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01/06/16

O QUE SE ESTÁ A PASSAR?

Manuel Joaquim

(Fernando Pessoa)


Os comentadores de serviço da dita comunicação social, os do costume, que tanto falam de política, como de economia e de futebol, ciclicamente, dizem sempre a mesma coisa, sobre o crescimento da economia, sobre o deficit, sobre as exportações, sobre o consumo interno, sobre os investimentos e sobre o que lhes vem à cabeça. Bombardeiam as pessoas com as décimas do “crescimento para cima” ou com as décimas do “crescimento para baixo”, comparando números de trimestres, utilizando uma linguagem carregada de comentários ideológicos para servirem os seus interesses e, principalmente,  de quem lhes paga.  

Sobre os gravíssimos prejuízos que a economia nacional e a economia europeia estão a ter em consequência da retaliação da Rússia às políticas europeias para com aquele país, apesar das movimentações de altos dirigentes da EU e de vários países para tentarem acabar com a política de sanções, esses comentadores não dizem nada.  Entretanto a Rússia vai prolongar a retaliação por mais dois anos. 

Há uns tempos atrás, os mesmos comentadores, juntamente com os banqueiros, diziam que   a banca nacional estava toda sólida, não precisava de ser capitalizada,  fazia inveja à banca estrangeira, quase toda ela dirigida por irresponsáveis. 

O governo anterior, do PSD/CDS, teve os valores disponibilizados pela troika para capitalizar os bancos, mas só alguns  é que se socorreram de parte desses valores, apesar de dizerem que estavam bem.

Entretanto, alguns bancos ficaram  pelo caminho, até que aquele que respirava saúde por todos os lados faliu. Muitas pessoas, muitas famílias, muitas empresas, muitas instituições perderam os seus mealheiros, os seus bens, os seus capitais, os seus investimentos, e milhares de trabalhadores perderam os seus postos de trabalho.  O último, o Banif,  seguiu o mesmo caminho, apesar do Estado deter mais de 60% do seu capital social. Agora é a CGD que precisa urgentemente de muito dinheiro, quando já se sabia há muito tempo das suas necessidades.

Os tempos que estamos a viver são muito estranhos.

Onde se viu banqueiros, com importantes e graves responsabilidades na gestão directa da banca e de intervenção em todos os sectores da economia nacional, designadamente nos processos de privatização de sectores básicos e fundamentais para o crescimento do país, juntamente com outros, muitos ligados ao que chamaram Compromisso Portugal, que fugiam, todos eles,  a sete pés, quando ouviam falar em nacionalizações, defenderem a nacionalização de bancos?

O governo de Sócrates/Teixeira dos Santos, foi acusado, e bem, de condicionar a sua política a ciclos eleitorais. O anterior governo do PSD/CDS fez exactamente a mesma coisa para conseguir ganhar as eleições. Os problemas fundamentais  do  país  nunca  foram   tratados com responsabilidade e com inteligência.

Internacionalmente nota-se uma azáfama de dirigentes da EU, dos EUA, do Japão, do FMI,  com declarações de muita preocupação sobre a situação económica mundial e particularmente dos sectores financeiros dos respectivos países. 

O que se estará a passar que ninguém fala claramente? Como são governadas as nossas empresas, as nossas instituições associativas, culturais e desportivas? Quem as fiscaliza?

 Em 1925 deu-se o caso do Banco Angola e Metrópole com o famoso  Alves dos Reis. A Revista de Comércio e Contabilidade, de Junho de 1926, publicou um artigo de autoria de Fernando Pessoa, com  o título “A inutilidade dos Conselhos Fiscais e dos Comissários do Governo nos Bancos e nas Sociedades Anónimas”, que, pela sua actualidade, permito-me  transcrever.

“Escândalos ainda recentes, que se tornaram conhecidos do público através dos relatórios publicados no Diário do Governo, vieram pôr mais uma vez em evidência a inutilidade prática dos Conselhos Fiscais e dos Comissários do Governo – inutilidade reconhecida no estrangeiro pela substituição a essas entidades, realmente fictícias, de outras mais susceptíveis de se desempenhar do mister que a nossa legislação impõe àquelas. Os Conselhos Fiscais e os Comissários do Governo – aqueles mais do que estes – são pontos de apoio da confiança do accionista, que julga que neles encontra o controle da aplicação e a salvaguarda dos capitais que confiou ao Banco ou à Sociedade Anónima adentro, ou junto, da qual eles funcionam.

Reconhecendo as Sociedades Anónimas que a melhor forma de chamar o capital é a distribuição ruidosa de grandes dividendos, procuram frequentemente, por meio de lançamentos artificiais, encobrir um estado verdadeiro de pouco desafogo; publicam, para dar uma aparência de prosperidade, relatórios de prosa literária no fim dos quais os accionistas são definitivamente ludibriados pela confiança que lhe traz o inevitável «parecer» do Conselho Fiscal, com o costumado voto de louvor à Direcção, e a indicação aos accionistas que aprovem o Relatório de contas e a distribuição de dividendos que ele consigna.

Os accionistas aprovam tudo – umas vezes porque o dividendo é magnífico, outras porque simplesmente confiam na indicação que lhes é dada. E a Direcção e o Conselho Fiscal recebem os respectivos louvores. São homens hábeis, uns; são homens sérios, outros. Tudo está, pois, necessariamente certo.

Acontece, porém, que muitas vezes está errado. E é isso que os relatórios recentemente publicados põem em evidência.

Quando se cai na suspensão de pagamentos, os accionistas acordam. Mas, como esperavam que o Conselho Fiscal os acordasse, e o Conselho Fiscal dorme por natureza, acordam sempre tarde e perdem…não o comboio, mas o dinheiro. Há Sociedades Anónimas em que não acontece isto. Mas há porventura alguma Sociedade Anónima em que, tanto quanto o sabe o accionista, não possa acontecer isto? Que elementos tem o accionista para poder saber ao certo que isso lhe não pode acontecer? A prosperidade do Banco ou da Companhia? Mas a prosperidade é a que lhe é dada pelos dividendos, e que sabe ele se esses dividendos não são o seu próprio capital e o dos credores da Sociedade Anónima, em vez do lucro autêntico da prosperidade verdadeira de uma sociedade progressiva? Sabe o accionista ao certo se não é assim? Não sabe, porque aqueles elementos em quem delega a fiscalização, 1º não fiscalizam, 2º mesmo que fiscalizem, não sabem fiscalizar. Quantos são os membros dos Conselhos Fiscais que examinam a valer as contas da Sociedade Anónima? Quantos são os membros dos Conselhos Fiscais que têm as habilitações precisas, de contabilistas, para esse exame? Salvo casos excepcionais, os membros dos Conselhos Fiscais são escolhidos por serem homens sérios e de boa posição social. Não consta, porém, que a seriedade seja a contabilidade, nem que a boa posição social seja um curso intuitivo de guarda-livros.

Escolhem-se homens sérios para os Conselhos Fiscais. Mas os homens sérios podem ser estúpidos – há muitos-; os homens sérios podem ser confiados – há muitíssimos-; os homens sérios podem ser desleixados – há imensos -; e o accionista perde o seu dinheiro, sem que os homens muito sérios deixem de ser muito sérios, o que é uma consolação insuficiente para quem perdeu o dinheiro que fiou da fiscalização incompetente, se não inexistente, dos homens de muita seriedade.

Tudo isto, no fundo, é uma comédia sem graça. A Direcção de uma Sociedade Anónima é, por natureza, um conselho técnico de gerência; o Conselho Fiscal de uma Sociedade Anónima é, por natureza, um conselho técnico de fiscalização. A Direcção produz resultados; o Conselho Fiscal verifica esses resultados. E como os resultados se traduzem por números, isto é, por contas, parece que o Conselho Fiscal deve ser constituído por gente especializada no exame e conferência de contas. E parece também que o Conselho Fiscal deve ser constituído por gente suficientemente independente da Gerência para poder fiscalizar essas contas com independência. O que se faz entre nós? Elege-se um Conselho Fiscal de pessoas de probidade e incompetência e,  é claro, de pessoas em magnificas relações de amizade com a Gerência, e portanto com toda a confiança nela. Em resumo: o melhor fiscal dos actos de alguém é um amigo incompetente. É ou não uma comédia?

Dos Comissários do Governo nem é bom falar. ….”

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