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01/10/25

FERIDO NA ASA

António Mesquita



Quem vem e atravessa a ponte  de D. Luís, vindo da estação do Morro, é como se regressasse a um passado de ruínas, com o feio paredão do restaurante chinês que há décadas borra o bilhete postal e, do outro lado, prédios desabitados e com graffittis por todo o lado. Nem o casario abaixo da ponte escapa. 

Claro que a "cascata san joanina", para quem sai do metro, é de cortar a respiração. E perder esse deslumbramento não é para o turista que passa por alto os pormenores degradantes. Digamos que nem é para o portuense que convive todos os dias com as "verrugas" da grande cidade.

Para se deixar transtornar  por uma parede rabiscada por um "autor de rua" é preciso ter sido infectado por uma espécie de puritanismo urbano que não tolera o pecado da desordem. É o meu caso. Compreendo que não adianta proibir e que se houvesse prisões do flagrante delito seria de molde a "enobrecer" essa semi-clandestinidade com a aura da oposição libertária.

Comecei com a entrada da mais célebre canção de Rui Veloso e Carlos Tê. Depois da paisagem das pontes e do rio, vem a toada melancólica dos "lampiões tristes e sós". Foi coisa que desapareceu com as vagas de curiosos  em busca de pitoresco. O Terreiro da Sé, esse românico que apenas transparece dos sucessivos remendos, lugar peripatético de meditação, foi invadido sem remissão. Não falta o acordeonista e Quasímodo não anda longe.

Um dos lugares que sempre me entusiasmou é o despenhadeiro da igreja dos Grilos. A média de idades dos curiosos não permite a descida que oferece tantas perspectivas estranhas.

Descendo a avenida da ponte, temos à esquerda o demolido mercado de S. Sebastião e  à direita, um penhasco que no passado fazia jus ao carácter granítico da cidade, mas que agora, com a introdução do metro e a modernização que consigo trouxe, é de um atavismo inconcebível.  Imaginemos só, no centro doutra metrópole, este megalito pré-histórico...

O paradoxo entrou bem no âmago da cidade com o faraónico empreendimento do metropolitano. O transtorno causado pelas obras é apenas uma sombra da revolução que a rede trouxe à mentalidade citadina. O novo ambiente subterrâneo como que nos abre o continente europeu, tão distante noutros aspectos. A ajuda europeia foi uma poderosa alavanca para nos tirar do marasmo ancestral. E só podemos verificar que, nos outros aspectos da vida citadina, a realidade subterrânea não deixa de influenciar e de desafiar.

A canção termina com a bela ideia do pássaro selvagem ferido na sua capacidade de vôo rapace.

Conforta-nos, pensar a cidade como "invicta" e que faz coragem das tripas. Não vai ser o metro a fazer-nos esquecer tais pergaminhos. A Europa, afinal, é um pequeno tremor de terra.




VERMELHO


Mark Rothko



Levado pela minha total incompreensão da sua pintura, fui ver a peça "Vermelho" de Jonh Logan sobre Mark Rothko, ao Carlos Alberto.  

Esperava que o diálogo entre o mestre e o discípulo ( João Reis e Daniel Silva) fosse um ping pong de argumentos a favor dum estilo que o autor não quer de todo abstracto. Mas, de facto, uma lição não seria o modelo dum verdadeiro esclarecimento. A disputa que acaba por se verificar, já que o discípulo tem ideias próprias,  foi de facto melhor. 

A defesa de Rothko é o ataque colérico (a zanga caracteriza quase toda a interpretação) aos seus contemporâneos. Ficamos com a noção de que a sua arte é menos pintura do que acção de interromper a vida, para contemplar uma cor. O vermelho requer que cesse tudo para manter a cor preta  à distância. Fala-se muito também no conceito de capela. Os quadros de Rothko exigiriam uma capela própria (e até encontrou os mecenas para ter uma com o seu nome).

O desfecho menos mau que se podia encontrar é o do mestre desafiando o discípulo a encontrar o seu próprio caminho.

Enfim, se fiquei à míngua de uma nova ideia de pintura descobri pelo menos uma paixão reveladora dos impasses da arte moderna.

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