Santa Margherita di Belice. Final
do Outono. Ao longo da vida, por diversas ocasiões dizemos frases
contraditórias como forma de adjectivar o que vemos ou sentimos. Na verdade,
embora parecendo, não chegam a sustentar uma contradição, mas antes se
complementam. Quando expressamos a ideia de que «o Mundo é grande» ou "a Terra é
pequena» estamos a querer dizer que este planeta onde habitamos encerra duas
grandes dimensões. O Mundo é grande, pois por muito que viajemos e por longa
que seja a vida, nunca alcançaremos conhecer todo o seu conjunto territorial
com a sua natureza, os seus povos, as formas de viver nas suas diversidades, o
dia e a noite em cada momento e em cada lugar. Por outro lado, a Terra é
pequena quando a pensamos na magnitude universal, mesmo que apenas na sua
galáxia. Mas a Terra também é pequena quando no interior de multidões ou
separados por geografias com distâncias nem sempre fáceis de percorrer,
encontramos alguém de forma inesperada. Foi isso que me assaltou o pensamento
quando vi uma personagem caminhar lenta e descontraidamente, na direcção onde
me encontrava. Saí de Roma com a intenção de viajar para Sul, mas sem destino e
sem tempo. A tarde estava com aquela quietude melancólica do outono e, sentada,
deixava que o olhar se perdesse pela multidão que chegava e partia. Foi nessa
sonolência que fui despertada para alguém que se aproximava. A incredulidade
daquela aparição durou alguns segundos e foi nesse deslizar do tempo que disse
num murmúrio, «a terra é pequena». Ali estava na minha frente, Giuseppe Tomasi
di Lampedusa. Amável, discreto, com um sorriso e poucas palavras convidou-me a
visitar a sua Sicília natal e a casa onde nas férias de Verão, deixou correr a
sua infância. De um momento para o outro a viagem que me levava para Sul,
adquiriu destino. Desci pela Calábria e atravessei o mar em Messina.
Encantei-me por esta cidade. Talvez pelo mar, pelo sol, pelo universo de azul
ou ainda por sempre me fazer lembrar a Grécia, a outra, não esta. Segui para
Palermo para descobrir os passos de Giuseppe, embora, sem saber, se procurava a
vivência do escritor ou do narrador de “O Leopardo”. Talvez ambos, pois
as suas vidas misturam-se. Em Palermo não consegui evitar o cheiro da máfia.
Era um odor que já viajava comigo e ficou mais intenso. Tomei o comboio pela
costa como Lampedusa na sua infância até Castelvetrano. O que era uma jornada
de pesadelo até Santa Margherita di Belice agora é um deslizar tranquilo.
Montevago, como nos diz no relato da sua infância era um dos passeios longos,
mas agora ambas as pequenas cidades quase formam o mesmo espaço urbano.
Subitamente, Santa Margherita desilude-me. É uma cidade nova com casas baixas,
é certo, mas nada resta da velha aldeia. Como um dever, mas muito prazer,
percorri os recantos do Museo del Gattopardo e o Parque Literário. Por ali me
deixei ficar longas horas, meditando sobre Lampedusa e a sua obra. Fazendo
parte da aristocracia siciliana, Lampedusa não só nos relata na sua obra prima
a decadência da nobreza da Sicília no espaço temporal em que os Bourbons
desaparecem e as hostes de Garibaldi unificam o território italiano. O
extraordinário romance escrito já no final da sua vida faz-nos pensar como o
território onde viveu o centro do poder do que foi um império poderoso e
extenso, terminou, como todos os impérios, dividido em fatias que se disputavam
entre si e assim permaneceu por quase quinze séculos. A riqueza da escrita de
Lampedusa, não só nos cativa como nos entusiasma e enriquece no poder quase
mágico como trabalha as palavras e as ideias, como constrói a vida das
personagens e as mudanças societais ao nível dos detentores da riqueza. É um
tempo de transformação idêntico ao que hoje contemplamos. Quando deixei os
jardins do palácio de Lampedusa, subi pela via do Calvário. Procurava um lugar
elevado na tentativa de encontrar o mar. Foi na subida que encontrei o centro
histórico que procurava, mas em ruínas. Seduzida pelo autor de “O Gattopardo”,
nem me ocorreu procurar as linhas históricas do lugar, daí desconhecer que há
cinquenta e seis anos um violento tremor de terra arrasou a aldeia de Santa
Margherita, talvez daí esta via do Calvário. No ponto alto que procurei pressentia-se
o mar quinze quilómetros a Sul, mas não se viam a cor das águas. Para Norte era
o desenrolar de pequenas colinas num manto de verde amarelado. Por ali me
aquietei, procurando, a Sul, no horizonte directo a imagem de Cartago que os
romanos imperiais arrasaram para que nunca voltasse a renascer. Pensar que pese
embora toda a evolução da humanidade, dois milénios depois, os Judeus, que
ocupam a Palestina, no chamado Estado de Israel, ainda fazem o mesmo e com a
mesma impunidade dos imperiais de romanos. Mas Roma caiu um dia. O postal segue
quando deixar este lugar.
Sem comentários:
Enviar um comentário