O argumento, mil vezes repetido,
do direito à existência do estado de Israel, tem tanto de válido como de
pecaminoso.
Com efeito, a reivindicação desse
direito fundamenta-se, antes de tudo, na tragédia demencial do holocausto, na
desconfiança perante vizinhos que não escondem, em grau diverso, a sua
hostilidade, e na defesa do objectivo, conseguido há 77 anos, de reunir o povo
judeu, até então em diáspora forçada ao longo dos séculos.
Mas, se é legítimo e
compreensível o direito à existência do estado de Israel, o que dizer sobre o
povo palestiniano que, desde 1948, vê concretamente negada a possibilidade de
se constituir em estado na mesma terra da Palestina, quer pela assanhada
oposição israelita, quer pelo interesse geoestratégico dos Estados Unidos, a
quem Israel serve de lança na região (talvez com a única excepção, no tempo da
presidência de Bill Clinton, da promoção de tentativas de acordo entre os
dois povos, embora sem êxito), violando
a resolução das Nações Unidas de aprovação da solução de dois estados?
Porque, se há povo com inteira
legitimidade para reivindicar o direito a um estado, esse é o povo
palestiniano.
As consequências desta situação não
seriam difíceis de imaginar, como, aliás, não seria difícil de imaginar a
reacção de Israel ao ataque terrorista do Hamas, de 7 de Outubro
de 2023, mas não uma resposta totalmente desproporcionada e insensata.
O povo palestiniano, organizada
ou espontaneamente, tem, ao longo destas décadas, lutado e resistido como pode,
seja à pedrada, seja militarmente, seja até com actos terroristas. Tudo isso,
porém, tem esbarrado na insensibilidade e superioridade bélica israelita (que
inclui armamento nuclear não declarado).
Os fins não justificam os meios. Um
povo, como o judeu, que sofreu na carne as maiores ignomínias e um genocídio
organizadamente executado, a pretexto da sua pretensa inferioridade rácica e demonização
ideológicas, deveria lembrar-se que está a usar, se não os mesmos, métodos
equivalentes contra o povo palestiniano. A destruição e a mortandade de Gaza
(que o actual inquilino da Casa Branca declarou, com o habitual desaforo,
querer transformar na Riviera do Médio Oriente), e a condenação dos
palestinianos à diáspora, não têm perdão.
Como disse, na altura, o Secretário-Geral
das Nações Unidas, António Guterres, “os ataques do Hamas não surgiram
do nada”.
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