01/08/25
CARTESIANISMOS
NO CORRER DOS DIAS
Liinarramari, Península de Kola. O caminho para os sonhos
parece-se demasiado com a vida, a qualquer instante muda o rumo da jornada e
torna-se mais distante o destino. E neste deslizar da bússola, procuramos não
ficar retidos na surpresa, mas antes avivar a arte de viver e de sonhar, perante
as novas coordenadas. Foi assim que, pensando o oposto, não abandonei o
Árctico, pese embora a mudança de lugar que me trouxe a esta aldeia perdida no
globo, de escassos habitantes, mas de continuada posição estratégica. Já foi
espaço fechado enquanto base de submarinos. Hoje só lhe restam patrulheiros e
barcos de pesca. Ao que parece, sendo um porto que nunca gela, conheceu vários
ocupantes e já mudou de país. Poucos quilómetros a norte, numa reentrância da
costa que quase forma uma ilha, surge-nos uma outra aldeia dedicada à pesca
tradicional e submarina. Com caminhos terrestres que nos deixam ainda longe da
pequena enseada, procuro veredas e bocados de terra entre a pedra para evitar
seguir pelo mar. Neste recanto, o sossego é ainda mais elevado e por ali vivo
entre silêncios e os pequenos ruídos que chegam diluídos no respirar do mar. As
horas passam, mas não sentimos que nos leve o corpo. Permitindo que o
pensamento repouse em reflexões prolongadas, vejo que entre as imagens, o mundo
aparece no estertor da decência e da humanidade. Ao recordar o que chamas de ética
ou moral, verifico como o sentido de tais palavras aparece agora tão distante e
incompreendido, tão esfarrapado, na mente e nas acções dos psicopatas que
alcançam o poder para semear a barbárie e a sua insânia demencial. Como afirma
Lídia Jorge numa recente entrevista, “Calcem as galochas. Vamos Atravessar a
lama”. Estamos enlameados, não por um acto voluntário, mas por terem-nos
empurrado para um pântano. Quis acreditar que me visitarias como em tantas
ocasiões ocorreu, mas compreendi que neste lugar, só o silêncio me pode fazer
companhia. Unamuno, descreveu numa das suas viagens, um momento de fraqueza da
sua alma quando no mesmo instante em que sentiu a necessidade da presença de um
amigo para compartilhar o sentimento emocional que de si se apoderou, logo
rejeitou a ideia, dizendo, “Viajar em companhia de alguém não é viajar
porque tira a viagem o seu mais íntimo encanto: a solidão. Não conhecer
ninguém, não ser conhecido”. Mas que fazer quando num destes silêncios a
nossa alma tem uma recaída? Não o
silêncio, mas os silêncios que me ensinaste a escutar quando um dia paramos no deslumbramento
da meditação nas montanhas azuis. O silêncio da manhã é primaveril,
transportando o sol nascente, o canto das aves, a alegria da vida; o da tarde
aparece carregado de melancolia, de saudade, aproximando-nos do declínio do dia;
o da noite é um silêncio sonhador, povoado de luzes estelares, das danças
galaxiais e aqui, da fantasia das auroras boreais. Vivo entre estes silêncios e
há dias, num desses momentos de devaneio, alguém se aproximou e perguntou o que
fazia ou procurava no isolamento deste espaço. Respondi com a palavra que por
aqui aprendi: любоваться, a ideia de olhar em admiração, expandir o pensamento
ou o sonho para além do que é visível, perder-nos em lugares imaginados
cobertos de mistério. Neste final de tarde, o postal que te envio, brinca entre
os meus dedos sem conseguir decidir que palavras lhe hei-de desenhar, se um
esboço do que vejo ou antes do que sinto e se desamarra numa tempestade de
alienação por entre as areias que amamos e tantas vezes percorremos. Por muito
que insista em concentrar as ideias presentes nos contornos destas enseadas e
colinas rochosas, algo me arrasta para uma realidade que não consigo entender e
que Lídia Jorge, sintetiza desta forma, “Às vezes custa-me adormecer. Quer
dizer, como é que eu tenho água? Como é que eu tenho lume? Como é que eu tenho
comida? Como é que eu desperdiço todos os dias um bocado de pão? E aquela gente
está assim? Isto é um horror.” Tento sair deste desfiladeiro infernal que quase
nos esmaga o cérebro, procurando no tempo passagens em que um naco de beleza
nos fez respirar a alma, recordando quando nas areias de khorramshahr, nas
margens do Chatt-el-Arab onde se perdem as águas do Tigre e do Eufrates, ainda
deslumbrados pela visita à tumba de Ciro em Pasárgada, num momento de grande
melancolia recitamos em simultâneo o poema em que aparece a frase tão cativante,
“Se tu viesses ver-me hoje à tardinha, a essa hora dos mágicos cansaços”.
Fecho a tarde e prossigo a minha viagem para Ítaca. O postal segue em breve.
POESIA
Helena Serôdio
A MÚSICA DA FALAPalavras são música, no seu falar.Fazem um anel de ouro, ao permutarAs ideias de mim em ti no seu actoE de ti em mim em psico-contacto.Palavra... é seiva que emana da genteProjecção da alma, realizada na mente.Em imagens-sons, acordes, harmonia,Solfa, comunicação e sinfonia;Sopro e lira do pensamento,Tecla e nota ao mesmo tempoPalavra que actualiza, narra e contaA mais linda cantiga de amarNa sua música do linguajar.AQUIAquiOnde tudo é mais íntimo,O silêncio duma muralha invisívelQue nos separa do mundoE nos envolve em redomas de vidro,O tempo, inadiável,Tem a imobilidade dum corpo suspenso na vertigem dum abismo.Aqui,Onde o pensamento está sempre só a meditar à sombra das frondesE se eleva para descer às entranhas da terra,O frémito da terra é um arfar de criança adormecida.E os ciprestes esguios,Erectos como dedos hirtos,Lembram filas de monges em retiro.
RESENHA
A Livraria Bertrand, segundo diz, a livraria mais antiga do mundo, publica periodicamente uma revista “SOMOS LIVROS”, com entrevistas e com o catálogo das obras que tem à venda de diversos editores. A revista de verão de 2025, nº 40, teve uma tiragem de 35.000 exemplares.
A capa e contracapa despertaram a minha atenção. A capa apresenta uma fotografia de muitos jovens a ouvirem a leitura de um texto, presumo eu, encimada por três cravos, e o tema principal é uma entrevista de Anabela Mota Ribeiro com Domingos Abrantes, histórico dirigente do Partido Comunista Português, com o título “QUEM ESTÁ HOJE NO PODER? OS DO VERÃO QUENTE DE 1975”. Outros temas na capa: “VERÃO QUENTE DE 1975 – UM SOBRESSALTO NA DEMOCRACIA” Texto de João Céu e Silva; “A URGENCIA DA DESCOLONIZAÇÃO E O VERÃO QUENTE AFRICANO”, Texto de Rui Bebiano. A contracapa é sobre o VERÃO QUENTE DE 1975, UM VERÃO QUE AINDA NOS ESCREVE à conquista de quem ousou sonhar.
Um outro artigo que também despertou a minha atenção é do historiador Manuel Loff sobre a “REFORMA AGRÁRIA – O CORAÇÃO QUENTE DO VERÃO QUENTE”.
Outros artigos da revista são de grande interesse, designadamente, sobre José Mário Branco que a Tinta-da-china acaba de editar, “José Mário Branco – Entrevistas para a imprensa 1970 – 2019”.
A revista é de distribuição gratuita, pelo que sugiro que a procurem na Bertrand porque vale a pena. Os artigos referidos não seriam publicados no Periscópio.
Outra sugestão que faço é procurarem ver a entrevista que o Presidente da República de Angola deu em Luanda, na passada terça-feira, 22 de Julho, à CNN Portugal a um jornalista português, a propósito dos festejos dos 50 anos de Independência de Angola, onde são abordadas questões muito sérias que nos dizem respeito e avaliarem a inteligência e finura de linguagem que é utilizada pelo Presidente João Lourenço.
Mais outra sugestão é verem a entrevista do actual Governador do Banco de Portugal, Centeno, dada na sexta-feira, dia 26, ao canal 1 da RTP. As tentativas de malandrice do entrevistador sobre o investimento nas novas instalações do BP e sobre a promoção de duas pessoas, o homem esclareceu sobre as questões encomendadas.
Ao novo homem nomeado para governador, o que promoveu o pastel de nata a herói, que riscou os feriados do calendário nacional e pretendia vender ouro do BP, Centeno desejou-lhe as maiores felicidades. Hoje, sábado, 26 de Julho, um jornal económico referiu que este novo homem foi escolhido depois de cinco recusas que o governo teve. Vamos ver onde se formou e se teve aproveitamento para ultrapassar a rede de recrutamento que Centeno disse que existe no BP para a admissão de funcionários.
Vão abrir concursos para a exploração de 3 casinos para os próximos anos. Uma tal empresa de Espinho, muito falada pelas suas ligações a casinos, vai ou não intervir directa ou indirectamente nesses concursos. São muitos milhões que estão em causa. O tempo o dirá.
No passado dia 11 de Julho foi votada na Assembleia da República uma proposta para reconhecer o Estado da Palestina. Para que conste, a proposta foi rejeitada com os votos contra do PSD, Chega, Iniciativa Liberal, CDS-PP e abstenção do PS.
Sabemos quem são os cúmplices de um crime continuado. É uma situação vergonhosa. Onde estão os valores morais desta gente? 77% dos países membros das Nações Unidas já reconheceram o Estado da Palestina. Macron, presidente da França, já anunciou que na próxima Assembleia Geral das Nações Unidas, a realizar em Setembro, a França vai reconhecer o Estado da Palestina.
Estas pessoas que parecem iguais a nós mas não são, estão a contribuir para a militarização da consciência pública, aceitando levianamente os aumentos de gastos para a guerra encobrindo e mentindo sobre os seus reais objectivos. Alguns estudos que vão aparecendo apontam para o corte das pensões em Portugal na ordem de 40% do último salário.
A Alemanha não pretende reconhecer o Estado da Palestina. O senhor Merz, que foi eleito em 6 de Maio passado pelo Parlamento Alemão, está a executar uma política que nega o que defendeu durante a campanha eleitoral. Pretende estabelecer o serviço militar obrigatório, recrutando 40.000 jovens por ano para “ tornar a ter o maior exército da Europa”. Não devemos esquecer que a Alemanha desencadeou duas guerras mundiais e em ambas foi derrotada. O que pretende Merz? Contribuir para uma nova guerra mundial? Este senhor referindo-se à guerra no Médio Oriente há umas semanas atrás referiu-se que Israel está a fazer o “trabalho sujo da Europa”. Lá sabe o que lhe vai no pensamento e nas suas obras.
Estudos de opinião feitos em Julho na Alemanha revelam que 56% dos alemães estão insatisfeitos com o dito senhor. O Senhor da BlackRock, a maior gestora de activos do mundo, americana, provavelmente a maior proprietária de terrenos na Ucrânia, não chegará certamente ao final do seu mandato.
Na semana passada os dirigentes da União Europeia, Úrsula von der Leyen, Kaja Kallas e António Costa, foram à China. Curiosamente não se vê grandes notícias sobre essa deslocação e sobre os resultados obtidos. Será que para além do chá da praxe não houve discussão? Tanto quanto se sabe entram em reuniões como leões e saem noutras figuras. Foram metidos num autocarro e saíram a toque de caixa.
As últimas negociações decorridas este fim-de-semana na Escócia, entre Úrsula von der Leyen e Trump, depois de partidas de golf deste em suas propriedades, são relatadas por alguns como muito positivas para a União Europeia, não especificando o que realmente foi acordado. Assim o diz o português que lá está.
Para já, o que se sabe, é que em 27 de Julho foi assinado um pacto comercial sobre tarifas de 0% sobre importações de produtos dos EUA pela UE, uma tarifa básica de 15% sobre todos os produtos exportados pela EU para os EUA; a EU concordou em comprar uma “enorme quantidade de equipamento militar” (Trump), sem valores definidos, concordou em comprar “US 750 biliões” de energia aos EUA, para além de outras cláusulas. Há quem diga que os europeus se renderam às condições impostas pelos EUA e que vai continuar a caminhar para a sua desindustrialização e ser inundada com produtos agrícolas americanos. Fez-me lembrar o que aconteceu com a economia portuguesa quando acabaram as barreiras que existiam no Brasil para condicionar a entrada de mercadorias inglesas.
Foi inaugurada no sábado, 26 de Julho, a Feira de Artesanato de Vila do Conde, que vai decorrer até ao próximo dia 10 de Agosto. Tema em destaque: Benefícios da arte para a Saúde Mental, apresentando a exposição “Anjos e Demónios combater o Estigma na Doença Mental” em parceria com o Hospital de Magalhães Lemos.
Um estudo realizado sobre o tema, referido na página da internet da Feira, considera que cerca de 20% da população mundial vive com problemas de doença mental e que Portugal é o segundo país da Europa com maior taxa de prevalência de doenças psiquiátricas (quase um em cada quatro portugueses sofre de uma perturbação mental).
Como se percebe, esta doença afecta dirigentes políticos nacionais e internacionais em número muito significativo. Funcionam como o peixinho que Centeno referiu na sua entrevista, perderam a memória dos acontecimentos históricos e suas consequências para os povos. São homúnculos da política.
O trabalho desenvolvido pelo Hospital de Magalhães Lemos teria um efeito muito positivo sobre esta gente.
SOBRE O DIREITO À EXISTÊNCIA
O argumento, mil vezes repetido,
do direito à existência do estado de Israel, tem tanto de válido como de
pecaminoso.
Com efeito, a reivindicação desse
direito fundamenta-se, antes de tudo, na tragédia demencial do holocausto, na
desconfiança perante vizinhos que não escondem, em grau diverso, a sua
hostilidade, e na defesa do objectivo, conseguido há 77 anos, de reunir o povo
judeu, até então em diáspora forçada ao longo dos séculos.
Mas, se é legítimo e
compreensível o direito à existência do estado de Israel, o que dizer sobre o
povo palestiniano que, desde 1948, vê concretamente negada a possibilidade de
se constituir em estado na mesma terra da Palestina, quer pela assanhada
oposição israelita, quer pelo interesse geoestratégico dos Estados Unidos, a
quem Israel serve de lança na região (talvez com a única excepção, no tempo da
presidência de Bill Clinton, da promoção de tentativas de acordo entre os
dois povos, embora sem êxito), violando
a resolução das Nações Unidas de aprovação da solução de dois estados?
Porque, se há povo com inteira
legitimidade para reivindicar o direito a um estado, esse é o povo
palestiniano.
As consequências desta situação não
seriam difíceis de imaginar, como, aliás, não seria difícil de imaginar a
reacção de Israel ao ataque terrorista do Hamas, de 7 de Outubro
de 2023, mas não uma resposta totalmente desproporcionada e insensata.
O povo palestiniano, organizada
ou espontaneamente, tem, ao longo destas décadas, lutado e resistido como pode,
seja à pedrada, seja militarmente, seja até com actos terroristas. Tudo isso,
porém, tem esbarrado na insensibilidade e superioridade bélica israelita (que
inclui armamento nuclear não declarado).
Os fins não justificam os meios. Um
povo, como o judeu, que sofreu na carne as maiores ignomínias e um genocídio
organizadamente executado, a pretexto da sua pretensa inferioridade rácica e demonização
ideológicas, deveria lembrar-se que está a usar, se não os mesmos, métodos
equivalentes contra o povo palestiniano. A destruição e a mortandade de Gaza
(que o actual inquilino da Casa Branca declarou, com o habitual desaforo,
querer transformar na Riviera do Médio Oriente), e a condenação dos
palestinianos à diáspora, não têm perdão.
Como disse, na altura, o Secretário-Geral
das Nações Unidas, António Guterres, “os ataques do Hamas não surgiram
do nada”.