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01/11/11

MUROS RELIGIOSOS (5) A Igreja Protestante *

 Mário Martins

A Bíblia (Wikipédia)
 

“Não tenho fé no papa nem nos concílios isoladamente. (…) Estou ligado pelos textos escriturísticos que citei e a minha consciência está cativa das palavras de Deus. Não posso nem quero retractar-me em nada, porque não é seguro nem honesto agir contra a própria consciência. (…) Não posso fazer outra coisa, que Deus me ajude.”
Martinho Lutero **



Em Junho de 1520, a bula papal Exsurge Domine intima um frade agostinho, professor de Sagradas Escrituras em Wittenberg, Martinho Lutero, a    retractar-se. Três anos antes Lutero redigira noventa e cinco teses que criticavam a “virtude das indulgências” vendidas para favorecer a reconstrução de São Pedro de Roma (e que supostamente permitiam o perdão de pena de certos pecados). **

A Reforma proclamou três grandes palavras de ordem: apenas Deus, apenas a Escritura, apenas a graça. A sua radicalidade identifica-se pela vontade de suprimir os acrescentamentos que, segundo os seus adeptos, terão, ao longo dos séculos, desfigurado o cristianismo primitivo. **

Apenas Deus. Esta primeira afirmação é o fundamento das outras duas: Deus dá-se a conhecer a cada um de nós apenas através da Escritura e não delega a sua graça em nenhuma instituição. Para a imensa maioria dos protestantes, trata-se do Deus trinitário (Pai, Filho, Espírito Santo). **

Despojada de qualquer aspecto mediador, a Igreja deixa de ter a autoridade sacral, a infalibilidade necessária para poder ser só uma. (…) Do mesmo modo, nenhuma criatura pode ser objecto de orações ou de adoração: nem Maria (que teve outros filhos depois de Jesus) nem os santos. **

A ausência de mediador possível entre Deus e o ser humano dessacraliza o ministério eclesiástico (…) O pastor possui uma especialização (anunciar a Palavra, administrar os sacramentos) que não constitui um monopólio e que um leigo, formado para tal, pode igualmente exercer (…) Em geral, é nomeado pela igreja local e não por uma hierarquia. As mulheres, na maioria das Igrejas de hoje, podem ser pastores. Em todos os casos, o pastoreio pode ser exercido por pessoas casadas. **

O papel do pastor no culto não é o mesmo que o do sacerdote na missa. Com efeito, não existe sacrifício da missa nem qualquer qualidade específica do oficiante que o torne participante no acto divino de uma forma diferente dos outros fiéis. Acentua-se o apagamento de todo o actor humano diante do “Deus apenas” (…) Escrevia Lutero: “Que todo o homem que se reconhece cristão esteja certo e saiba que somos igualmente sacerdotes, isto é, que temos o mesmo poder relativamente à palavra e a qualquer sacramento.” **

Apenas a Escritura. “A autoridade soberana da Escritura em matéria de fé” é, segundo a teologia protestante, o “princípio formal” da Reforma. A Igreja relativizada pelo “apenas Deus” aí recebe a sua legitimidade: a sua missão consiste em pregar a Palavra e em administrar os sacramentos, sinais da graça. (…) **

A importância atribuída à Bíblia está também ligada ao privilégio concedido à audição, que suplanta a imagem, às vezes suspeita de poder transformar-se num objecto de veneração que, na prática, pode resvalar para a adoração (…) A mesa da comunhão (que substitui o altar) inclui uma grande Bíblia (…) É a palavra bíblica que confere sentido aos sacramentos. Não se verifica uma grande separação entre a nave e o coro: a assembleia reúne-se colectivamente no coro para tomar a ceia. **

Quanto mais sóbrio é o universo protestante mais intenso é o apego à Bíblia (…) Contudo, o protestantismo, no seu conjunto, quer dirigir-se também ao coração dos fiéis. A Reforma fez do canto religioso um dos seus meios de expressão privilegiados, instrumento de uma participação mais activa dos fiéis no desenrolar do culto (…) Deste modo, um certo fundamentalismo bíblico é acompanhado de um calor comunicativo e de uma piedade emocionalmente carregada. **

Apenas a graça. Ao princípio formal da autoridade soberana da Escritura corresponde um princípio material, o da justificação pela fé, obtida exclusivamente pela graça de Deus. (…) Lutero considera que, faça ele o que fizer, o ser humano tem necessidade da salvação pela graça. As suas obras estão marcadas por uma tara indelével: quando quer servir os outros, serve-se também deles para fins pessoais (…) Como as obras já não podem concorrer para a salvação, a moral é considerada antes de mais nada como um testemunho de reconhecimento em que cada cristão é chamado a responder pela “santificação” à sua justificação (…) **



* Embora existam várias e diferentes igrejas protestantes, como, aliás, no campo ortodoxo, preferi reservar o nome de religião para o cristianismo que, como disse em artigo anterior, abarca o conjunto das igrejas católicas, ortodoxas e protestantes.

** “As grandes religiões do mundo”, Jean Baubérot, Direcção de Jean Delumeau, 1993, Editorial Presença, 2002.


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