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01/08/22

LIÇÕES DE MESTRE (5)

Mário Martins

https://www.fnac.pt/Sete-Breves-Licoes-de-Fisica-Carlo-Rovelli/

Regressando à Física, essa onda sem a espuma dos dias…

GRÃOS DE ESPAÇO

Apesar da obscuridade, da falta de elegância e das questões ainda em aberto, as teorias físicas enunciadas nas lições anteriores descrevem melhor o mundo do que alguma vez no passado. Deveríamos (os físicos), portanto, estar bastante satisfeitos. Mas não estamos.

Existe uma situação paradoxal no âmago do nosso conhecimento do mundo físico. O século XX deixou-nos duas jóias: a relatividade geral e a mecânica quântica. A partir da primeira cresceram a cosmologia, a astrofísica, o estudo das ondas gravitacionais, dos buracos negros e muitas outras coisas. A segunda tornou-se a base da física atómica, da física nuclear, da física das partículas elementares, da física da matéria condensada e muitas outras coisas. Duas teorias pródigas e fundamentais para a tecnologia actual, que mudaram a nossa forma de viver. E, no entanto, as teorias não podem estar ambas certas, pelo menos na sua formulação actual, visto que se contradizem uma à outra.

Um aluno universitário que assista de manhã às aulas de relatividade geral e às de mecânica quântica à tarde não poderá senão concluir que os professores são tontos ou que se esqueceram de falar um com o outro durante um século: estão a ensinar-lhe duas imagens do mundo em absoluta contradição. De manhã, o mundo é um espaço curvo onde tudo é contínuo; à tarde, o mundo é um espaço plano onde saltam quanta de energia. O paradoxo é que ambas as teorias funcionam terrivelmente bem.

A principal linha de pesquisa centrada na tentativa de resolver o problema (em busca do graal de uma “teoria de tudo”) é a gravidade quântica “em loop”. A ideia é simples. A relatividade geral ensinou-nos que o espaço não é uma caixa inerte, mas algo dinâmico: uma espécie de imenso molusco móvel no qual estamos imersos, que pode comprimir-se e torcer-se. A mecânica quântica, por outro lado, ensina-nos que qualquer campo desse género é “feito de quanta”: possui uma fina estrutura granular. Segue-se de imediato que o espaço físico é, também ele, “feito de quanta”.

A previsão central da teoria dos loops é, portanto, que o espaço não seja contínuo, mas seja formado por grãos, ou seja, por “átomos de espaço”. Esses átomos são minusculíssimos: um trilião de vezes mais pequenos do que o mais pequeno dos núcleos atómicos. Chamam-se “loops”, ou seja, laços, porque nenhum deles está isolado, mas “enlaçado” com outros semelhantes, formando uma rede de relações que tece a trama do espaço.

Onde estão esses quanta do espaço? Em lado nenhum. Não estão num espaço, pois eles próprios são o espaço. O espaço é criado pelo interagir de quanta individuais de gravidade. De novo, o mundo parece ser relação, mais do que objectos.

Mas a segunda consequência da teoria é a mais extrema. Desaparecendo a ideia do espaço contínuo que contém as coisas, desaparece assim também a ideia de um “tempo” elementar e primitivo que passa independentemente das coisas. Tal não significa que tudo seja imóvel e não exista mudança. Pelo contrário, significa que a mudança é ubíqua, mas os processos elementares não podem ser arrumados numa vulgar sucessão de instantes.

No mundo descrito pela teoria existem apenas processos elementares em que quanta de espaço e matéria interagem entre si sem parar. A ilusão do espaço e do tempo contínuos à nossa volta é uma visão desfocada desse denso pulular de processos elementares. Da mesma forma que um sossegado e transparente lago é, na realidade, constituído por uma dança veloz de miríades de minúsculas moléculas de água.

Uma outra consequência da teoria, e uma das mais espectaculares, diz respeito ao início do universo. Sabemos reconstruir a história do nosso mundo até um período inicial em que ele era pequeníssimo, mas as equações dos loops permitem-nos reconstruir a história do universo ainda mais para trás.

Aquilo que encontramos é que, quando o universo está extremamente comprimido, a teoria quântica gera uma força repulsiva, cujo resultado é o facto de o Big Bang, a “grande explosão”, poder ter sido, na realidade, um Big Bounce, um “grande ressalto”: o nosso mundo poderá ter nascido de um universo anterior que se estava a contrair sob o seu próprio peso, até se esmagar num espaço pequeníssimo, para depois “ressaltar” e recomeçar a expandir-se. Esse momento do ressalto é o verdadeiro reino da gravidade quântica.

A má notícia é que, contrariamente, às teorias da relatividade geral e da mecânica quântica, a teoria da gravidade quântica em “loop” não foi ainda confirmada experimentalmente.

Sumário da lição: as teorias da relatividade geral e da mecânica quântica funcionam experimentalmente bem mas contradizem-se conceptualmente. A teoria da gravidade quântica em loop é uma tentativa de unificar a visão física do universo (visando ser, em concorrência com outras, uma “teoria de tudo”), mas que não saltou ainda dos mundos visionário dos cientistas e abstracto da matemática, para o mundo da experiência.


NB: Tal como nas 1ª., 2ª. e 4ª. lições, este é um resumo livre da 5ª. lição de Carlo Rovelli, querendo com isto dizer que para lá das muitas transcrições praticamente literais da obra, mistura algumas “liberdades” de um curioso da ciência, esperando, com isso, não ter atraiçoado o sentido desta lição e das que se seguirão. Dada essa mistura, não foram colocadas entre aspas as transcrições da obra.



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