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01/10/19

NIETZSCHE AO SOM DE WAGNER

Mário Martins

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O que é uma biografia? Agustina Bessa-Luís, na sua biografia da pintora Maria Helena Vieira da Silva, “Longos Dias têm Cem Anos”, afirma que “os factos não são importantes numa biografia a não ser como o seu folclore”, afirmação que, sobretudo, se compreende no contexto da escassez de dados da biografada a que teve acesso, daí resultando uma biografia porventura mais imaginada, ainda que comentada e autorizada pela amiga pintora, mas talvez mais exigente na compreensão do sentido essencial de uma vida; afirmação, de resto, corroborada por outra do mesmo jaez, do colega de ofício Mário Cláudio, de que “toda a biografia é um romance”.

No entanto, decerto que os graves padecimentos físicos, que frequentemente o retiam deitado na penumbra de um quarto dias a fio, como repetidos acessos de vómitos, fortes dores de cabeça, progressiva perda de visão e excessiva sensibilidade à luz, que o filósofo alemão Friedrich Nietzsche sofreu ao longo da sua vida (1844/1900), terão influenciado a sua filosofia, mormente o seu estilo. Os seus conhecidos aforismos, como forma de expressão curta e incisiva, são tanto o resultado directo da sua mente brilhante como da sua quase cegueira, que o impedia de escrever normalmente.

Como também o facto de se ter relacionado e vivido intensos momentos de comunhão espiritual com o célebre compositor operático germânico Richard Wagner  (e com sua mulher Cosima Wagner, filha do grande pianista e compositor húngaro, Franz Liszt), que considerava um verdadeiro Mestre e cuja música o punha fora de si, a ele, Nietzsche, que gostava de tocar piano e de compor, e que dizia, num dos seus famosos aforismos, que “sem música, a vida seria um erro”; bem como a ulterior ruptura pessoal e intelectual, terão, certamente, afectado a sua filosofia.

Ambos, Nietzshe e Wagner, partilhavam o desejo de pôr fim ao que consideravam ser a decadência cultural da Alemanha, mas enquanto o compositor era germanófilo e anti-semita, o filósofo não era nacionalista e recusava o ódio aos judeus. Essas diferenças e considerações mútuas nem sempre simpáticas, acabariam por prevalecer sobre o idêntico gosto pela Grécia clássica, conduzindo à separação e inimizade.

Com antecedentes familiares, Nietzsche viveu os últimos doze anos da sua vida no estado de loucura que, todavia, amigos mais chegados tiveram alguma dificuldade em reconhecer, sabendo como sabiam que o filósofo considerava que “todos os homens superiores que eram levados irresistivelmente a livrar-se do jugo de morais banais, se não fossem realmente loucos, não tinham outra opção para além de fingir a loucura”.

Tal como Wagner, mas mais abusivamente dadas as suas diferenças políticas, Nietzsche e a sua obra, simplificada e adulterada, nomeadamente pela sua irmã Elisabeth, uma fervorosa defensora da pureza da raça ariana e admiradora de Hitler, viriam a ser usados, anos depois do falecimento do filósofo, como caução da prática e objectivos do partido nazi. Mas como até um seu proeminente ideólogo sarcasticamente reconhecia, “se não fosse o facto de não ser socialista, nem nacionalista e se opor ao pensamento racista, Nietzsche poderia ter sido um grande pensador nacional-socialista”

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