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01/12/22

LONGOPRAZISMO

Mário Martins

Revista do Expresso 2022-10-14


Anda por aí um espectro, não já o espectro marxista do comunismo que o crivo da realidade devolveu ao mundo fantasmático (mal-grado a permanência da ditadura chinesa ou do regime clânico norte-coreano), mas, nas palavras do articulista, na forma de uma filosofia discreta, a ganhar terreno nos centros de decisão do mundo.
Dá pelo nome inglês longtermism, que a Wikipédia traduz para longoprazismo, a qual “consiste na crença de que a Humanidade deve dar prioridade ao futuro de longo prazo”.

Um entusiasta do ideário longotermista, Benjamim Todd, explica a ambição do movimento: “Uma vez que o futuro é imenso, poderá haver muito mais pessoas no futuro do que na geração actual. Isto significa que se quisermos ajudar as pessoas em geral, a principal preocupação não deve ser ajudar a geração presente, mas assegurar que o futuro corre bem a longo prazo.”

Outro entusiasta, o filósofo sueco Nick Bostrom, assume que “Por mais trágicos que tenham sido estes eventos (a I Guerra Mundial, o Holocausto, ou epidemias como a Peste Negra ou a Sida) para os que foram afectados por eles, na perspectiva da Humanidade a pior destas catástrofes não é mais do que uma pequena ondulação na superfície do mar da existência.”

Outro destacado elemento do longtermism, Nick Beckstead, é ainda mais claro: “Parece-me agora mais plausível, que salvar uma vida num país rico é substancialmente mais importante do que salvar uma vida num país pobre.”

Os longtermistas defendem duas linhas de acção prioritárias. “Prevenir catástrofes que ameacem extinguir a Humanidade, como uma guerra nuclear, uma pandemia ou uma inteligência artificial rebelde e, por outro lado, acelerar mudanças tecnológicas que garantam a propagação da espécie, nomeadamente a expansão planetária e a criação de uma inteligência artificial que sirva a Humanidade.”

Segundo o articulista, onde tudo isto se complica é na ligação entre os princípios morais desta filosofia e o mundo dos negócios centrado em Silicon Valley. A rede académica que sustenta o longtermism está baseada em colégios e institutos de reflexão que são sustentados por donativos de milhões por parte de nomes famosos e empresas que lideram os seus mercados, como Elon Musk, o espalhafatoso fundador da Tesla e da SpaceX, ou Peter Thiel, que é um dos maiores investidores em tecnologia e foi um dos maiores apoiantes de Donald Trump.

Para Émile P. Torres, que estuda o movimento, os longtermistas são “uma comunidade autocontida e autossustentada que está na sua maioria isolada da academia. Eles confiam na enorme quantidade de dinheiro que a comunidade tem, são mais de 46 mil milhões em financiamento que é aproveitado para se acotovelarem nos gabinetes políticos e nas redes sociais dos multimilionários tecnológicos. Não publicam nas revistas científicas porque não precisam, o seu objectivo é influenciar políticas governamentais e o ideário dos mais ricos para influenciar o destino da Humanidade.”

Há um aspecto central neste ideário longoprazista, transversal, aliás, a todas as ideias salvíficas e politicamente totalitárias, que é o de nos termos da ideia, as pessoas concretas desaparecerem, deixando, assim, o lugar vago para conceitos como o de Humanidade ou de Futuro a Longo Prazo.

Mas o espectro anda por aí…

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