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01/03/16

CARTAS DE AMOR






Terras de Malabar, 08/02/1516

Minha sempre amada, Flor de Canela,

Há vários dias que caminhamos no interior de uma floresta densa. Sentimo-nos cercados pela paisagem, pelo calor, pelas mil dificuldades que aparecem semeadas em nosso redor. A carga que transportamos, estas especiarias que ansiamos embarcar, valem este esforço e o denodo da jornada, mas aqui e ali vacilo perante a adversidade e só o receio de poder não voltar a ver-te me impelem a prosseguir até à costa. Há momentos em que a sede parece derrotar-nos e a procura de água torna-se num objectivo imediato e quando assim não é, recorro às palavras da tua carta que há pouco chegou até mim. Nos momentos de maior desânimo, sorvo-as na sofreguidão desta secura que é a tua ausência, bebo-as como a água mais transparente que nestes ribeiros pudesse nascer.

Alimento-me recordando o nosso encontro no litoral, antes de partir para tão extensa travessia por estes mares ainda tão pouco conhecidos. Caminhamos juntos ao longo da praia, lembras-te? Um ao lado do outro, porque entre nós, ninguém se afasta, quer para a frente quer para trás, vamos a par, seja qual for o nosso destino e só assim nos sentimos perfeitos. A minha mão dançou solta até se segurar no teu ombro, amparando-te, ancorando-te à felicidade que me trazias. Foi então que também a tua mão viajou, com a majestade do condor sobre as altitudes andinas, e pousou, não como ave caçadora, mas com a ternura de um beijo sem tempo, amarou lentamente, sobre a minha face. Deslizou como uma carícia com sabor a brisa leve e ali ficou até muito depois de já não estares. Vive agora comigo, na pele suavizada pela ternura que deixaste.

Quando a noite se aproxima e uma luz atenuada pela copa das árvores nos cobre quase como fantasmas, recordo-te pelo teu silêncio. Não falas, as tuas palavras escondem-se no pensamento. Talvez as receies, talvez não queiras quebrar a melodia que a tua presença faz tocar junto de mim. Falo eu para ti e falo ainda por ti, traduzo o que os teus olhos dizem sussurrando. Sim, porque comigo falas apenas com o olhar, com essa cor de canela que vejo voltar-se para as minhas frases e encontro nele, adjectivos, substantivos, advérbios e uma vez vi na parte invisível do teu olhar, a conjugação no pretérito imperfeito do verbo poder. Desorientado nestas florestas impenetráveis, resta-me o silêncio das tuas palavras e o azimute que guardo do teu olhar. O silêncio alimenta-me a alma, a magia dos teus olhos guia-me na escuridão do mundo.
Nunca desistas de me esperar.

Porque vivo
quando te vejo
Por favor
não me deixes morrer”[1]
Recebe este beijo que te envio nas asas da estrela da manhã. É para ti, apenas para ti, do sempre teu

Pero Anes  



[1] Ernesto Castillo

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