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01/05/19

O FUTURO DA PINTURA

António Mesquita

Resultado de imagem para vermeer
"A Leiteira" de Johannes Vermeer


Num tempo em que qualquer fotografia está em vias de se poder transformar em "pintura", ao estilo que se quiser, à maneira do artista que se pretender imitar, e se um elemento aleatório representado pela cor, o ritmo ou o espaço podem trazer-lhe uma maior complexidade e novidade, como se distingue a arte autêntica desta 'arte robótica'? 

Em vez de pintores inspirados pela luz e as gradações do dia sobre um objecto, pelo pregueado de um vestido ou o sentido fugidio da expressão num rosto, ou toda a escala e o ritmo das cores, a composição das formas que a aparenta, tão significativamente, à arte musical, o que temos hoje, graças à tecnologia digital e às inúmeras aplicações que nos oferecem, instantâneamente, na aparência pelo menos, todos os sortilégios dos artistas que todos admiram, senão o fim da pintura, dessa arte que acompanhou a humanidade desde as cavernas dos trogloditas, aos conventos e paços reais, ao Renascimento e à época moderna? 

Esta não é como a crise da representação que provocou a invenção da fotografia que levou os mais 'inovadores' a procurar refúgio na pintura abstracta.  No entanto, todos podemos observar a diferença que o estilo pessoal já estabelecia entre, por exemplo, a arte de um Boticelli e a de um Caravaggio. Embora se pudesse dizer que a partir da perfeição 'realista' de alguns mestres, o princípio da diferenciação se tornou uma cada vez maior "distorção", como se a continuação da arte da pintura requeresse, a cada novo início, uma mudança de lentes, desta vez, ao contrário do que faz o oftalmologista, devessemos escolher aquelas que corrigissem o mundo em vez de corrigirem os nossos olhos.

Agora, só estamos à espera que surja um quadro que se julgava perdido, ou que os historiadores da arte desconhecessem por completo, de um pintor cuja produção raríssima nos leva a pensar que quando pegou nos pincéis pela primeira vez já era um artista completo, sem os erros que todos os outros começam por praticar, digamos, Vermeer de Delft. E que se venha a saber que essa maravilha tinha sido pintada,  há muito pouco tempo, por um 'robot' da última geração, e a partir duma paisagem holandesa ou duma moçoila sem brincos, nem caneca de leite, vestida ao gosto do século XVII.

Dir-se-á que a tecnologia pode ultrapassar a nossa memória e a nossa inteligência, mas não pode simular uma experiência subjectiva, a sensibilidade e as emoções humanas. São elas que, no fundo, se exprimem em todas as formas de arte. Mas temos em comum com o 'cérebro artificial' o facto de não controlarmos as fontes daquilo a que tradicionalmente chamamos de inspiração (é essa característica que distingue a verdadeira originalidade, a verdadeira criação). Porque a partir duma certa complexidade, ninguém nos garante que o super-artefacto exerça sobre todos os seus processos, aleatórios ou não, um controlo do tipo racional e consiga prever os seus próprios resultados.

A pintura está assim na iminência de ter de se refundar em novos valores e numa nova crença. A sua vulnerabilidade maior é ser, desde sempre, um avatar da imagem. E, talvez,  nada tenha mudado tão radicalmente, na nossa época, como a nossa relação com as imagens e com uma nova preponderância destas sobre a linguagem.

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