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01/10/18

'PICKPOCKET' REVISITADO


antónio mesquita






Tenho a ideia que a sobriedade aguenta melhor a prova do tempo do que qualquer outra forma. Mas será que as maravilhas do barroco, ou da arte  védica, precisam assim tanto da nossa complacência?

Este filme de Robert Bresson, de 1959, impressionou-me, da primeira vez, por uma espécie de integridade minimalista. A própria música se retrai nesse pudor da dramaturgia. Os raros trechos de Lully dão, em certos momentos, o tom da solenidade, do destino, o resto é o monólogo de um aprendiz de fora-da-lei. Michel  é um niilista, um revoltado sem causa. O seu 'mal de vivre'  está-lhe no olhar de animal acossado - a escolha do actor -Martin LaSalle - não foi pequeno mérito. 

As figuras evoluem por grandes saltos que chocam quem está à espera do tempo de uma narrativa convencional. Não se  desenvolve o triângulo amoroso entre  Michel, o amigo e a vizinha da sua mãe, Anne, personagem angelical. Mas este não é o tempo de contar uma história. O que se quer atingir é, em vez disso,  a parábola.

Michel é, finalmente, surpreendido pela polícia em flagrante delito. Preso, é visitado por Anne, e é a ocasião para a irrupção da música e para a exaltação do tema do amor. A frase pronunciada pelo prisioneiro é daquelas que fica na memória: - 'Anne, que estranho caminho para chegar até ti!'

Poderíamos resumir 'Pickpocket' como o extravio de um homem que se reencontra na inocência do amor. A acção (e o que sobra da parábola) é um exercício das mãos.  Uma feia manipulação no gesto de roubar um passageiro do autocarro ou um espectador das corridas.

Para o cineasta de 'Diário de um pároco de aldeia' e de 'Fugiu um condenado à morte', o orgulho, pecado luciferiano, explica todo o percurso de Michel. Ao tentar ludibriar as leis, julga-se acima do comum. O filme termina com a redenção pelo amor, tema cristão e dos romances de cavalaria. Não é 'Lancelot do Lago' um dos títulos de Bresson?

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