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01/04/09

PERIGO DE INCÊNDIO

Mário Martins

A Grande Porca


"(...)Pelo Natal de 99, no café Martinho, João Chagas, uma noite, falou-me interessado num jornal de crítica, um semanário (...) ficou assente convidar o Rafael Bordalo. E lá fomos os dois (…) a casa de Rafael Bordalo Pinheiro, que abraçou a ideia com entusiasmo. E assim nasceu "A Paródia", que começou a sua publicação em meados de Janeiro de 1900. Rafael Bordalo e Chagas aventavam ideias para a primeira página do primeiro número, que no parecer de João Chagas devia ser de comentário político.

Desabafei: - Política!... A grande porca.
Rafael Bordalo exclamou, radiante:
- Aí está a primeiras página: Política, a grande porca..."
Declarações de João Saraiva à Vida Mundial Ilustrada de 1946, in blogue “Buraco da Fechadura”

A apreciação que os principais analistas políticos e fazedores de opinião fazem hoje da política portuguesa não deve diferir muito da que se faria antes do golpe militar de 1926, ao qual se seguiu a instauração da ditadura. Ainda recentemente o Professor Medina Carreira lembrou que nesse tempo a política era rotulada de porca e que agora bem poderíamos considerá-la uma porcaria. Entrevista após entrevista, Medina Carreira tem vindo a fazer, com efeito, num estilo algo incendiário, um diagnóstico arrasador da política portuguesa: o crescimento produtivo regrediu ao nível de há 100 anos, a Educação não é um sítio de exigência, a Justiça enreda-se nas suas próprias malhas, a Saúde desperdiça-se, o carreirismo e a corrupção grassam, não há uma cultura de trabalho, de responsabilidade e de respeito pela coisa pública, por este andar o futuro é negro, não fora o facto de estarmos na União Europeia e certamente que já teríamos novamente ouvido o ruído das botas militares a marcharem.

Digamos que não é difícil estar de acordo com este diagnóstico. Que fazer?

Medina Carreira é parco nas soluções: acha que é preciso, em primeiro lugar, requalificar os partidos (como?), que se deve mudar para um regime presidencialista (embora, um tanto contraditoriamente, se manifeste contrário, no actual regime semipresidencialista, à maioria absoluta de um partido), que os políticos devem falar verdade aos portugueses, que a comunicação social deve dar mais espaço à opinião extrapartidária.

A necessidade de mudança para um regime democrático presidencialista idêntico ao dos EUA, como defende Medina Carreira, suscita-me as maiores reservas não só por fazer desaparecer um contrapeso de uma democracia portuguesa ainda pouco madura, como pelo facto de a actual crise mundial de segurança e financeiro-económica ter tido origem, precisamente, na política americana dos últimos anos.

Não me custa supor que o Professor Medina Carreira concordaria que o que sobra ao país em análise avulsa falta em estudo, em propostas e em saber operacional. Neste quadro, é muito animadora a notícia da constituição de uma fundação pelo grupo económico Jerónimo Martins, que terá por missão estudar e fazer propostas de políticas públicas e será presidida pelo Professor António Barreto, que ainda há bem pouco tempo nos presenteou com um exigente Retrato Social de Portugal. Isto talvez nos dê a chave da solução do problema da requalificação dos partidos. Embora o caso de Manuel Alegre nos mostre que uma espécie de dissidência controlada pode influenciar o rumo de um partido, acredito mais numa reforma partidária de fora para dentro. Trata-se de um problema de falta de concorrência extrapartidária. Manifestamente, a democracia portuguesa não precisa de mais partidos, mas sim de mais participação e exigência cívicas fora deles.


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