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01/02/22

O HUMANISMO DE RAPOSO

Mário Martins

 

 
https://www.google.com/search?source=univ&tbm=isch&q=o+homem+do+campo+e+da+cidade

“A Humanidade é superior à natureza”

Henrique Raposo

Jornal Expresso, 20Nov2021

 

Num artigo intitulado “civilização e natureza”, Raposo, assumindo-se como um humanista, adepto de uma doutrina centrada no homem, ironiza a redescoberta idílica do campo pelos citadinos, que fingem ignorar a “ferocidade do estado da natureza ou a brutalidade da vida na aldeia”, não percebendo como “estão próximos da estética fascista, que vivia do endeusamento da aldeia e da diabolização da cidade.”

No quadro, denuncia Raposo, do “ambientalismo da moda, a cidade tem de retroceder para dar espaço à natureza (…), (defendendo-se) que a salvação da natureza depende do retrocesso da civilização.” 

Contra este “espírito anti-humanista” ou esta “cultura naturalista”, Raposo opõe duas ideias. Uma optimista: “o planeta tem um caminho de salvação através da civilização” e outra, no dizer do próprio, absurdamente polémica: “A Humanidade é superior à natureza, o ser humano é mais interessante do que a mãe-natureza, os feitos tecnológicos e artísticos do homem são mais belos do que a paisagem natural mais esplendorosa.

No seu afã de se demarcar do que hoje, depreciativamente, apelidamos de ”politicamente correcto” (cujo significado será a conduta que todos assumem como correcta mas que não corresponde ao que, de facto, a maioria das pessoas pensa ou faz), aqui representado pelo que designa como moda da cultura naturalista, Raposo confunde os conceitos de natureza e de Mãe-Natureza, reduzindo esta àquela, como se, no melhor dos casos, nada mais fosse do que um pitoresco campo de flores selvagens, seguindo-se, daqui, que o Homem está fora e num plano superior a ela. 

Mas se a Natureza é, realmente, única e absoluta, é compreensível que a emergência humana tenha justificado a criação do conceito de natureza em sentido restrito, para se distinguir o que o Homem faz do dado natural. Isso não autoriza, porém, que, absurdamente, se pense o humano fora, e muito menos superior a ela. 

O humanismo de Raposo é, evidentemente, bondoso e idealista, que ignora, numa linha doutrinária de redenção do mal pelo bem, todas as malfeitorias praticadas pelo Homem, apesar de não ter culpa delas, precisamente porque, sob a capa de um aparente livre-arbítrio, segue os ditames de uma Mãe-Natureza amoral, que o gerou e dela não pode escapar. 

Sem o optimismo de Raposo, acompanho-o, no entanto, na consideração de que o caminho de salvação das condições ambientais cada vez mais adversas do planeta (se tal estiver ao alcance da Humanidade), será através da civilização e não de um romântico regresso às origens. Ou não será…

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