves problemas pelo seu uso durante a gravidez, provocando malformações nas crianças que nasciam. Inicialmente considerado seguro, receitado para os enjoos, para a insónia e como calmante. Está em comercialização desde 1957, por vários laboratórios, com nomes comerciais diferentes, até aos dias de hoje.

As vacinas que estão a ser usadas para o Covid 19 foram desenvolvidas em tempo muito curto. Inicialmente, uma ou duas doses eram suficientes para controlar a epidemia. As crianças não tinham necessidade de vacinação por serem resistentes ao vírus e a vacinação seria facultativa.

Os laboratórios começaram a anunciar que provavelmente seria necessária a terceira dose para melhor controlo da doença. Há países que já começaram com terceira dose.

Neste momento discute-se muito sobre a conveniência da vacinação de crianças e jovens. Tudo aponta nesse sentido.

Começa a ser obrigatória a vacinação em vários países, primeiro para acesso a vários lugares e para o desempenho de várias profissões. A seu tempo vamos chegar à sua obrigatoriedade.

Encobre-se muito sobre a segurança das vacinas, sobre os seus “efeitos deletérios”, sobre a resistência de muita gente à vacinação, designadamente pessoas ligadas à saúde, sobre as manifestações que acontecem em vários países contra a vacinação.

Os opinantes de serviço, que na maior parte das vezes não sabemos quem são, leem o mesmo oráculo. Mais que provavelmente, dando seguimento às instruções que a senhora Ursula Von der Leyen deu à comunicação social para desenvolver campanhas em defesa da vacinação e contra a comunicação que a denuncia e combate.

É um fartote para os laboratórios que dominam um mercado de oligopólio. É melhor do que a venda de armas e droga. Os preços são sonegados aos consumidores que pagam através dos respectivos governos, logo com os seus  impostos. E cada vez há mais países a estimularem a vacinação dando dinheiro às pessoas para serem vacinadas, isto é, campanhas pagas pelas próprias pessoas.

Isto está a acontecer porque há cada vez mais pessoas a verificar que estamos perante a ”maior fraude de saúde do século XXI”

Esperemos que no futuro não venhamos a ser confrontados com problemas que aconteceram com a talidomida e com a denúncia efectuada por Júlio Machado Vaz.


UMA VIDA A PIQUE

 António Mesquita

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 "A vida de Oharu" (1952),  de Kenji Mizoguchi,  é um destino de perseguição e má sorte. O homem que ama é decapitado por ser de condição inferior. Por causa disso é exilada com os pais. Um nobre sem descendência compra o seu ventre à família e o filho é-lhe retirado. O pai que especula  com  essa ligação ao Daimiô arruina-se com o seu regresso e obriga-a a prostituir-se. E Oharu sempre passiva e sofredora. Mas, de repente, surgida sabe-se lá de onde, uma pequena maldade. A mulher do negociante, por ciúme, obriga-a a cortar o cabelo para a desfear. Como vingança, Oharu treina o gato para arrancar a peruca da dona e revelar a  calvície ao marido. Mas esta maldade não perturba o retrato moral da heroína, caíndo sob a alçada do "instintivo", quase atribúível a uma Afrodite japonesa, se alguma houver nesse panteão.

A ideia do melodrama não chega, de facto,  para explicar este filme. inspirado numa novela do século XVII, de Saikaku Ihara, chamada "A Mulher que Amava o Amor", é mais uma representação da fatalidade e da resignação búdica do que do amor tal como o concebe a cultura ocidental.

Quando menos se espera, o maravilhoso é possível, para logo desaparecer. Sobressai uma mística da aceitação. A pouca sorte acaba por tornar-se uma qualidade do ser que da vida só conheceu maus-tratos. A obediência aos fados torna-se uma  virtude. Oharu contempla os ídolos com figuras dos discípulos de Buda, e entre eles vê um rosto conhecido. O sacrifício do amante coloca o amor  fora da órbita terrena.  Nada pode contaminá-lo. Oharu há-de atravessar uma série de provas terríveis, em que a sua vontade não joga nenhum papel. Submeter-se às leis classistas e ao despotismo paterno são um mesmo calvário. Depois do parto, e perante a animosidade da mulher do nobre,  os oficiais da casa, atentos às razões do poder,  afastam-na por fim dum chefe seduzido para além da sua força e do seu dever.

O casamento com o negociante de leques é outro parêntesis que só parece existir para mostrar o curso fatal dos acontecimentos, já que o marido parece amá-la sinceramente, mas é assassinado. A história de Oharu é uma expiação sem crime. Tudo parece suceder com a inflexibilidade dum código que não permite excepções. E por aí, o drama da filha do samurai que acabou prostituta ganha uma qualidade não moderna, no sentido de não ser limitado pelas nossas categorias, mas surgir duma inspiração que atravessa o tempo.  

O filme conta-nos a opressão da mulher e a injustiça da sociedade de classes do tempo. Visão que não pode deixar de ser  anacrónica e influenciada pelos nossos preconceitos morais e políticos (e dos japoneses dos anos cinquenta). Algumas réplicas de Oharu a favor da liberdade de amar e da inocência  do amor, ou do amante decapitado contra as classes são quase chocantes pela sua falsa actualidade. O cinema de Misogushi está nos antípodas da arte “engagée” e, não obstante, pelo conflito tão vivo entre a política do conto popular, em que as peripécias acontecem sob os auspícios duma divindade e a ausência de dialéctica do real, os problemas de hoje ganham uma origem que os condena metafisicamente, é caso para dizer. O papel dos mitos foi sempre o de criar a origem das coisas. Devemos resignar-nos a recuperar o passado apenas pela poesia. Nesse sentido,  “A vida de Oharu” respira verdade e beleza eterna.
 
Uma velha prostituta reflecte no seu passado, com mais baixos do que altos, sem cólera no seu coração e sabendo-se por todos condenada a prioriNa luz indecisa, apenas a marcha dos juízes inflexíveis se ouve na claridade submersa. Mas Mizogushi perdoa a uns e a outros.

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