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01/09/19

O ADMINISTRATIVO INVISÍVEL

António Mesquita
Vista do Afsluitdijk na direção da província da Frísia 



Uma recente experiência com a venda dum pequeno terreno, em Trás-os-Montes, fez-me perceber melhor a importância dum trabalho de colmeia invisível, tão indiferenciado e sujeito a tanta pressão do público que, mais cedo ou mais tarde, de Simplex em Simplex, cairá na sua maior parte no domínio do Automatismo Numérico dum outro HAL 9000.

Nessa ocasião, percebi também a encrenca que é atribuir responsabilidades na prevenção dos fogos florestais, quando as terras não têm dono ou não estão registadas. Como é que o Estado e os municípios podem exigir o cumprimento das leis e dos regulamentos se as terras, numa família, não têm dono ou estão ainda no nome dum antepassado que chegou a conhecer os tempos da Monarquia?

Outro problema bem conhecido é o da dispersão da propriedade. Quando existem os registos, as "parcelas" não são contíguas e os herdeiros ficam sem passagem entre os seus retalhos. 

Na falta de "dono legal", existem soluções pontuais como a do 'usucapião' que são morosas e caras. As revoluções sociais trazem às vezes a única correcção possível. De qualquer modo, a actualização dos cadastros imposta de cima é sempre preferível ao abandono e à desordem. Foi nesse sentido que o parlamento votou recentemente uma proposta do governo de um "sistema de informação cadastral simplificada" (que teve parecer negativo da Associação Nacional de Municípios Portugueses), diploma que o Presidente da República promulgou “esperando que passe da letra de lei para a realidade a ritmo mais sustentado que no passado”. 

Algumas injustiças poderão ocorrer neste processo, e terá sido essa a preocupação da ANMP, mas sem comparação com as vantagens esperadas, por exemplo, na prevenção dos incêndios florestais. 

Numa conferência realizada na Faculdade de Direito – Escola de Lisboa, da Universidade Católica, sob o tema “As Funções Soberanas do Estado”: “Por que razão o valor acrescentado pelo Registo não se evidencia de forma notória, pelo menos para o cidadão médio?", a prof. dra. Mónica Jardim argumenta: 

"Pois bem, a resposta é simples: a razão da falta de evidência da mais-valia do Registo resulta do facto do papel do registo ser antilitigioso e profilático no tráfico jurídico, ou, por outra via, de a segurança jurídica gerada pelo registo ser preventiva e, por isso, apesar de imprescindível, ser algo diáfana. Explicitemos o afirmado: 

"A cidade de Amesterdão está toda ela assente em grandes vigas de madeira enterradas a grande profundidade no terreno pantanoso que caracteriza a região. Sem estas vigas invisíveis a cidade afundar-se-ia na lama. E, no entanto, a generalidade das pessoas que por ela passeia ou que nela vive não têm real consciência da importância vital de tais vigas. O mesmo acontece com o bem da segurança jurídica preventiva! Enquanto existe não se dá conta dela! Mas se faltasse todos notariam, pois a sociedade afundar-se-ia na lama da insegurança e o progresso económico desapareceria como por magia.”(*) 

Assim, a administração que é quase sempre vista pelo seu lado negativo, de entrave à acção expedita e sem formalidades, pode equiparar-se, na sua utilidade, às grandes vigas de madeira do país dos diques. 


(*) citado em "Os 'Registos' e o seu valor social e económico" 
de Arménio Maximino, no "Público". 



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