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27/06/23

DO MÉRITO

Mário Martins


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Os partidos de centro-esquerda não ofereceram uma reforma estrutural da economia. Não repensaram o projecto neoliberal. Em vez disso, ofereceram aos trabalhadores este conselho: “Se querem competir e vencer na economia global, vão para a universidade. O que ganharem vai depender daquilo que aprenderem.”

Michael Sandel, filósofo norte-americano
Entrevista ao Expresso (Revista), 2023-05-05



Porque é que a teoria do mérito, na aparência tão compreensível e aceitável, será, afinal de contas, problemática e injusta?

Para Sandel, o mérito, por si só, não é uma receita automática para o sucesso numa sociedade globalmente competitiva, se não for acompanhado de factores como a sorte, apoio familiar e comunitário, ou de vantagens culturais de cada um.

Daqui parte Sandel para uma crítica dura ao capitalismo de hoje e aos partidos de centro-esquerda. “O capitalismo não está a funcionar (já que) o princípio básico da livre-concorrência não está a funcionar em sectores-chave, como as áreas tecnológica e financeira, e a globalização neoliberal do mercado gerou ganhos para quem está no topo, em detrimento da maioria da população”. Os próceres do capitalismo dirão, parafraseando a máxima propagandística do socialismo soviético, que é o capitalismo real…

Por sua vez, a mensagem dos principais políticos de centro-esquerda: “Se não tem um diploma universitário e se está a lutar na nova economia, o seu fracasso é culpa sua.”, funcionou como um autêntico convite para os eleitores sem diploma universitário votarem, em 2016, em Donald Trump nos Estados Unidos e a favor do Brexit na Grã-Bretanha. 

Estes políticos, como Bill Clinton nos Estados Unidos, Tony Blair na Grã-Bretanha, Gerhard Schröder na Alemanha, não contestaram a ideia fundamentalista, praticada por Ronald Reagan e Margaret Thatcher, de que os mercados são os principais instrumentos para alcançar o bem público. Moderaram e suavizaram, até certo ponto, as arestas duras da fé no mercado, mas abraçaram a versão neoliberal da globalização, e com ela a desregulamentação da indústria financeira e de acordos comerciais, incluindo o livre fluxo de capitais, sem restrições através das fronteiras e entre economias. Quando isso trouxe o aumento da desigualdade, os partidos de centro-esquerda não ofereceram uma reforma estrutural da economia. Não repensaram o projecto neoliberal.”

Para Sandel, “moderado, em política, significa apenas ocupar um lugar entre extremos. Mas há muitas versões da política dita moderada. O que seria uma política moderada em relação à economia? Seria ser a favor da desregulamentação do sector financeiro que levou à crise? Ou uma política moderada favoreceria regulamentações mais fortes de Wall Street e da indústria financeira? Nos EUA a posição moderada pode parecer-se mais com a que Bernie Sanders avançou na sua campanha — uma figura geralmente descrita como sendo da esquerda populista. E, no entanto, as medidas que defendia em termos de regulação financeira eram essas, como aliás defendeu Elizabeth Warren, para exemplificar com dois políticos americanos. Trata-se de uma política moderada ou de uma política populista?”

Na análise de Sandel “capitalismo e democracia há muito que convivem numa certa tensão. E nas últimas quatro ou cinco décadas o equilíbrio entre os dois mudou, a favor do capitalismo e do poder económico em larga escala, especialmente nas finanças e na tecnologia. Hoje, precisamos de reequilibrar os termos, de repensar a relação entre capitalismo e democracia. Isto não significa abolir o capitalismo, mas antes renegociar os termos de relação entre capitalismo e democracia.”

O capitalismo não só deve estar inserido num Estado de bem-estar social, com certas provisões básicas e protecções públicas, como deve também ser regulado e restringido de forma que o poder económico não domine a democracia. Isso está a tornar-se cada vez mais importante numa era de tecnologia, quando empresas tecnológicas muito grandes e poderosas não só estão a dominar a economia, como cada vez mais dominam os modos de comunicação e de troca de informações. E estão, portanto, a dominar os termos do discurso público. Então, é importante reintegrar os mercados em instituições sociais e políticas, advoga Sandel.

É caso para dizer, usando uma típica expressão americana, que, num quadro democrático, a solução vale “1 milhão de dólares”…

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