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01/07/22

REALPOLITIK

Mário Martins

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O conceito de “Realpolitik” significa uma “política externa baseada em avaliações de poder e interesse nacional”.
Henry Kissinger, 1994
Wikipédia

Para o antigo chefe da diplomacia norte-americana (hoje com uma idade acima de toda a suspeita) a guerra (entre a Rússia e a Ucrânia) deve ter um fim rápido e a Ucrânia deve ceder território para que seja alcançado um acordo de paz que, "idealmente, deve ter como linha divisória o regresso ao status quo que existia".

"Prolongar e insistir na guerra muito mais tempo levará a que passe a ser não uma questão de liberdade da Ucrânia, mas sim uma nova guerra contra a própria Rússia", defende Kissinger, sublinhando que o Ocidente não pode esquecer a importância de Moscovo no equilíbrio de poder na Europa e no Mundo, e que a Ucrânia deve desempenhar o papel de Estado neutral, independente, não devendo ser a fronteira da Europa.
Diário de Notícias, 24Maio2022

Alguns meses antes do início da guerra, conheci um chefe de Estado, um homem sábio, que me disse que estava muito preocupado com a forma como a Nato se estava a mover: ‘Eles estão a ladrar às portas da Rússia. E não compreendem que os russos são imperiais e não permitem que nenhuma potência estrangeira se aproxime deles. Esta situação poderá levar à guerra’. Aquele chefe de Estado foi capaz de ler os sinais do que estava para acontecer".
Papa Francisco
Semanário Sol, 14Jun2022

Este autêntico “balde de água fria” lançado por uma voz senatorial e experimentada, embora não isenta de mancha indelével na sua passagem pelo poder nos anos setenta, lembra, de uma forma crua e contra a corrente, aos líderes e à opinião pública do Ocidente, que a censurável invasão de um país soberano por outro, com o seu cortejo de sofrimento e destruição, sem uma razão de legítima defesa, não pode ser vista da mesma maneira quando o invasor é uma superpotência. O restrito clube das superpotências militares e nucleares goza do privilégio de repartir o mundo em esferas de influência (com a consequente limitação da soberania dos países geograficamente situados em cada esfera), assim equilibrando, nas palavras de Kissinger, o poder na Europa e no Mundo.

No caso russo, no entanto, a sua capacidade militar convencional tem sido, para surpresa de quase toda a gente, posta em xeque, em primeiro lugar, pelo heroísmo e moral do país invadido, mas também pelo armamento crescentemente fornecido pelo Ocidente, com os inevitáveis Estados Unidos à cabeça. Assiste-se, assim, a uma sobreposição de duas guerras, uma, directamente provocada pela agressão a um país soberano, e outra, desencadeada na sequência daquela, entre o bloco político ocidental e a superpotência russa, numa chamada “guerra de procuração” às claras.

Em todos os domínios das relações humanas, na guerra como na paz, há uma constante tensão entre o dever filosófico e as acções e omissões praticadas. Filosoficamente, para não falar de um direito internacional desacreditado, é indefensável que, mercê do seu estatuto de superpotência, haja países com prerrogativas especiais. Tal como é injustificável a ideológica superioridade de alguns povos sobre os demais. Sendo, a esta luz, indesculpáveis, a agressão russa a um país soberano e o sofrimento causado ao povo ucraniano que, inevitavelmente, alimentam a identidade nacional do país invadido e o ódio ao invasor.

Mas em termos estritos do xadrez geopolítico mundial, a invasão, embora brutal, é uma jogada típica de quem pretende reafirmar o seu estatuto de superpotência, mau grado, do ponto de vista geoestratégico, o “tiro tenha saído pela culatra”, com a quebra da neutralidade e o pedido de adesão à Nato da vizinha Finlândia e da Suécia.

Há quem veja nesta “realpolitik” de contemporização com a Rússia, defendida por Kissinger, o fantasma do acordo de Munique, assinado em 30 de Setembro de 1938, pelos líderes das maiores potências europeias à época: Inglaterra, França, Itália e Alemanha, esta já governada pelo partido nazi. Esse acordo concedia à Alemanha uma parte (a região dos Sudetas) do recém-criado estado da Checoslováquia, e o controle efectivo do resto do restante território, desde que Hitler prometesse que esta seria a última reivindicação territorial da Alemanha. Acordo que motivou a célebre acusação de Churchill ao negociador inglês Chamberlain: "Entre a desonra e a guerra, escolheste a desonra, e terás a guerra”. Poucos meses depois a Alemanha invadia toda a Checoslováquia (Wikipédia).

A “guerra fria” assente na dissuasão nuclear, cuja temperatura baixou com o colapso soviético, voltou a aquecer com a expansão da Nato e a crescente afirmação chinesa, e está agora ao rubro com a agressão russa à Ucrânia e a consequente desestabilização báltica.

Até onde, enfim, nos conduzirá a loucura humana?


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