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01/08/25

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CARTESIANISMOS

António Mesquita

(René Descartes por Frans Hals)



"Com a excepção do abade Meslier e do seu Testamento póstumo publicado em 1729, é preciso esperar pelo século XIX para encontrar pensamentos ateus dignos desse nome – Feuerbach, Nietzsche e Marx, por exemplo. Quando Franz Hals pinta seu famoso retrato de Descartes em 1649, ele retrata muito mais do que um rosto: expõe numa pequena tela os grandes efeitos da nova metafísica. A Idade Média mostra o filósofo cercado pelos seus livros, conversando com seus discípulos ou a professar em púlpito, vestindo o hábito da sua ordem, como o dominicano Tomás de Aquino, ou ostentando a mitra do bispo como Santo Agostinho, escrevendo como Ambrósio, majestoso em seu vestuário pastoral, ou com a cabeça apoiada na palma da mão, meditando diante duma estante, como Boécio da Dácia. O filósofo é um leitor, de Aristóteles ou da Bíblia, de Platão ou das Escrituras, de Porfírio ou dos Evangelhos, mas é um leitor que se insere na tradição literária. Pensar é, então, o que Montaigne nomeia como um dedicar-se à glosa, ou seja: comentar os comentários. O pintor flamengo rompe com essas maneiras de fazer, assim como Descartes também cortou os laços com a escolástica. O que diz esta obra? O mestre de Haarlem pinta um filósofo quase inteiramente em preto e branco: negro uniforme o fundo da tela, negros os cabelos longos que caem sobre os seus ombros, negro o seu bigode e a pinta sob o lábio inferior, negras as sobrancelhas, negra a capa dissolvida no fundo negro também, negro o seu chapéu segurado na mão; branco o colarinho que se destaca nessa escuridão e leva o rosto do pensador como se fosse uma bandeja. Este rosto cor de carne, assim como a sua mão,  destaca-se na escuridão de todo o resto. Não há nada aqui além do filósofo, pois este homem, precisamente, e essa é toda a sua revolução, extrai toda a sua filosofia de si mesmo e de nada mais do que dele. Não há lugar para Deus nesse dispositivo pictórico. Descartes olha para o espectador; alguns acreditam notar um traço de ironia no desenho da boca: no entanto, não se encontra nada mais neste rosto do que o olhar firme e confiante de quem sabe ter virado a página de um mundo e aberto outro capítulo da história do pensamento, portanto, da história, portanto, da humanidade. Pois Descartes inventa o sujeito moderno que não deve mais nada a Deus, mas tudo a si mesmo: quando ele saiu em busca de sua primeira verdade, a pedra sobre a qual ele iria construir a sua igreja deísta, Descartes reivindicou o uso de uma dúvida metódica. Precaução útil, pois Giordano Bruno acabara na fogueira da Igreja Católica em Roma trinta e sete anos antes e, três anos antes, Galileu teve problemas com os seus Diálogos sobre os dois grandes sistemas do mundo. Tratava-se de não reivindicar uma dúvida sistemática que teria levado consigo a monarquia e o catolicismo, mas de poupar a política e a religião duvidando de tudo, excepto disso." (Michel Onfray, traduzido de "Décadence, Vie et mort du judéo-christianisme")

O retratado no quadro de Frans Hals (peço desculpa pela extensa citação, mas não pude resistir, tão feliz me parece) é bem o símbolo da primeira modernidade, a que deixou para trás os demónios e a cegueira da Idade Média e nos abriu um período de incomparáveis descobertas tecnológicas e científicas.

Mas os sucessos da "idade da razão" mudaram de escala neste nosso século XXI. Percebemos, com alguma surpresa, que o chamado progresso pode ser ilimitado, mesmo se não nos deixa incólumes, mesmo se continua para além de nós, o que quer que isso queira dizer.

Ao mesmo tempo, ao lado da aventura do que é sempre conhecimento, mesmo que cada vez mais especializado, mais "ventríloquo" e divergente duma 
qualquer sageza, outros demónios, em nada diferentes dos que aparecem à solta nos quadros de Hyeronimous Bosch, outra cegueira que nos antolha para os efeitos das várias corridas que competem no armamento, no desperdício e nos fanatismos religiosos ou sectários, num planeta que deixou de ser maternal para nos hostilizar abertamente. Como saída, alguns já gastam fortunas e meios essenciais  numa futura diáspora para...Marte.

Confiámos demasiado no "Cogito  ergo sum" daquela figura que nos olha da sua realeza e independência soberana no quadro de Hals? E a razão pode ainda salvar-nos, sem o auxilio duma força outra que só podemos encontrar naquilo que nos une enquanto "filhos da Terra" (porque já não é razoável dizer "filhos de Deus)?

Descartes elidiu com muito tacto, ou porque nunca deixou de crer, o problema do ser. Quem somos, e quais os títulos da nossa inteligência para ultrapassar os limites de tudo que tem uma existência física. É-se cartesiano quando acreditamos que podemos fundar o conhecimento numa separação entre o sujeito e tudo o que o rodeia. Quando podemos, pela simples vontade, iniciar uma ordem do mundo. Sem que a ideia de Deus tenha que fazer obstáculo.
Acreditamos que foi assim que Deus nos fez e que só assim podemos estabelecer um "diálogo".

Embora Einstein seja um dos grandes artífices da segunda modernidade  em que a razão encontrou os seus limites, sem deixar de ser essencial para compreender esses limites, ele é ainda cartesiano, no sentido de que deixa Deus de fora dos seus cálculos, sendo deísta declaradamente, à maneira spinozista. Simone Weil diz mesmo que Descartes, a exemplo de Poincaré, já no século XX, não parece exigir que as teorias científicas sejam verdadeiras, mas simplesmente cómodas. Porque, como diz, "pode encontrar-se a solução dum problema sem que isso seja ciência". E a relatividade consistiria em 'introduzir' na expressão da lei, as condições da própria constatação, a definir o ponto de vista, a totalidade das perspectivas, de maneira que a lei se complicasse quase ao infinito, até à não-lei e ao facto singular.

Cartesiano, sim, mas consciente de que todos os paradoxos dessa posição são a nossa medida e condição.

CINEMA

A UMA TERRA DESCONHECIDA






"Apoderou-se da Turquia e da Síria, declarando que as libertava do jugo persa. Conquistou a franja da Palestina e da Fenícia; todas as cidades se renderam sem oferecer resistência, salvo duas: Tiro e Gaza. Quando caíram, depois de sete meses de assédio, o libertador aplicou-lhes um castigo brutal. Os últimos sobreviventes foram crucificados ao largo da costa - uma fileira de dois mil corpos agonizando junto ao mar. Venderam como escravos as crianças e as mulheres."

(sobre Alexandre, Irene Vallejo, " O infinito num junco")




Um filme desesperado sobre um impasse que não pode ser visto, sem fechar os olhos, de um só ângulo.

Dois refugiados palestinianos em Atenas que sonham em gerir um café na Alemanha. Mas a capital em que se encontram não é a da Antiguidade clássica, nem a do turismo de massas ou de elite. O cenário são as vielas sujas e enlouquecidas pelos graffitis e os slogans . 

Vivem de expedientes de ocasião, como vender o corpo num parque, roubar a mala duma velha no jardim ou fugir com uma caixa dos sapatos que fingem experimentar. A descida até à última degradação, leva-os a enganar  e a torturar outros refugiados, parasitando uma rede de passadores clandestinos. 

O mais novo dos dois, na véspera do voo ambicionado, sucumbe a uma dose de droga.

O realizador, Mahdi Fleifel, de origem palestiniana, dedica o filme à sua mãe.

E o espectador - a palavra  parece até injuriosa para a "causa" - só pode esquecer a empatia que durou uma hora e quarenta e cinco minutos e voltar ao seu ramerrão.

A imagem do Cristo, enquanto simbologia do supliciado, acompanha-nos, alguns momentos, através da arte e do rito. 

Para que aceitemos, como condição humana, ou nos revoltemos?

NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva

Mister Risti
Igor Vlasof



Liinarramari, Península de Kola. O caminho para os sonhos parece-se demasiado com a vida, a qualquer instante muda o rumo da jornada e torna-se mais distante o destino. E neste deslizar da bússola, procuramos não ficar retidos na surpresa, mas antes avivar a arte de viver e de sonhar, perante as novas coordenadas. Foi assim que, pensando o oposto, não abandonei o Árctico, pese embora a mudança de lugar que me trouxe a esta aldeia perdida no globo, de escassos habitantes, mas de continuada posição estratégica. Já foi espaço fechado enquanto base de submarinos. Hoje só lhe restam patrulheiros e barcos de pesca. Ao que parece, sendo um porto que nunca gela, conheceu vários ocupantes e já mudou de país. Poucos quilómetros a norte, numa reentrância da costa que quase forma uma ilha, surge-nos uma outra aldeia dedicada à pesca tradicional e submarina. Com caminhos terrestres que nos deixam ainda longe da pequena enseada, procuro veredas e bocados de terra entre a pedra para evitar seguir pelo mar. Neste recanto, o sossego é ainda mais elevado e por ali vivo entre silêncios e os pequenos ruídos que chegam diluídos no respirar do mar. As horas passam, mas não sentimos que nos leve o corpo. Permitindo que o pensamento repouse em reflexões prolongadas, vejo que entre as imagens, o mundo aparece no estertor da decência e da humanidade. Ao recordar o que chamas de ética ou moral, verifico como o sentido de tais palavras aparece agora tão distante e incompreendido, tão esfarrapado, na mente e nas acções dos psicopatas que alcançam o poder para semear a barbárie e a sua insânia demencial. Como afirma Lídia Jorge numa recente entrevista, “Calcem as galochas. Vamos Atravessar a lama”. Estamos enlameados, não por um acto voluntário, mas por terem-nos empurrado para um pântano. Quis acreditar que me visitarias como em tantas ocasiões ocorreu, mas compreendi que neste lugar, só o silêncio me pode fazer companhia. Unamuno, descreveu numa das suas viagens, um momento de fraqueza da sua alma quando no mesmo instante em que sentiu a necessidade da presença de um amigo para compartilhar o sentimento emocional que de si se apoderou, logo rejeitou a ideia, dizendo, “Viajar em companhia de alguém não é viajar porque tira a viagem o seu mais íntimo encanto: a solidão. Não conhecer ninguém, não ser conhecido”. Mas que fazer quando num destes silêncios a nossa alma tem uma recaída?  Não o silêncio, mas os silêncios que me ensinaste a escutar quando um dia paramos no deslumbramento da meditação nas montanhas azuis. O silêncio da manhã é primaveril, transportando o sol nascente, o canto das aves, a alegria da vida; o da tarde aparece carregado de melancolia, de saudade, aproximando-nos do declínio do dia; o da noite é um silêncio sonhador, povoado de luzes estelares, das danças galaxiais e aqui, da fantasia das auroras boreais. Vivo entre estes silêncios e há dias, num desses momentos de devaneio, alguém se aproximou e perguntou o que fazia ou procurava no isolamento deste espaço. Respondi com a palavra que por aqui aprendi: любоваться, a ideia de olhar em admiração, expandir o pensamento ou o sonho para além do que é visível, perder-nos em lugares imaginados cobertos de mistério. Neste final de tarde, o postal que te envio, brinca entre os meus dedos sem conseguir decidir que palavras lhe hei-de desenhar, se um esboço do que vejo ou antes do que sinto e se desamarra numa tempestade de alienação por entre as areias que amamos e tantas vezes percorremos. Por muito que insista em concentrar as ideias presentes nos contornos destas enseadas e colinas rochosas, algo me arrasta para uma realidade que não consigo entender e que Lídia Jorge, sintetiza desta forma, “Às vezes custa-me adormecer. Quer dizer, como é que eu tenho água? Como é que eu tenho lume? Como é que eu tenho comida? Como é que eu desperdiço todos os dias um bocado de pão? E aquela gente está assim? Isto é um horror.” Tento sair deste desfiladeiro infernal que quase nos esmaga o cérebro, procurando no tempo passagens em que um naco de beleza nos fez respirar a alma, recordando quando nas areias de khorramshahr, nas margens do Chatt-el-Arab onde se perdem as águas do Tigre e do Eufrates, ainda deslumbrados pela visita à tumba de Ciro em Pasárgada, num momento de grande melancolia recitamos em simultâneo o poema em que aparece a frase tão cativante, “Se tu viesses ver-me hoje à tardinha, a essa hora dos mágicos cansaços”. Fecho a tarde e prossigo a minha viagem para Ítaca. O postal segue em breve.

 

 

POESIA

Helena Serôdio



 


A MÚSICA DA FALA


Palavras são música, no seu falar.
Fazem um anel de ouro, ao permutar
As ideias de mim em ti no seu acto
E de ti em mim em psico-contacto.

Palavra... é seiva que emana da gente
Projecção da alma, realizada na mente.
Em imagens-sons, acordes, harmonia,
Solfa, comunicação e sinfonia;
Sopro e lira do pensamento,
Tecla e nota ao mesmo tempo
Palavra que actualiza, narra e conta
A mais linda cantiga de amar
Na sua música do linguajar.


AQUI

Aqui
Onde tudo é mais íntimo,
O silêncio duma muralha invisível
Que nos separa do mundo
E nos envolve em redomas de vidro,
O tempo, inadiável,
Tem a imobilidade dum corpo suspenso na vertigem dum abismo.
Aqui,
Onde o pensamento está sempre só a meditar à sombra das frondes
E se eleva para descer às entranhas da terra,
O frémito da terra é um arfar de criança adormecida.
E os ciprestes esguios,
Erectos como dedos hirtos,
Lembram filas de monges em retiro.


RESENHA

Manuel Joaquim


(https://images.app.goo.gl/Eu4XbigPQf3ySprM8)


A Livraria Bertrand, segundo diz, a livraria mais antiga do mundo, publica periodicamente uma revista “SOMOS LIVROS”, com entrevistas e com o catálogo das obras que tem à venda de diversos editores. A revista de verão de 2025, nº 40, teve uma tiragem de 35.000 exemplares.

A capa e contracapa despertaram a minha atenção. A capa apresenta uma fotografia de muitos jovens a ouvirem a leitura de um texto, presumo eu, encimada por três cravos, e o tema principal é uma entrevista de Anabela Mota Ribeiro com Domingos Abrantes, histórico dirigente do Partido Comunista Português, com o título “QUEM ESTÁ HOJE NO PODER? OS DO VERÃO QUENTE DE 1975”. Outros temas na capa: “VERÃO QUENTE DE 1975 – UM SOBRESSALTO NA DEMOCRACIA” Texto de João Céu e Silva; “A URGENCIA DA DESCOLONIZAÇÃO E O VERÃO QUENTE AFRICANO”, Texto de Rui Bebiano. A contracapa é sobre o VERÃO QUENTE DE 1975, UM VERÃO QUE AINDA NOS ESCREVE à conquista de quem ousou sonhar.

Um outro artigo que também despertou a minha atenção é do historiador Manuel Loff sobre a “REFORMA AGRÁRIA – O CORAÇÃO QUENTE DO VERÃO QUENTE”.

Outros artigos da revista são de grande interesse, designadamente, sobre José Mário Branco que a Tinta-da-china acaba de editar, “José Mário Branco – Entrevistas para a imprensa 1970 – 2019”.

A revista é de distribuição gratuita, pelo que sugiro que a procurem na Bertrand porque vale a pena. Os artigos referidos não seriam publicados no Periscópio.

Outra sugestão que faço é procurarem ver a entrevista que o Presidente da República de Angola deu em Luanda, na passada terça-feira, 22 de Julho, à CNN Portugal a um jornalista português, a propósito dos festejos dos 50 anos de Independência de Angola, onde são abordadas questões muito sérias que nos dizem respeito e avaliarem a inteligência e finura de linguagem que é utilizada pelo Presidente João Lourenço.

Mais outra sugestão é verem a entrevista do actual Governador do Banco de Portugal, Centeno, dada na sexta-feira, dia 26, ao canal 1 da RTP. As tentativas de malandrice do entrevistador sobre o investimento nas novas instalações do BP e sobre a promoção de duas pessoas, o homem esclareceu sobre as questões encomendadas.

Ao novo homem nomeado para governador, o que promoveu o pastel de nata a herói, que riscou os feriados do calendário nacional e pretendia vender ouro do BP, Centeno desejou-lhe as maiores felicidades. Hoje, sábado, 26 de Julho, um jornal económico referiu que este novo homem foi escolhido depois de cinco recusas que o governo teve. Vamos ver onde se formou e se teve aproveitamento para ultrapassar a rede de recrutamento que Centeno disse que existe no BP para a admissão de funcionários.

Vão abrir concursos para a exploração de 3 casinos para os próximos anos. Uma tal empresa de Espinho, muito falada pelas suas ligações a casinos, vai ou não intervir directa ou indirectamente nesses concursos. São muitos milhões que estão em causa. O tempo o dirá.

No passado dia 11 de Julho foi votada na Assembleia da República uma proposta para reconhecer o Estado da Palestina. Para que conste, a proposta foi rejeitada com os votos contra do PSD, Chega, Iniciativa Liberal, CDS-PP e abstenção do PS.

Sabemos quem são os cúmplices de um crime continuado. É uma situação vergonhosa. Onde estão os valores morais desta gente? 77% dos países membros das Nações Unidas já reconheceram o Estado da Palestina. Macron, presidente da França, já anunciou que na próxima Assembleia Geral das Nações Unidas, a realizar em Setembro, a França vai reconhecer o Estado da Palestina.

Estas pessoas que parecem iguais a nós mas não são, estão a contribuir para a militarização da consciência pública, aceitando levianamente os aumentos de gastos para a guerra encobrindo e mentindo sobre os seus reais objectivos. Alguns estudos que vão aparecendo apontam para o corte das pensões em Portugal na ordem de 40% do último salário.

A Alemanha não pretende reconhecer o Estado da Palestina. O senhor Merz, que foi eleito em 6 de Maio passado pelo Parlamento Alemão, está a executar uma política que nega o que defendeu durante a campanha eleitoral. Pretende estabelecer o serviço militar obrigatório, recrutando 40.000 jovens por ano para “ tornar a ter o maior exército da Europa”.  Não devemos esquecer que a Alemanha desencadeou duas guerras mundiais e em ambas foi derrotada. O que pretende Merz? Contribuir para uma nova guerra mundial? Este senhor referindo-se à guerra no Médio Oriente há umas semanas atrás referiu-se que Israel está a fazer o “trabalho sujo da Europa”. Lá sabe o que lhe vai no pensamento e nas suas obras.

Estudos de opinião feitos em Julho na Alemanha revelam que 56% dos alemães estão insatisfeitos com o dito senhor. O Senhor da BlackRock, a maior gestora de activos do mundo, americana, provavelmente a maior proprietária de terrenos na Ucrânia, não chegará certamente ao final do seu mandato.

Na semana passada os dirigentes da União Europeia, Úrsula von der Leyen, Kaja Kallas e António Costa, foram à China. Curiosamente não se vê grandes notícias sobre essa deslocação e sobre os resultados obtidos. Será que para além do chá da praxe não houve discussão? Tanto quanto se sabe  entram em reuniões como leões e saem noutras figuras. Foram metidos num autocarro e saíram a toque de caixa.

As últimas negociações decorridas este fim-de-semana na Escócia, entre Úrsula von der Leyen e Trump, depois de partidas de golf deste em suas propriedades, são relatadas por alguns como muito positivas para a União Europeia, não especificando o que realmente foi acordado. Assim o diz o português que lá está.

Para já, o que se sabe, é que em 27 de Julho foi assinado um pacto comercial sobre tarifas de 0% sobre importações de produtos dos EUA pela UE, uma tarifa básica de 15% sobre todos os produtos exportados pela EU para os EUA; a EU concordou em comprar uma “enorme quantidade de equipamento militar” (Trump), sem valores definidos, concordou em comprar “US 750 biliões” de energia aos EUA, para além de outras cláusulas. Há quem diga que os europeus se renderam às condições impostas pelos EUA e que vai continuar a caminhar para a sua desindustrialização e ser inundada com produtos agrícolas americanos. Fez-me lembrar o que aconteceu com a economia portuguesa quando acabaram as barreiras que existiam no Brasil para condicionar a entrada de mercadorias inglesas.

Foi inaugurada no sábado, 26 de Julho, a Feira de Artesanato de Vila do Conde, que vai decorrer até ao próximo dia 10 de Agosto. Tema em destaque: Benefícios da arte para a Saúde Mental, apresentando a exposição “Anjos e Demónios combater o Estigma na Doença Mental” em parceria com o Hospital de Magalhães Lemos.

Um estudo realizado sobre o tema, referido na página da internet da Feira, considera que cerca de 20% da população mundial vive com problemas de doença mental e que Portugal é o segundo país da Europa com maior taxa de prevalência de doenças psiquiátricas (quase um em cada quatro portugueses sofre de uma perturbação mental).

Como se percebe, esta doença afecta dirigentes políticos nacionais e internacionais em número muito significativo. Funcionam como o peixinho que Centeno referiu na sua entrevista, perderam a memória dos acontecimentos históricos e suas consequências para os povos. São homúnculos da política.

O trabalho desenvolvido pelo Hospital de Magalhães Lemos teria um efeito muito positivo sobre esta gente.


SOBRE O DIREITO À EXISTÊNCIA

Mário Martins

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O argumento, mil vezes repetido, do direito à existência do estado de Israel, tem tanto de válido como de pecaminoso.

Com efeito, a reivindicação desse direito fundamenta-se, antes de tudo, na tragédia demencial do holocausto, na desconfiança perante vizinhos que não escondem, em grau diverso, a sua hostilidade, e na defesa do objectivo, conseguido há 77 anos, de reunir o povo judeu, até então em diáspora forçada ao longo dos séculos.

Mas, se é legítimo e compreensível o direito à existência do estado de Israel, o que dizer sobre o povo palestiniano que, desde 1948, vê concretamente negada a possibilidade de se constituir em estado na mesma terra da Palestina, quer pela assanhada oposição israelita, quer pelo interesse geoestratégico dos Estados Unidos, a quem Israel serve de lança na região (talvez com a única excepção, no tempo da presidência de Bill Clinton, da promoção de tentativas de acordo entre os dois povos, embora sem êxito),  violando a resolução das Nações Unidas de aprovação da solução de dois estados?

Porque, se há povo com inteira legitimidade para reivindicar o direito a um estado, esse é o povo palestiniano.

As consequências desta situação não seriam difíceis de imaginar, como, aliás, não seria difícil de imaginar a reacção de Israel ao ataque terrorista do Hamas, de 7 de Outubro de 2023, mas não uma resposta totalmente desproporcionada e insensata.

O povo palestiniano, organizada ou espontaneamente, tem, ao longo destas décadas, lutado e resistido como pode, seja à pedrada, seja militarmente, seja até com actos terroristas. Tudo isso, porém, tem esbarrado na insensibilidade e superioridade bélica israelita (que inclui armamento nuclear não declarado).

Os fins não justificam os meios. Um povo, como o judeu, que sofreu na carne as maiores ignomínias e um genocídio organizadamente executado, a pretexto da sua pretensa inferioridade rácica e demonização ideológicas, deveria lembrar-se que está a usar, se não os mesmos, métodos equivalentes contra o povo palestiniano. A destruição e a mortandade de Gaza (que o actual inquilino da Casa Branca declarou, com o habitual desaforo, querer transformar na Riviera do Médio Oriente), e a condenação dos palestinianos à diáspora, não têm perdão.

Como disse, na altura, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, “os ataques do Hamas não surgiram do nada”.

 

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