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01/04/13

UMA PARÁBOLA MODERNA

António Mesquita
"Metropolis" (1927, Fritz Lang)

O senhor de Metrópolis é um mal necessário. E é na medida do seu poder sem mediação um ser implacável e desumano. O paraíso em que brinca Frederson torna-lhe insuportável a vista das crianças condenadas. É um lugar de prazeres inocentes. O herói não está corrompido, apenas não sabe. Como o primogénito da Bíblia, ele conhece o fruto proibido por intercessão de Maria. E a miséria do homem, o nome do irmão põem fim a uma adolescência venturosa.

O filho do senhor desce ao mundo das máquinas e incarna o papel dum operário. O expressionismo concentra no seu trabalho o símbolo do sofrimento de todos os que não são mais do que apêndices mecânicos. O homem crucificado num relógio.

A certa altura o filme parece sugerir-nos que o exército de escravos pode ser substituído. Mas num dos muitos passes da lógica para a imaginação que se podem ver em Lang, o robot é mandado às catacumbas fazer a personagem do diabo. Na figura de Maria, a preceptora das crianças, a voz angelical que anuncia o fim da servidão, surge a feiticeira que atiça na alma dos oprimidos a força destruidora dos instintos. E o tema da revolta dos escravos coincide com outra explosão: a da água que rebentando as comportas inunda a cidade operária. Ao destruir as máquinas, os escravos atraem sobre a sua cabeça os maiores males. Não é por acaso que nenhuma força de repressão é alguma vez encarada pelo dono de Metrópolis. Se o castigo viesse dum agente humano perdia-se a clareza da parábola. Lang quer dizer-nos que o económico é o verdadeiro sujeito da opressão. Isso resulta evidente quando da acção cega dos operários amotinados são eles as primeiras vítimas. O fogo revela que a falsa Maria não é uma criatura de carne e osso. No seu esqueleto metálico a multidão reconhece o mecanismo da própria paixão. Ao mesmo tempo Rotwang, o sábio louco – e judeu infalivelmente (percebe-se que tem a noção do mal que faz, e que ao criar a antítese de Maria, a pura, repetiu o deicídio da sua “raça”), tenta fazer desaparecer a outra Maria para que a multidão não o massacre. E vemos uma perseguição por entre as gárgulas no telhado da catedral seguida por todos os olhares. A presença de Maria é já visível, e é isso que Rotwang se obstina em não ver. Frederson, o amoroso, tenta salvá-la. Corre perigo. Pela primeira vez, o senhor de Metrópolis ajoelha. O homem aparece no déspota que sofre pela sorte do filho. Enfim, Frederson é o anunciado mediador. É ele que, à porta da catedral, sob a égide da religião do amor entre os homens, consuma a reconciliação. O representante da massa ordeira do trabalho aperta a mão ao patrão omnipotente de antes da Revolução. Como se ambos reconhecessem a mesma dependência do destino.

Mas a solução de Rotwang teve uma inesperada confirmação nos tempos actuais, com a desindustrialização do Ocidente.

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