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01/12/24

CONCLAVE

António Mesquita




"A Criação" de Miguel Ângelo no tecto da Capela Sistina continua a ser testemunha das enchentes de admiradores verdadeiros ou de simples turistas que cumprem apenas um 'must' da sua viagem a Roma. O CO2 dessas massas é um preço a que não se pode fugir. Também ali reúnem mais de uma centena de cardeais, pelos dias necessários, em "perfeito" isolamento do mundo exterior, quando é preciso eleger um novo papa. Esses, não são admiradores nem turistas, e entregam-se a uma outra criação que é a de transformar um deles, com todas as suas imperfeições, no sumo pontífice da Igreja Católica. Para isso votam as vezes que forem precisas e os papéis do voto são queimados, sem afectar a preciosa pintura, espera-se.

O filme de Edward Berger que já nos deu, há  dois anos, uma nova versão do filme de Lewis Milestone de 1930 sobre o romance de Erich Maria Remarque, centra-se nesse acontecimento  vital para o funcionamento da Igreja. E fez um filme notável, não só pela interpretação dos principais actores, como na narração das várias peripécias. A política, como não podia deixar de ser, é omnipresente, mesmo quando as fracturas parecem opor conservadores, como o cardeal Tedesco que querem voltar a uma instituição mais fechada ao mundo e a qualquer tipo de 'aggiornamento' e os renovadores que pretendem, através da abertura e duma nova linguagem suster o que parece um inevitável declínio, pelo menos no mundo mais desenvolvido. 

O 'parti pris' de Edward Berger não deixa dúvida, quando chegamos ao fim da história. É um padre afegão, que 'viveu na pele' a sua condição de padre, no meio da pobreza, da perseguição e do fanatismo, que é eleito o novo papa, depois que os favoritos foram, um a um, descartados, quer por maus-passos da sua juventude, como o negro Adivemi, ou Trembley (John Lithgow) que orquestrou a exposição do outro, embora, até  certo ponto inconscientemente, obedecendo ao desejo do papa moribundo. Este golpe de teatro - Trembley tinha a eleição 'no papo' -, provocado por alguém, já no 'outro mundo', que conhecia bem o Vaticano e os seus corredores conspirativos e que, presumivelmente, desejava um desfecho como o que aconteceu, de facto, mostra-nos uma Igreja fragilizada, para lá da pompa e dos seus tesouros que tornam a sua  cidade-estado na Meca do Ocidente - passe a provocação -, uma Igreja que já terá perdido a 'alma'  e que é por estar consciente disso mesmo que o colectivo, depois de afastados os favoritos, escolheu o escândalo dum sucessor do terceiro mundo, 'pobre como o Cristo'  podia-se dizer e, não a menor das provocações, sexualmente ambíguo.

O padre Lawrence (Ralph Fiennes) que protagoniza esta parábola sobre o 'suicídio' da Igreja (paradoxalmente, através do regresso às suas origens, com o novo papa Benitez), a meio do filme, expressa a sua profissão de fé e a sua convicção de que 'não é digno', dizendo que tem dúvidas quanto à oração. E, perante o conclave, justifica-se com este raciocínio: quem tem a certeza não duvida, mas é quem duvida que precisa de fé. Ele não tem a certeza. 

Berger sabe bem que a fé pode tornar-se uma certeza. É isso que acontece em toda a fidelização e, claro, no fanatismo político ou religioso.

O seu filme, quanto mais não seja, por abrir um debate ao arrepio dos tempos que correm, merece todos os prémios.

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