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01/12/10

UM GRANDE AMOR

Alcino Silva

Vista do Arno (http://www.sempai.org)


Desde o instante em que senti a tua existência não mais deixei de perceber o aroma da tua presença. Chega-me à noite quando o luar murmura segredos com as ondas oceânicas que desembarcam nas praias nos dias em que estou afastado dos contornos da tua beleza. Percebo-o ainda quando acordo nas encostas dessas montanhas ponteadas de verde que estremecem na serenidade de um sol que se ergue preguiçoso da terra para o céu. Vagueia também em meu redor no decorrer das tardes intermináveis em que flutuo na tua lembrança. E assim tem sido esta minha viagem por ti. Começou muito antes de chegares. Soube de ti por esses ecos que a história nos traz, por esses ventos que nos anunciam os encantos que o mundo possui e ainda não nos foi possível conhecer. E a cada notícia que de ti me chegava fui construindo o universo imaginário que nasce do sonho humano de um dia caminhar ao lado da perfeição. E eu sabia-te perfeita e assim fui idealizando este romance que não mais me separou de ti que me acompanha pelos tempos, os que foram passado, estes que são presente, ah e que belo presente que semeias em mim, e todos os outros que hão-de vir a que chamamos futuro. Por vezes, nesses instantes de devaneio que o pensamento faz nascer, nessa ânsia de querer, imagino o meu braço estendido com a mão tocando-te como se te afagasse o rosto que não se apaga desta minha memória onde guardo a beleza da tua existência como um desses momentos divinos que descem dos confins do universo em socorro das ideias que fazemos nascer como objectivos perseguidos em aventuras de inesquecíveis dias. Parecia impossível que fosse capaz de vencer a distância que me separava de ti e te pudesse contemplar na fragrância dessa formosura que os homens de ti falavam ao longo do tempo. Quis acreditar, necessitava de acreditar, para poder continuar a adormecer nesse mar manso que nos traz os sonhos que desde a infância embalamos como consolo. E a cada dia que passava, mais ouvia falar de ti, da tua excelência, do teu encanto, desse feitiço que semeavas em todos os que se aproximavam e te olhavam. Regressavam presos dessa magia que se infiltra no sangue e nos projecta chamas de oiro num fogo incendiário que não mais se apaga. A minha sedução crescia com esse fluir dos anos e fervia em mim esse amor que dedicamos às pessoas ou objectos que possuem um valor único e insubstituível. E um dia, aproximei-me, estive tão próximo que, creio, se estirasse um pouco o braço te teria tocado como no sonho, mas no derradeiro momento, no desfazer dessa curva final, o comboio que me levava, mudou de trajecto, desviou a rota e uma lágrima teimosa tombou na linha e dessa queda nasceu um rio e do leito deste brotou um mar, esse oceano interior onde ainda vive esta quimera que tenho de me sentir ao teu lado. Um dia, porém, como sempre acreditara, chegaste. Creio que não o percebi de imediato, estonteado pela tua presença, pasmado nesse olhar incrédulo, até que senti a tua mão protectora afagando-me com essa ternura que sempre colocaste nos teus gestos como consta dos registos da história. Então sim, acordei, abri os olhos e olhei-te nesse espanto da descoberta, nessa admiração de te saber ainda mais bela do que o sonho compusera. Foi daqui, deste lugar sobranceiro de onde escrevo que te contemplei nessa vez primeira e aqui volvi hoje para insistir nesse êxtase que emana desse encanto que projectas e foi destruindo os meus alados carros de combate e afundou sem remissão a minha invencível armada, deixando-me assim desarmado perante esse fulgor que tentara seduzir. Navegara no mar de espanto, desfraldadas as velas deste meu galeão aventureiro, ainda percorri as ruas do teu corpo, tacteei com esse prazer do infinitamente amado, os recantos encantados das formas que desenhas em labirintos de beleza. Admirei, prostrado a grandeza dos sentimentos que nasciam das pedras estruturais dessa geografia com que esboças o que os nossos olhos vêem, e voei como um pássaro na serenidade da tarde pelos teus membros estendidos, por esse teu peito onde nasceram e pulsam todas as histórias que arrastaram os homens em acções de sedução e de poder e quando alongavas os braços recolhias todas as ambições que transportavam no olhar e não permitias que adulterassem a pureza que vivia, e persiste viver, em ti. Debrucei-me sobre o rio que te percorre, olhei as suas águas correndo pelas tuas veias em agitação sobressaltada. Quando a noite sombreou as ruas e o azul escuro do universo cobriu o interior do teu corpo, tive então a verdadeira dimensão do teu olhar, da luz desses olhos que me visitaram em madrugadas sem sono, perseguido pelo desejo de amar o que não alcançava. Atordoado pela dimensão do belo que transportas em ti, voltei à Piazza Miguel Ângelo a partir de onde te olhei à chegada e sinto-te como uma Nefertiti ainda mais bela, única e irrepetível.

Olho a elegância da Torre de Arnolfo no Palazzo Vechio na Piazza della Signoria, tacteio nas paredes de Santa Maria del Fiore, piso a calçada da Galleria degli Uffizi, relembro pintores, condes, filósofos, o teu povo. Espreito o Arno e refugio-me entre as paredes das casas da Ponte Vecchio. Ah, Florença amada, quanto tempo te esperei e agora estás aqui no esplendor da tua beleza inigualável. Os sons de uma guitarra dedilhada numa tarde de recordações longínquas planam sobre ti como um pássaro triste, espalhando flores como palavras de um poema dedicado à mulher que sempre aguardamos e tu Florença és o símbolo dessa mulher ansiada e, tal como ela, continuarás a ser amada muito para além de mim.   


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1 comentário:

Anónimo disse...

O fascínio de Firenze também entrou em mim há mais de 20 anos e fez parte integrante da minha vida durante mais de uma década. Ficaram as recordações de bons momentos vividos, a magia de uma luz indescritível e de todos e cada um os lugares que visitei sozinha (nas minhas deambulações infinitas)ou acompanhada partilhando cada momento. Está tudo guardado dentro de mim e ainda agora consigo lembra-me de sensações, cheiros, sons, momentos de emoções e partilhas inesquecíveis. Conto voltar lá um dia, até porque tenho amigos e uma filha cujo pai lá nasceu e quero mostrar-lhe toda a magia que eu vivi.
Helena Marques

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