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01/01/20

NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva
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A Gioconda de Leonardo Da Vinci


Sei que prometi que este mês te escreveria uma carta. Não uma mais, antes uma diferente, talvez especial, dessas letras que falam da beleza da vida e do mundo, da humanidade e dos gestos, de emoções e dos sentimentos mais sublimes e, do amor, naturalmente. Como se poderia escrever sobre a beleza sem insinuar o amor no seu interior, esse afecto que une os amantes! Mas a minha promessa foi num tempo que sabia distinguir o passado do futuro, o ontem do amanhã, a realidade dos sonhos. Foi antes desse vendaval que misturou tudo na minha memória. Num tempo anterior aos delírios que ora me levam, como naquele dia em que acreditei que viajava entre a nebulosa de Andrómeda e a galáxia M28. Quando o desvario abrandou, constatei que apenas mudava de uma linha do Metro para outra. Vivo assim, misturando os tempos e no momento de iniciar a carta que prometi, já não sei onde me encontro, nem no tempo que passa nem naquele em que vivo. Procurei então nas notícias dos dias, a inspiração que me faltava, mas a primeira que chegou até mim, deixou-me nessa tristeza infinita que é o desacreditar na humanidade, ou expresso de outra forma, naqueles que em nome de todos, dirigem os destinos do mundo, para o seu próprio interesse, para satisfação das suas vaidades, para encherem as tulhas de gente sem rosto. A maldade humana no esplendor do poder. Abandonei então a ideia de um diário para ti com o noticiário dos acontecimentos quotidianos. Estava perdido, entre a promessa e a minha incapacidade. Olhava à volta e não vislumbrava caminho onde pudesse fazer passear as palavras que me levariam ao teu encontro. Ainda pensei no mês dos pobrezinhos, mas já todos se debruçavam sobre o assunto, até o presidente da república. Lobo Antunes disse um dia que no seu tempo de criança todas as famílias de bem tinham um pobrezinho, o seu pobrezinho, que todas as semanas visitava a casa dos seus benfeitores para levar as sobras e os restos. Claro que a democracia deu dignidade às pessoas, mas nem quero pensar quantas delas perderiam o emprego se acabassem os pobrezinhos. São eles a garantia de que estamos bem. Também não era esta passagem que me faria chegar até ti. Entrei então na minha desmemória da vida, nesse espaço onde vagueio, sem lugar nem nome. Procurava nos atalhos do passado, a direcção em que corriam os rios quando o teu sorriso dominava tudo e enchia de luz o universo, essa luz que era o guia que segurava as estrelas na sua rota. Que faço eu nesta mesa, olhando o outro lado onde te vejo sentada, altiva e bela, com o olhar perscrutando um horizonte indefinido. O teu rosto move-se vagaroso, como quem procura tempo para assimilar, não o que vê, mas o que pensa. Sim, o teu pensamento viaja para outro lugar e outros acontecimentos ou pessoas. É visível a tua ausência. É nesse instante que a tua boca esboça um sorriso e ocorre-me pensar na Gioconda, naquele enigmatismo que nos fascina e atrai. Estou preso nessa beleza que irradia desse rosto que se volta na minha direcção sem me ver. Acordo quando o ano terminou os seus dias e renasce outro com a contagem a zero e de novo nos alimenta a esperança de que este ano…, sim, este ano, vai ser distinto, vou realizar os meus sonhos, vou alcançar os meus desejos, vou cumprir as minhas metas, não vou deixar que os meus planos se esfarelem nas primeiras curvas da estrada da vida. Entre todos os trajectos aparece-me o teu, com o esplendor radiante do teu olhar nefertiniano, belo, apaziguador, fixo no futuro, nesse fausto que a grandeza do teu rosto carregado dessa imensa perfeição, nos confunde, atormenta, encanta e nos faz amar-te. É esse então o meu desejo, encontrar nos dias da vida que vão nascer, o caminho para descobrir as palavras que te enalteçam, te exaltem e com elas preencher a carta que prometi escrever-te. É uma utopia, eu sei, tão bela e tão digna como essa que empurra uma parte da humanidade a combater por um mundo mais digno, mas tal como esta, na minha utopia, o melhor está na estrada a percorrer. Talvez, no fim do meu tempo, um dia nos possamos encontrar.

3 de Dezembro. Donald Trump chegou a Londres para uma reunião da NATO. Entre as palermices que disse em conferência de imprensa, saíram palavras de grande gravidade. Reconheceu que as tropas dos EUA que invadiram a Síria se mantêm a ocupar parte daquele país onde se encontram os campos petrolíferos do povo sírio e acrescentou: «temos o petróleo e podemos fazer com ele o que quisermos». Este roubo do petróleo sírio rende aos EUA 30 milhões de dólares por mês. A Rússia chamou a esta acção, «um acto de banditismo internacional». Cada notícia que chega da democracia dos EUA só nos faz entristecer a alma e desacreditar na humanidade.

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