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01/12/09

IL DIVO

António Mesquita


Giulio Andreotti, à frente do partido da Democracia Cristã, sete vezes no governo da Itália, até o escândalo da "Tangentopolis" e do envolvimento da Máfia, condenado pela Justiça e mais tarde absolvido pelo Supremo. Conhecido por Belzebu, o Corcunda, a Raposa ou o Divo. Hoje, senador vitalício por nomeação presidencial.

Magistralmente interpretado por Toni Servillo, no filme de Paolo Sorrentino, "Il Divo", diz logo no início que "tirando as guerras púnicas, foi acusado de tudo em Itália", mas nunca se defendeu porque tem sentido de humor.

Lívia, a mulher, companheira de tantos anos, no fim de contas não conhece a esfinge melhor do que os outros. Um dia decide interromper o seu apoio e tentar criticá-lo por "sentir a necessidade de dizer a verdade". Resposta: "quem não tem necessidades, vive mais tempo".

O que se passa na cabeça deste Maquiavel tão seguro de si próprio que a necessidade de ser verdadeiro nunca se lhe impõe?

Um jornalista, velho conhecimento, confronta-o com uma série de circunstâncias que o incriminam e não podem ser o produto do simples acaso. Andreotti também não acredita no acaso. Acredita na vontade de Deus. Este argumento (foi por acaso que…?) é sempre simplista da parte de quem julga saber. E a Raposa lembra-lhe que foi ele quem salvou o jornal de cair nas mãos de Berlusconi (já ele). O outro retorque que as coisas foram um pouco mais complicadas do que isso: - "Pois é. Mas esse argumento também se aplica no meu caso. Foi mais complicado do que isso".

Tem remorsos este homem que acusam de ter deixado assassinar o amigo Aldo Moro? Parece que isso, pelo menos, o impede de dormir. Mas foi necessário. A "estratégia de tensão", com a manipulação do terror, foi necessária para formar um grande partido ao centro que salvasse a Itália da anarquia ou do comunismo.

Como se veio a revelar à luz do dia, o regime estava corrompido até às entranhas e a DC não escapou ao seu destino. Mas este político excepcional tinha a doutrina (da vontade de Deus) e o sangue frio necessários para administrar o monstro, e fê-lo com mestria durante os 44 anos que o seu partido esteve no poder. Andreotti foi a cabeça de que esse corpo corrupto precisava. Nenhuma outra faria "melhor". Foi preciso uma ideia exterior ao regime (a que está por detrás da "Operação Mãos Limpas") para lhe pôr fim.

A vontade de Deus é sempre a justificação do status quo. Andreotti tinha razão em reclamar-se dela. Por isso, como diz George Bataille, "Deus é pior ou está para além do mal. É a inocência do mal."


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