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01/05/16

MEMÓRIAS DO TRABALHO

Manuel Joaquim

Rua do Corpo da Guarda

Este mês de Abril, o Sinapsa – Sindicato Nacional dos Profissionais de Seguros e Afins,  homenageou os sócios com mais de 50 anos com um almoço e com a atribuição de relógios,   que juntou colegas que trabalharam ao longo desse tempo em diversas seguradoras e nos mais diversos locais do norte do país. Nesse tempo a área do Sindicato era o norte.

Alguns colegas presentes, mais novos do que eu, fizeram-me lembrar os tempos de há cinquenta anos, em que era possível encontrar nas seguradoras, jovens, alguns quase  crianças,  com doze, treze anos, a trabalhar nas mais diversas tarefas. Recados, estafetas entre secções, organizar correspondência para o correio, ordenar e arquivar documentos eram trabalhos que não lhes eram estranhos. Eram os paquetes.  

Os mais velhos pregavam-lhes partidas, mandando-os afiar alfinetes, lavar papel químico ou fitas de máquinas de escrever ou ir à confeitaria buscar a lista dos pasteis. Estas partidas  estendiam-se, algumas vezes,  a praticantes, mais velhos, mas ainda ingénuos. 

Fez-me também recordar tempos da minha infância, quando tinha sete, oito anos e conheci um rapaz,  um pouco mais velho do que eu, que,  no inverno, à noite, à hora do jantar, batia à minha porta para vender castanhas quentes cozidas a vapor. Estavam num saco grande de sarapilheira que era colocado  dentro de um cesto de vime que transportava às costas,  segurando-o com a testa  por uma correia.  Esse rapaz era de Moimenta da Beira, trabalhava para um patrão que o recrutou na aldeia e tinha que ajudar os pais. Esse trabalho durou três invernos. 

Recordo-me de crianças com dez, doze anos, que vinham a pé,  de Perosinho, dos Carvalhos, de Avintes e de outros lados,  trabalhar para a cidade do Porto, para as obras, recrutados como moços de trolha. Durante o dia, trabalhavam a acarretar baldes de areia e de cimento e  gamelas de massa para junto dos operários, muitas vezes vítimas de maus tratos destes. A alimentação vinha de casa numa marmita, às vezes, praticamente sem nada lá dentro.

Há sessenta anos, houve uma grave crise de trabalho. A construção civil trabalhava dois e três dias por semana. Os mestres-de-obras,  quando precisavam de recrutar pessoal, incluindo moços de trolha, deslocavam-se à  Rua do Corpo da Guarda, junto à Praça Almeida Garrett, que era o local da cidade onde se concentrava o pessoal desempregado. 

Os grandes cafés da baixa da cidade, tinham adolescentes, fardados, a vender, num tabuleiro,  tabaco, rebuçados e chocolates. Os elevadores de alguns  prédios, ainda de alavanca,  nomeadamente o do Café Imperial, hoje MD,  eram conduzidos por adolescentes devidamente fardados. Eram os ascensoristas. 

Quase todas as mercearias tinham adolescentes a trabalhar. Eram os marçanos. Carregavam as mercadorias, entregavam as compras em casa dos fregueses, faziam as limpezas, que, ao sábado, duravam até às 22 e 23 horas e às vezes até mais tarde. Quando não dormiam em casa do merceeiro, dormiam no estabelecimento em cima dos sacos das batatas e do bacalhau.  

Era vulgar encontrar  raparigas muito jovens, fardadas de blusa e avental, a fazerem recados,  a lavarem as portas e as janelas  dos prédios de famílias. As casas das famílias ricas tinham raparigas para os quartos, para as salas e para as cozinhas.  Quase sempre vinham das aldeias. Eram as criadas de servir.

Recordo-me bem dos colegas que acabaram a quarta classe comigo e foram logo a seguir trabalhar. Oficinas de automóveis, tipografias, serralharias, estabelecimentos de fazendas e de modas eram os locais mais apetecidos para trabalhar. A maior parte eram filhos de pobres e de operários.

Muita desta gente conseguiu, com grande esforço, superar as dificuldades que tiveram. Atingiram posições de destaque nas empresas onde começaram a trabalhar, adquiriram formação, desenvolveram capacidades de iniciativa e tornaram-se empresários, dirigentes de instituições, etc.

Seria bom que a nossa actual juventude conhecesse melhor o que foi a vida em Portugal durante o século vinte.



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