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01/03/19

CORREIO DE DROGA

António Mesquita



Um horticultor, veterano da guerra da Coreia, esquece a família para tratar dos seus lírios de um dia. Falta ao casamento da filha e apenas se dá bem com a neta. Um dia o seu negócio vai à ruína por causa da venda de flores pela internet (por essas e por outras é que ele abomina a tecnologia). Porque é um condutor seguro, e pela sua idade provecta, que o torna insuspeito, oferecem-lhe uma boa maquia para conduzir (com uma carga de droga no porta-bagagens, da qual ele, implausivelmente, não quer tomar conhecimento). A coisa corre tão bem que Earl começa a poder ajudar a família, a pagar as bebidas nas festanças e até a salvar da falência a Associação dos Veteranos.

A polícia, pelo seu lado, está numa corrida contra o tempo para apanhar o correio da droga e os chefes querem resultados retumbantes. Mas o velho Earl é a última pessoa de quem desconfiariam.

A certa altura, Earl tem de escolher entre entregar a sua carga dentro dos prazos ou confortar a mulher que deu entrada no hospital para morrer. Apesar das ameaças de morte da parte dos traficantes, ele encosta a carrinha e redime-se aos olhos de toda a família acompanhando os últimos momentos da moribunda que tudo lhe perdoa.

Earl é depois confrontado com os 'dealers' e compromete-se a levar até ao fim a sua incumbência. Mas já é tarde de mais. A polícia intercepta a sua carrinha e o agente que o prende é o mesmo com quem teve uma conversa serena numa das suas paragens, e em que,  sem que o outro desconfiasse de que estava alí o homem que procurava, se considerou um falhado por ter feito as escolhas de vida erradas, preferindo o trabalho aos afectos.

No tribunal, antecipa-se ao seu advogado e declara-se culpado. Todos percebemos que a culpa que assume é sobretudo a de ter preterido as pessoas a favor do trabalho. 

As últimas imagens mostram-no de regresso aos seus 'hemercale', mas desta vez em paz consigo próprio.

A história está bem contada e soberbamente interpretada, mas não podemos deixar de nos sentir desconfortáveis com o pouco que pesa nas decisões de Earl o facto de estar ao serviço de uma rede criminosa. Como se poder ajudar a família e fazer um brilharete com os amigos fosse o passa-culpas perfeito. Ficamos com a sensação de que se não fosse a polícia, nenhum prurido de consciência afectaria o nosso homem. De resto, a admissão de culpa, no tribunal, é outra coisa que a confissão de que o seu desejo profundo é ser deixado em paz - pelos agentes, traficantes e, 'last, but not the least', pela própria família? A idade não perdoa...

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